Pensatempo: abril 2013

terça-feira, 30 de abril de 2013

Para pesquisadora, 'modernizar' CLT é 'canto de sereia desastroso'




Carteira de trabalho: símbolo da CLT que os neoliberais temem

Interesses financeiros insistem em retirar direitos conquistados pelas lutas dos trabalhadores, como os assegurados pelo emprego formal 

A professora Magda Barros Biavaschi, desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região (Rio Grande do Sul) e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), contesta com veemência a tese segundo a qual a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) apropriou-se do discurso dos trabalhadores. Ao afirmar que o texto lançado em 1943 por Getúlio Vargas tem "profunda conexão com as necessidades sociais" de seu tempo histórico, ela afirma que a "vetusta e competente senhora", a CLT – que completará 70 anos nesta quarta (1) – , tem enfrentado embates com dignidade.

Segundo a pesquisadora, não se sustenta "teórica e empiricamente" a tese de que a CLT brasileira se inspira na Carta del Lavoro fascista. O arcabouço jurídico-institucional trabalhista brasileira, afirma, se construiu a partir do diálogo com várias correntes de pensamento (socialistas, comunistas, positivistas, católicos, anarquistas, progressistas, conservadores) e atenta à "realidade externa e interna", no contexto de um projeto de modernização da sociedade. 

Em novembro de 2005, Magda Biavaschi defendeu tese no Instituto de Economia da Unicamp para obter título de doutora em Economia Social do Trabalho. Pesquisou em diversas fontes, sendo uma das quais as reclamações trabalhistas nas antigas Juntas de Conciliação e Julgamento (atuais Varas do Trabalho), criadas antes mesmo da CLT, em 1932. Ela também fez várias entrevistas com o jurista Arnaldo Süssekind (que morreu há pouco menos de um ano), que integrou a comissão responsável pela elaboração da CLT, no início dos anos 1940.

Os direitos sociais vêm sucumbindo "à força bruta" em todo o mundo, afirma a pesquisadora. No caso brasileiro, adeptos do pensamento único seguem criticando uma suposta rigidez da legislação trabalhista, que impediria o país de ser mais competitivo e de ter aumentada a sua produtividade. Esse discurso embute "cantos de sereia", afirma, tentando fazer com que se trilhem caminhos "que já se mostraram desastrosos no final do século 19".

A seguir, a íntegra da entrevista, concedida por e-mail.

