Pensatempo: reforma agrária
Mostrando postagens com marcador reforma agrária. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador reforma agrária. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A vaca tossiu: Cavalo de Tróia ou cavalo de pau?

Leonardo Severo

““Nem que a vaca tussa ou o boi espirre” é uma expressão popular utilizada por anos a fio para designar não, nunca, jamais... Assim, para dar a dimensão do impossível, a presidenta Dilma Rousseff usou durante o processo eleitoral a figura da vaca para dizer que não mexeria nos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

sábado, 19 de outubro de 2013

Honduras importa 70% dos alimentos que consome e possui 59% das crianças com desnutrição crônica

Líder da Via Campesina, Rafael Alegria destaca importância da vitória do Partido Livre para virar a página da exclusão

Leonardo Wexell Severo, de Honduras

Rafael Alegria no encontro camponês em Tegucigalpa
Dos 8,5 milhões de hondurenhos, 4,6 milhões padecem de fome, vivendo em extrema pobreza em um país rico em recursos naturais e potencialidades. A situação tem se agravado ano a ano com a submissão do governo à cartilha recessiva e de desmonte do Estado. Hoje Honduras importa 70% dos alimentos que consome e possui 59% das suas crianças com desnutrição crônica. Conforme o coordenador da Via Campesina, Rafael Alegria, dirigente histórico dos trabalhadores rurais da América Central, crescem as expectativas de que a vitória da presidenta Xiomara de Castro Zelaya, do Partido Livre (Liberdade e Refundação) vire o jogo, deixando para trás o passado de servilismo aos interesses da oligarquia e das transnacionais. Na avaliação de Alegria, a hora é de superar a lógica neoliberal, que se aprofundou após a deposição do presidente Manuel Zelaya por um golpe de Estado patrocinado pelo governo estadunidense em junho de 2009.

A luta pela reforma agrária é pela justiça social para o campo e para a cidade.

É uma luta longa. São mais de 55 anos da primeira lei de reforma agrária em nosso país. Hoje continuamos nesta batalha, agravada pelas políticas neoliberais dos anos 90. Políticas que detiveram o processo de reforma agrária e liquidaram o acesso à terra, privatizaram toda a assistência técnica, o sistema financeiro, a comercialização e iniciou um processo brutal de concentração, de acumulação da terra mais produtiva de Honduras nas mãos do capital privado nacional e internacional, empurrando os camponeses de suas pequenas parcelas de terras e esquecendo-se deles até os dias de hoje.

Qual foi o resultado político, social e econômico desta política pró-latifúndio?

Isso teve sérias consequências em todos os âmbitos. O mais grave é a pobreza extrema. Dos quatro milhões de camponeses hondurenhos, mais de dois milhões e meio encontram-se jogados na extrema pobreza. É uma situação lamentável em que 59% das nossas crianças sofrem de desnutrição crônica. As mulheres estão expulsas e perseguidas por lutarem pela terra e os jovens são obrigados a sair do campo porque não encontram possibilidade de trabalho. Enquanto vivemos esta situação bastante difícil, sem salário, sem emprego e sem direitos, importamos 70% dos alimentos que consumimos dos Estados Unidos e do Canadá. Toda esta situação ainda é agravada pela criminalização da luta camponesa.

Um processo rumo ao fundo do poço que foi aprofundado após o golpe de estado de 2009 contra o presidente Manuel Zelaya.

Leonardo Severo com Rafael Alegria. Foto: Caio Plessmann
Exatamente. Quatro mil camponeses passaram pelas prisões neste governo de Porfírio Lobo. Mulheres e homens que estão lutando pela terra, pelos seus direitos e de suas famílias. É uma situação dramática. Por isso realizamos um Fórum no Dia Mundial da Alimentação, decretado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Em Honduras, nosso alerta é de que mais do que falta de alimento, estamos vendo a nossa população padecendo na pobreza extrema. Por isso nos manifestamos e organizamos uma feira para fazer a disputa também no campo das ideias, incentivando o consumo dos nossos alimentos do campo, porque hoje predomina a cultura da comida “chatarra”, da comida rápida.

Qual a sua avaliação sobre a unidade que começa a ser construída entre os movimentos dos trabalhadores da cidade e do campo?