Em sua tese, a senhora diz que a afirmação de que a nossa legislação trabalhista é cópia da Carta del Lavoro, além de redutora, é insustentável teórica e empiricamente. Observa que o arcabouço jurídico foi sendo construído a partir do diálogo com várias linhas de pensamento. Construiu-se, então, um senso comum historicamente equivocado sobre as origens da CLT?
Não têm sido poucos os embates que esta vetusta e competente senhora vem enfrentando, aliás, com muita dignidade. E apesar desses embates e das transformações pelas quais tem passado, ela resiste. Resiste porque construída em profunda conexão com as necessidades sociais do tempo histórico em que elaborada, densamente imbricada na tecitura social brasileira. Somente essa constatação contribui para desconstituir o mito da outorga ou do roubo da fala dos trabalhadores.
Pessoalmente ou por meio de seus sindicatos, eram trabalhadores que clamavam pelo cumprimento das normas de proteção ao trabalho que, a ferro e fogo, estavam sendo inscritas no arcabouço jurídico de um país de capitalismo tardio, em referência a João Manoel Cardoso de Mello, em meio ao processo de industrialização. Tendo com questão primeira demonstrar que a tese da cópia fascista não se sustenta tanto teórica, quanto empiricamente, com uma lente de longa duração busquei descortinar o processo de construção de um direito novo, profundamente social, cujas origens estão fincadas no século 19, e, a seguir, o de constituição da legislação social do trabalho brasileira.
Foi no século 19 da Grande Indústria Inglesa, em tempos de capitalismo constituído, que as condições históricas, sociais e políticas para o nascimento desse novo ramo do Direito, dotado de fisionomia própria e fundamentado em princípios forjado no campo das lutas sociais estavam dadas. Direito esse que nasceu em um cenário em que a natureza do Estado foi sendo modificada e a ordem burguesa liberal solapada, em um processo que se completa no século 20 e em que o Estado passa a intervir nas relações econômicas e sociais, produzindo normas.
Nessa caminhada, chegou-se ao Brasil e às suas especificidades, podendo-se afirmar que a legislação brasileira de proteção ao trabalho não é cópia da Carta del Lavoro. E repito: sim, a tese da cópia, para além de redutora, é insustentável teórica e empiricamente. Aliás, os capítulos segundo e terceiro ilustram essa compreensão, fundamentada em profunda investigação das fontes materiais.
Portanto, em respeito à tua pergunta, afirmo que, analisando com lupa as fontes e com elas dialogando, constatei que a construção do arcabouço jurídico-institucional trabalhista brasileiro, pode, em muito, ser tributada à Intelligentsia dirigente desenvolvimentista, por assim dizer, que, sob a batuta de Getúlio e dialogando com várias correntes de pensamento presentes na base do governo – socialistas, comunistas, positivistas, católicos, anarquistas, progressistas, conservadores – e atenta à realidade externa e interna e às demandas daquele momento histórico, buscava encontrar caminhos que dirigissem a certa unidade dentro de um projeto modernizador da sociedade brasileira.
Desconstituir o mito da cópia fascista não foi trajetória fácil. Até porque, conquanto a historiografia mais recente sobre a Era Vargas tenha avançado no sentido de um hibridismo que não se coaduna com rotulações simplificadoras como, dentre outras, “autoritarismo de Estado”, “fascismo”, “Estado de compromisso”, no campo do Direito persiste uma bibliografia razoável que, analisando a legislação trabalhista brasileira insiste em afirmar ser sua matriz a Carta de Mussolini.
Nesse sentido, o quanto foi importante o contato com o ex-ministro Arnaldo Süssekind?
Graças às entrevistas realizadas com o ministro Arnaldo Süssekind, então único integrante vivo da comissão que elaborou a CLT, conheci as teses aprovadas no 1º Congresso de Direito Social, organizado em 1941, em São Paulo, pelo professor Cesarino Júnior, responsável pela cadeira de Direito Social na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Muitas delas foram utilizadas pela comissão redatora da CLT como fonte material imprescindível.
E foi também assim que me deparei com os processos que tramitaram na antiga Junta de Conciliação e Julgamento (atual Vara do Trabalho) de São Jerônimo no final da década de 1930 e inicio da década de 1940, zona carbonífera de grande prosperidade no período. Examinando essas reclamações vi que, no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, destacados juristas, inspirados em construções jurídico-normativas da época e nas produções doutrinárias de então, exaravam pareceres pela via da “avocatória” – as reclamações eram dirimidas pelas Juntas de Conciliação e Julgamento em instância única, porém, pela via da “avocatória”, as partes, insatisfeitas com a decisão, requeriam ao ministro do Trabalho que avocasse o feito, remetido, inicialmente, ao ilustrado corpo de pareceristas como, dentre outros: Evaristo de Moraes, Oliveira Viana, Joaquim Pimenta, Agripino Nazareth, Oscar Saraiva e, mais tarde, o jovem Arnaldo Süssekind, que exaravam verdadeiras aulas-fonte da legislação material e processual que se seguiu –, produzindo, a partir das reivindicações trabalhistas da época, uma ação concreta no sentido da institucionalização de regras jurídicas que, contemplando certos princípios, de resto construções históricas, elevaram os trabalhadores à condição de sujeitos de direitos trabalhista em um país em luta hercúlea para superar suas heranças escravocratas, patriarcais e monocultoras. Isso tudo está fartamente documentado na tese, em especial em seus anexos.
Assim, as normas de proteção social ao trabalho foram sendo construídas e, com elas, foram sendo criadas as instituições do Estado com competência para dizê-las e fiscalizá-las, em um processo em que uma burocracia profissional igualmente era constituída. Nos processos estudados, que compõe o acervo do Memorial/RS (Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, cuja comissão coordenadora ela integra desde 2004), os casos concretos, os conflitos do trabalho, os pareceres, as regras positivadas, as decisões, a doutrina, formavam um complexo que interagia, produzindo soluções e impulsionando a criação de novas regras, em um tempo carente de um Código do Trabalho. Tudo aos olhares atentos do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
No dizer de Arnaldo Süssekind, lugar da formação de uma jurisprudência pretoriana que, conquanto administrativa, foi também constitutiva de direitos. Nesse sentido, a construção da regulação social do trabalho pode ser lida como uma intervenção extramercado, em um momento em que a humanidade se dava conta de que a ordem liberal dão dava conta da questão social e, muito menos, da econômica, sucumbindo, segundo Polanyi, ao assalto de moinhos satânicos. E diante da crise, aprofundada no entre guerras, a resposta no mundo inteiro foi antiliberal, com a planificação econômica pelo Estado sendo a regra, quer de forma democrática, quer de forma autoritária.
E no Brasil?
No Brasil, esse processo foi tardio, imbricado nas especificidades do desenvolvimento do capitalismo. Com o dinamismo da economia nucleado pela expansão da acumulação cafeeira, as grandes fazendas monocultoras faziam uso da mão de obra escrava. Ao ser introduzido o trabalho “livre”, no processo de substituição do braço escravo pelo do colono imigrante, fez-se necessária uma “boa lei de locações”, que, com suas “parcerias” e o envolvimento das famílias dos parceiros no processo produtivo, barateou o custo do trabalho. Consolidava-se, assim, a exploração da uma mão de obra barata, em uma sociedade cujo tecido era costurado com o signo da desigualdade.
Com a Lei Áurea, um bando de “homens livres”, “errantes”, “banzeiros”, “marginais”, acumulava-se nas cidades; por outro lado, as políticas de imigração acirravam o problema da existência de uma massa marginal, com seu inegável potencial reprodutor. Situação que a Lei dos Dois Terços procurou superar. A década de 1930 marca a pujança de uma produção normativa trabalhista, Direitos de longa data reivindicados passam a ser reconhecidos e, nesse processo, vão sendo institucionalizados pelo Estado, tendo no voto universal e na Lei dos Dois Terços momentos iniciais de grande relevância. Esse processo, que passou pela construção da CLT e pela criação de uma Justiça especializada para dizer o novo Direito que se constituía, culminou com a Constituição cidadã de 1988, promulgada em meio à crise do Estado de bem-estar.
À crise dos gloriosos 30 anos de um capitalismo regulado, a resposta em vários cantos do mundo foi liberal, com algumas exceções. Dessa forma, ao embalo desses ventos, os direitos sociais e as instituições republicanas passaram a padecer à ação da força bruta da um capitalismo destrutivo, sem peias. O Direito do Trabalho e, no caso da nossa aniversariante, a CLT, inserem-se nessa complexidade. Pensada no início da década de 1940, a CLT foi abrangente e ousada, como é exemplo o artigo 2º, § 2º que trata da solidariedade das empresas que compõem o grupo econômico, dentre outros institutos que permanecem atuais.
É falsa ou contestável a afirmação, também corrente, de que Vargas, ao estabelecer direitos trabalhistas, em contrapartida criou um sistema de controle dos sindicatos, de atrelamento automático ao Estado?
Não se pode olhar para a história com uma única lente que “chapa” a visão e impede que se compreenda a sociedade e seus processos com sentido de profundidade, de terceira dimensão. A grande crítica que certos analistas fazem ao Decreto Sindical de 1930 é a de que instituiu o sindicato único, com inspiração, dizem eles, fascista. Mas aqui fico com Süssekind, acompanhado, nesse aspecto, por Evaristo de Moraes Filho. A comissão que redigiu o decreto datado de 1931, que tratou da organização sindical e instituiu o sindicato único, era composta por renomados juristas, comunistas, socialistas, positivistas, anarquistas, atentos às reivindicações e aos princípios da época. Como salientou Evaristo de Moraes Filho em relação à equipe que elaborou o Decreto em questão, de março de 1931:
[...] era formada de velhos lutadores sociais, antigos socialistas, lutadores socialistas, e, não raro, anarquistas, em prol das reivindicações dos trabalhadores nos tempos chamados heróicos, anteriores a 30. Nenhum deles era de formação corporativista, muito menos fascista (Estado e sindicatos no Brasil. Os mecanismos de coerção sindical. (O Estado de São Paulo, São Paulo, 20 nov. 1986).
Quanto à equipe propriamente dita, destaca que um de seus méritos foi o de incorporar antigos líderes e lutadores socialistas, como Agripino Nazareth, Evaristo de Moraes Joaquim Pimenta, Carlos Cavacco, Deodato Maia:
[...] Agripino tomou parte na célebre revolta dos sargentos, anarquista, de 1918, e comandou a maior greve na Bahia de 1919. Pimenta foi o maior agitador no Nordeste na década de 10. Carlos Cavacco, gaúcho, socialista, ainda como auxiliar do próprio Collor foi preso como agitador em Fortaleza, durante o ano de 1931. Nenhum dos colaboradores de Collor era de direita ou favorável a qualquer manifestação corporativo-fascista. [...] O próprio Deodato Maia, o mais tranqüilo deles, já havia escrito um pequeno ensaio “A Regulamentação do Trabalho”, livro de 1912, reunindo seus discursos como deputado federal em favor dos trabalhadores.
Portanto, penso que precisamos olhar para história com essa perspectiva. Aliás, os processos que compõem o acervo do Memorial da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul, contam com riqueza essa história. Por outro lado, os anais da Câmara dos Deputados brasileira das décadas de 1917, 1918, 1019, em meio à discussão sobre um Código do Trabalho e as dificuldades de aprová-lo, mostram que uma das reivindicações dos trabalhadores, em especial no período das greves, era a de um sindicato único, contestado pelo poder econômico que apontava para um monopólio sindicato e contrapropunha uma organização sindical por empresa.
A senhora também afirma (nas considerações finais) que, hoje, os direitos sociais parecem sucumbir à força bruta de um capitalismo desumano, em um contexto de globalização neoliberal. Nesse sentido, a CLT seria um instrumento de resistência? Até que ponto as reformas na estrutura estatal, a partir dos anos 1990, atingiram o conteúdo da legislação do trabalho?
Minhas considerações finais foram escritas em 2005. Da lá para cá, no Brasil, houve mudanças visíveis, sobretudo a partir da crise mundial de 2008, gerada pela overdose de um capitalismo sem peias. Graças à ação do governo, às políticas anticíclicas, à ação dos bancos públicos, à redução de juros, às políticas de estímulo ao crédito, enfim, criaram-se as condições para mais bem se enfrentar a crise. Ainda que hoje se constate redução do PIB, e conquanto os dados da indústria preocupem, no mundo do trabalho a situação é de pleno emprego e melhoria da renda. Milhares saíram da linha da pobreza e muitos jovens saem da PEA (população economicamente ativa) para estudar, em face das políticas de estímulo a tanto.
Continuamos, é verdade, devendo para a desigualdade social, para uma Justiça que cumpra, para regras que garantam o emprego e reduzam a rotatividade de mão de obra. Mas a melhoria é real. Ampliou-se a formalidade. Reduziram-se inseguranças. Mas os profundos conflitos e tensões permanecem. Os interesses financeiros mundiais se afirmam com seus efeitos deletérios dada ação de um capitalismo movido por seu insaciável desejo de acumulação da riqueza abstrata, nas corretas reflexões do professor (Luiz Gonzaga) Belluzzo.
No final do governo FHC, houve uma tentativa de “flexibilização” da CLT, a partir de alterações no artigo 618, permitindo que o negociado prevalecesse sobre o legislado. A iniciativa fracassou, mas a tese segue sendo defendida por muitos especialistas e atores sociais. O que a senhora pensa a respeito? A CLT pode ser mantida como a conhecemos hoje, com atualizações, ou deveríamos pensar em um novo código do trabalho?
Em boa parte do mundo, os direitos sociais continuam a sucumbir à força bruta. Em nosso país, certos adeptos do pensamento único continuam a insistir na “quebra” da alegada rigidez da CLT para que o país seja competitivo e a produtividade aumente, apontando para a negociação coletiva como espaço normativo privilegiado, ao argumento, renovado, de que é nas brechas do mercado que o Estado deve regular.
Tanto as propostas mais recentes de retomada do primado do encontro das “vontades livres” quanto o projeto de lei que busca regulamentar a terceirização, o PL 4.330 (projeto do deputado Sandro Mabel, do PMDB-GO, em discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara), são cantos da sereia que insistem em que se trilhem caminhos que já se mostraram desastrosos no final do século 19, sucumbindo à evidência de que as “mãos invisíveis” têm dono e que os interesses abstratos do dinheiro atuam como uma avalanche quando não há diques suficientes para detê-los. Esse receituário continua sendo oferecido nesta quadra da humanidade, ainda que seus destrutivos se tenham mostrado insustentáveis, tornando evidente que ao se atribuir ao mercado a direção dos destinos dos homens se os despoja de suas instituições, levando-os a sucumbir ao assalto de moinhos satânicos.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Piedad Córdoba: Saída para a Colômbia é a integração; sozinhos não podemos