Considero a unidade desses movimentos fundamental para garantirmos avanços nas condições de vida e trabalho para todos e todas. Ainda que o modelo neoliberal tenha golpeado fortemente as organizações ao ponto de quase tê-las feito desaparecer, nos articulamos em processos unitários e criamos estruturas como a Via Campesina que reúne seis entidades, fortalecendo e ampliando a luta pela transformação agrária. Com essa construção coletiva temos a esperança de que estarão dadas as condições para fazer profundas transformações e superar o modelo neoliberal com o novo governo, a partir da vitória do Partido Liberdade e Refundação (Livre). Porque em Honduras temos um problema de modelo, de sistema, que abandonou os camponeses. Para este modelo, o trabalhador não existe. Nossa proposta é refundar o campo com soberania alimentar, com sistema de financiamento, com crédito agrícola, com assistência técnica, onde as mulheres, jovens e indígenas tenham respeitado o seu direito fundamental à alimentação, tenham acesso à produção, à geração de emprego e renda. Esta é a nossa luta. 


segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

O dilema da Reforma Agrária no Brasil do agronegócio



O governo ainda não entendeu a natureza e a gravidade dos problemas sociais no campo

João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST

A sociedade brasileira enfrenta no meio rural problemas de natureza distintos que precisam de soluções diferenciadas. Temos problemas graves e emergenciais que precisam de medidas urgentes. Há cerca de 150 mil famílias de trabalhadores sem-terra vivendo debaixo de lonas pretas, acampadas, lutando pelo direito que está na Constituição de ter terra para trabalhar. Para esse problema, o governo precisa fazer um verdadeiro mutirão entre os diversos organismos e assentar as famílias nas terras que existem, em abundância, em todo o País. Lembre-se de que o Brasil utiliza para a agricultura apenas 10% de sua área total.
Há no Nordeste mais de 200 mil hectares sendo preparados em projetos de irrigação, com milhões de recursos públicos, que o governo oferece apenas aos empresários do Sul para produzirem para exportação. Ora, a presidenta comprometeu-se durante o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto Alegre, em 25 de janeiro de 2012, que daria prioridade ao assentamento dos sem-terra nesses projetos. Só aí seria possível colocar mais de 100 mil famílias em 2 hectares irrigados por família.
Temos mais de 4 milhões de famílias pobres do campo que estão recebendo o Bolsa Família para não passar fome. Isso é necessário, mas é paliativo e deveria ser temporário. A única forma de tirá-las da pobreza ó viabilizar trabalho na agricultura e adjacências, que um amplo programa de reforma agrária poderia resolver. Pois nem as cidades, nem o agronegócio darão emprego a essas pessoas.
Temos milhões de trabalhadores rurais, assalariados, expostos a todo tipo de exploração, desde trabalho semiescravo até exposição inadequada aos venenos que o patrão manda passar, que exige intervenção do governo para criar condições adequadas de trabalho, renda e vida. Garantindo inclusive a liberdade de organização sindical.
Há na sociedade brasileira uma estrutura de propriedade da terra, de produção e de renda no meio rural hegemonizada do modelo do agronegócio que está criando problemas estruturais gravíssimos para o futuro. Vejamos: 85% de todas as melhores terras do Brasil são utilizadas apenas para soja/ milho; pasto, e cana-de-açúcar. Apenas 10% dos fazendeiros que possuem áreas acima de 200 hectares controlam 85% de todo o valor da produção agropecuária, destinando-a, sem nenhum valor agregado, para a exportação. O agronegócio reprimarizou a economia brasileira. Somos produtores de matérias-primas, vendidas e apropriadas por apenas 50 empresas transnacionais que controlam os preços, a taxa de lucro e o mercado mundial. Se os fazendeiros tivessem consciência de classe, se dariam conta de que também são marionetes das empresas transnacionais,
A matriz produtiva imposta pelo modelo do agronegócio é socialmente injusta, pois ela desemprega cada vez mais pessoas a cada ano, substituindo-as pelas máquinas e venenos. Ela é economicamente inviável, pois depende da importação, anotem, todos os anos, de 23 milhões de toneladas (s/ç) de fertilizantes químicos que vêm da China, Uzbequistão, Ucrânia etc. Está totalmente dependente do capital financeiro que precisa todo ano repassar: 120 bilhões de reais para que possa plantar. E subordinada aos grupos estrangeiros que controlam as sementes, os insumos agrícolas, os preços, o mercado e ficam com a maior parte do lucro da produção agrícola. Essa dependência gera distorções de todo tipo: em 2012 faltou milho no Nordeste e aos avicultores, mas a Cargill, que controla o mercado, exportou 2 milhões de toneladas de milho brasileiro para os Estados Unidos. E o governo deve ter lido nos jornais, como eu... Por outro lado, importamos feijão-preto da China, para manter nossos hábitos alimentares.