Ex-senadora Piedad Córdoba, da Colômbia

A Colômbia vive um momento histórico de diálogo entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (Farc-EP). Mobilizada, esta sociedade vive um intenso debate e participação em torno dos Diálogos de Paz. Para a ex-senadora, Piedad Córdoba, “os colombianos não conseguem encaminhar este processo sozinhos”, daí a importância do apoio de países como Brasil, Cuba e Venezuela e de eventos como o Fórum que será realizado de 24 a 26 de maio em Porto Alegre.

Leonardo Wexell Severo e Vanessa Silva – do ComunicaSul, de Caracas
Foto do Joka Madruga


Em Caracas, onde participou do processo eleitoral venezuelano, a ativista de direitos humanos e porta-voz do Movimento Marcha Patriótica ressaltou a importância do ex-presidente Hugo Chávez para o início das conversações entre a guerrilha, o governo e a sociedade colombiana que tiveram início com a instalação dos Diálogos de Paz no país. “Chávez com sua inteligência sabia a importância do fim da guerra na Colômbia para a paz na América Latina. Temos que ter consciência de que sozinhos os colombianos não podemos. Por isso, precisamos do apoio de todos os latino-americanos”.
No início de abril, milhares de colombianos saíram às ruas para expressar apoio aos diálogos de paz instaurados em Havana com o apoio de Cuba, Venezuela, Chile e Noruega. “Conseguimos mobilizar quase um milhão de pessoas: camponeses, indígenas, negros, indígenas, mulheres, estudantes em torno da paz”, conta a ativista pelos direitos humanos.

Qual é a importância que Chávez teve na instalação do processo de paz na Colômbia?

Piedad Córdoba: Muitíssima, porque sempre esteve muito interessado na paz. Ele ajudou muito no processo de libertações [de prisioneiros das Farc], sem o qual creio que não estaríamos neste momento começando o que se conhece como a Mesa de Havana. Sua participação permanente, contribuição, colaboração, foram definitivas. Sem isso, não creio que teria sido possível pensar que podemos conseguir a paz.

Leonardo Wexell Severo, Piedad Córdoba e Vanessa Silva
Milhares de colombianos foram às ruas para respaldar este processo. Como avalia o atual momento da Colômbia?
É muito importante e a Marcha Patriótica avalia que temos muita força. Muitas pessoas foram mobilizadas. As pessoas estão buscando a paz e não querem o fracasso das negociações da Mesa de Havana. É uma chance tanto para o governo nacional, como para as Farc de avançar para que também se incluam o Exército de Libertação Nacional (ELN) e a sociedade [nos diálogos em Havana].

Será realizado no Brasil, entre os dias 24 e 26 de maio, o Fórum Pela Paz na Colômbia. Como ele poderá contribuir com este processo?

O Fórum é muito importante porque o apoio internacional é definitivo não só para a Colômbia, mas para toda a região, para que o povo entenda que é preciso conseguir a paz. A paz da Colômbia é a paz da região também, e nós temos uma ameaça muito grande pelo que significa a incidência dos Estados Unidos na Colômbia. Então creio que do ponto de vista ético e humanitário, a Colômbia está passando por um momento histórico muito complicado e muito grave. Nessa medida, a comunidade internacional tem pressionado para que isso [o conflito] realmente acabe. Diante do marco deste processo, vamos gerar imaginários a favor da paz na América Latina e na própria Colômbia.

Como se comportam os grandes meios de comunicação diante dos processos de paz?
Eles agem como agem sempre. São porta-vozes do poder estabelecido, que resiste a dar espaço à participação política, à mudança do número da pobreza e miséria institucional, a dar margem para outras alternativas. Resumindo, ela tem um péssimo papel de isolamento, macartização [mudança nas leis dos Estados Unidos para a perseguição de comunistas, progressistas, esquerdistas] e acusações que contribuem muito pouco para que as pessoas se informem de verdade e livremente sobre o país.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Observadores brasileiros destacam “total legitimidade” da eleição de Maduro



Entrevistando o ex-governador gaúcho Olívio Dutra
Samuel Pinheiro Guimarães, Olívio Dutra e Roberto Amaral desmentem alegações da oposição de direita, apoiada pelos governos dos EUA e da Espanha

Leonardo Wexell Severo, de Caracas

(Fotos de Joka Madruga - ComunicaSul)
 
Convidados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela para acompanhar o pleito do último domingo (14) no país vizinho, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto-Representante Geral do Mercosul; o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra; e o ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, foram unânimes durante entrevista em Caracas, nesta terça-feira, em reafirmar a “total legitimidade” da eleição do presidente Nicolás Maduro.

Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães: foram eleições limpas
“Acompanhamos todas as etapas, uma vez que passamos a semana na Venezuela. O CNE explicou detalhadamente todo o processo, desde a sua construção e funcionamento, a sua rede, o voto eletrônico, a forma de aferição, a eficiência, a legitimidade e a objetividade”, declarou Olívio Dutra. Durante todo o período, ressaltou o líder gaúcho, ocorreram reuniões com os técnicos do órgão eleitoral que também trataram de especificidades jurídicas, esclarecendo a todos de forma pormenorizada. “Visitamos locais onde as urnas são aferidas, as instalações e várias seções eleitorais. Pudemos constatar muita responsabilidade e preocupação com a objetividade do processo. As eleições de domingo foram realizadas de forma eficiente e transparente, de forma que o eleitor tivesse consciência”. Desde que o cidadão chega para votar, apontou Olívio, há cinco etapas distintas e separadas para garantir a mais completa privacidade, o segredo do voto, num formato de “ferradura” na sala de votação. Após apresentar a cédula de identidade e digital, o eleitor vai até a máquina escolher seu candidato na tela e confirmar o nome no monitor. A máquina então imprime o comprovante, o eleitor confirma o seu voto e coloca na urna. Depois assina o caderno de votação e pinta o dedo mindinho com uma tinta indelével.