Esse modelo é insustentável para o meio ambiente, pois pratica a monocultura e destrói toda a biodiversidade existente na natureza, usando agrotóxicos de forma exagerada. E isso desequilibra o ecossistema, envenena o solo, as águas, a chuva e os alimentos. O resultado é que o Brasil responde por apenas 5% da produção agrícola mundial, mas consome 20% de todos os venenos do mundo. C) Instituto Nacional do Câncer (Inca) revelou que a cada ano surgem 400 mil novos casos de câncer, a maior parte originária de alimentos contaminados pelos agrotóxicos. E 40% deles irão a óbito. Esse é o pedágio que o agronegócio das multinacionais está cobrando de todos os brasileiros! E atenção: o câncer pode atingir a qualquer pessoa, independentemente de seu cargo e conta bancária.
Uma política de reforma agrária não é apenas a simples distribuição de terras para os pobres. Isso pode ser feito de forma emergencial para resolver problemas sociais localizados. Embora nem por isso o governo se interesse. No atual estágio do capitalismo, reforma agrária é a construção de um novo modelo de produção na agricultura brasileira. Que comece pela necessária democratização da propriedade da terra e que reorganize a produção agrícola cm outros parâmetros. Em agosto de 2012, reunimos os 33 movimentos sociais que atuam no campo, desde a Contag até o movimento dos pescadores, quilombolas, MST etc., e construímos uma plataforma unitária de propostas de mudanças. E preciso que a agricultura seja reorganizada para produzir, em primeiro lugar, alimentos sadios para o mercado interno e para toda a população brasileira. E isso é necessário e possível, criando políticas públicas que garantam o estímulo a uma agricultura diversificada em cada bioma, produzindo com técnicas de agroecologia. E o governo precisa garantir a compra dessa produção por meio da Conab.
A Conab precisa ser transformada na grande empresa pública de abastecimento, que garante o mercado aos pequenos agricultores e entregue no mercado interno a preços controlados. Hoje já temos programas embrionários como o PAA (programa de compra antecipada) e a obrigatoriedade de 30% da merenda escolar ser comprada de agricultores locais. Mas isso atinge apenas 300 mil agricultores e está longe dos 4 milhões existentes.
O governo precisa colocar muito mais recursos em pesquisa agropecuária para alimentos e não apenas servir às multinacionais, como a Embrapa está fazendo, em que apenas 10% dos recursos de pesquisa são para alimentos da agricultura familiar. Criar um grande programa de investimento em tecnologias alternativas, de mecanização agrícola para pequenas unidades e de pequenas agroindústrias no Ministério de Ciência e Tecnologia.
Criar um grande programa de implantação de pequenas e médias agroindústrias na forma de cooperativas, para que os pequenos agricultores, em todas as comunidades e municípios do Brasil, possam ter suas agroindústrias, agregando valor e criando mercado aos produtos locais. O BNDES, em vez de seguir financiando as grandes empresas com projetos bilionários e concentradores de renda, deveria criar um grande programa de pequenas e médias agroindústrias para todos os municípios brasileiros.
Já apresentamos também ao governo propostas concretas para um programa efetivo de fomento à agroecologia e um programa nacional de reflorestamento das áreas degradadas, montanhas e beira de rios nas pequenas unidades de produção, sob controle das mulheres camponesas. Seria um programa barato e ajudaria a resolver os problemas das famílias e da sociedade brasileira para o reequilíbrio do meio ambiente.
Infelizmente, não há motivação no governo para tratar seriamente esses temas. Por um lado, estão cegos pelo sucesso burro das exportações do agronegócio, que não tem nada a ver com projeto de país, e, por outro lado, há um contingente de técnicos bajuladores que cercam os ministros, sem experiência da vida real, que apenas analisam sob o viés eleitoral ou se é caro ou barato... Ultimamente, inventaram até que seria muito caro assentar famílias, que é necessário primeiro resolver os problemas dos que já têm terra, e os sem-terra que esperem. Esperar o quê? O Bolsa Família, o trabalho doméstico, migrar para São Paulo?
Presidenta Dilma, como a senhora lê a CartaCapital, espero que leia este artigo, porque dificilmente algum puxa-saco que a cerca o colocaria no clipping do dia.