“O resultado deu a vitória ao candidato oficial, Maduro, com uma vantagem inferior a 2%. Esta foi a verdade das urnas. Este é um dado objetivo”, sublinhou o ex-governador, contestando as alegações de fraude sustentada pelo candidato oposicionista, Henrique Capriles, que conclamou seus apoiadores e não reconhecerem o resultado. O pedido foi prontamente atendido e amplamente repercutido pelos governos dos Estados Unidos e da Espanha. 

Numa sociedade “altamente politizada” como a venezuelana, ressaltou Olívio, estas foram eleições “disputadíssimas”, com amplas liberdades. “Nas ruas, nas rádios e televisões, nas bancas de jornais, vi uma demonstração de que há liberdade de imprensa. Inclusive, a grande maioria é de oposição e diz o que bem entende”.

Para o ex-governador, a vitória do candidato chavista aponta para um “avanço na democracia da Venezuela”. “Que bom que esse exemplo possa se irradiar e que os problemas da democracia sejam resolvidos com mais democracia”. Olívio lembrou que a lisura do pleito foi destacada pelo conjunto dos observadores internacionais, que expressaram por escrito essa mesma opinião. “Ouvi a todos nas reuniões, ninguém colocou em dúvida a legitimidade do processo, que foi marcado pela eficiência, transparência e verdade”, acrescentou.
 
” VITÓRIA DA DEMOCRACIA “
 
Renomado intelectual, autor dos livros Quinhentos anos de periferia e Desafios brasileiros na era dos gigantes, ex ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República no governo Lula, Samuel Pinheiro Guimarães também sustenta que o resultado foi uma “vitória da democracia”. “Foram eleições absolutamente limpas, com amplíssima liberdade de imprensa, num processo de votação sem nenhuma restrição”. Conforme o embaixador, o sistema eleitoral venezuelano é “bem mais avançado do que o dos supostos países democráticos, como os Estados Unidos e a Espanha”.

Sobre o significado da vitória de Maduro para a integração latino-americana, Samuel analisa que a eleição do chavista dará “continuidade à orientação da política externa venezuelana em relação à América do Sul, com maior aproximação do Brasil e da Argentina e o ingresso da Venezuela no Mercosul, extremamente importante, uma garantia contra um golpe da direita”.  Ele também destacou a relevância econômica da Venezuela para a integração ser potencializada.

Na avaliação do embaixador, neste momento, “a oposição procura deslegitimar, de todas as formas possíveis a vitória do PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela) e de seus aliados”. Pedir a recontagem de todas as urnas, disse, é algo que “não está previsto na legislação, nem é necessário”. Samuel lembra que esta “tentativa de desestabilização” tem se tornado um “clima permanente” na República Bolivariana. “Agora, como a diferença foi pequena, a oposição mobiliza apoios de alguns governos como o dos Estados Unidos e da Espanha, e algumas organizações como a OEA, que deram declarações que não reconhecem o resultado das urnas”, condenou.
 
ALERTA CONTRA OS GOLPISTAS
 
Para o ex-ministro de Ciência e Tecnologia e vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Roberto Amaral, “mais do que eleitoral, as eleições mostraram um crescimento ideológico da direita, o que é muito preocupante”. “Isso está estampado nas declarações de Capriles e dos jornais que, contrariando as regras do jogo, se recusam como oposição a aceitar que perderam e prometem desestabilizar o país. Daí a importância das forças de esquerda de toda a América Latina acompanharem de perto esse processo”, asseverou.

Roberto Amaral disse ter visto nos dias que passou na Venezuela, “uma participação popular que há muitos anos não se vê no Brasil, num processo extraordinário, limpo, transparente e seguro. Muito mais do que o nosso, inclusive”.

Segundo o líder socialista, a vitória de Maduro fortalece a integração da América Latina, “na qual o Brasil está interessado”, enquanto a candidatura oposicionista representa a “anti-integração”, mais do que óbvia por seus estreitos vínculos com o governo dos Estados Unidos. “A eleição de Maduro fortalece o Mercosul muito além da economia, pois tem grande importância geopolítica. Representa a articulação da Venezuela, Argentina, Brasil, Equador, Bolívia e Uruguai, fundamentalmente, para que mantenhamos o avanço das forças populares e progressistas da América Latina”, concluiu.  

sábado, 13 de abril de 2013

“Todo 11 tem seu 13; e seu 14!”, afirmam venezuelanos


Datas relembram o golpe contra a Chávez, a derrota dos golpistas e a vitória de Nicolás Maduro neste domingo.


Há 11 anos, no dia 13 de abril de 2002, um levante popular resgatou o presidente Hugo Chávez, que havia sido sequestrado 47 horas antes por militares, estimulados pelos grandes meios de comunicação a serviço do governo dos Estados Unidos, inconformado com as medidas de nacionalização e resgate da soberania expressas pela Constituição de 1999 e adotadas pelo governo bolivariano.

Por Leonardo Wexell Severo e Vanessa Silva, de Caracas

“Todo 11 tem seu 13”. O ditado venezuelano expressa a confiança na superação e na vitória, como o nosso “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”: após o golpe no 11, a volta triunfal no 13. Ao que se acrescenta agora o 14, data deste domingo de eleições presidenciais, onde todos projetam uma nova vitória da revolução bolivariana com a eleição de Nicolás Maduro.


Mais do que uma crença, esta convicção, é um sentimento profundo, expresso nas palavras “Chávez, eu juro, meu voto é para Maduro”, que ganhou as ruas de Caracas já durante o cortejo fúnebre.

“Há 11 anos ocorreu o massacre de Laguna com mercenários de El Salvador e da América Central. Há 11 anos cometeram um massacre contra nossa gente para justificar o golpe de Estado. Assim como o 11 de abril tem seu 13, o povo venezuelano terá agora o 14 de abril, que será a data da ressurreição, fruto do povo que saiu às ruas para respaldar esta revolução iniciada pelo presidente Hugo Chávez”, disse Maduro durante o comício realizado no emblemático 11 de abril, em Caracas.

Por sua vez, a oposição neoliberal e privatista se encontra desestimulada e dividida, batendo cabeça entre reconhecer a iminente derrota eleitoral do próximo domingo ou partir para a confrontação. Esta última tendência está expressa pelo uso de paramilitares colombianos e mercenários salvadorenhos, recentemente presos pela Guarda Nacional da Venezuela com abundância de armamentos e explosivos.

Na luta política e ideológica contra a reação, os meios públicos de comunicação venezuelanos destacam em sua programação, com fartura de imagens, como a grande mídia tentou manipular a opinião pública com vistas a respaldar os criminosos. Lembram que a alegação dos golpistas em 11 de abril de 2002 para afastar o presidente democraticamente eleito, dissolver a Assembleia Nacional e o Supremo Tribunal, e rasgar a nova Carta Magna – de forma a voltar a apropriar-se do petróleo, principal riqueza do país - foi o caos que tomou conta das ruas de Caracas após suposto “choque” entre partidários e opositores do governo na ponte Laguna. O banho de sangue deixou dezenas de mortos e feridos. Conforme esclareceu o documentário “A revolução não será televisionada”, as balas partiram de franco-atiradores, contratados para criar o caldo de cultura à reação.

Com o apoio propagandístico e desinformativo dos grandes conglomerados de comunicação, o golpe de 11 de abril colocou a faixa presidencial no presidente da Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio (Fedecâmaras), Pedro Carmona Estanga, que prontamente determinou que fossem encontrados “vivos ou mortos” os dirigentes chavistas. O cartaz do libertador e herói nacional Simón Bolívar foi retirado do salão presidencial e jogado num banheiro. Numa afronta à lei internacional, a embaixada de Cuba chegou a ser cercada com a participação do então prefeito de Baruta, Henrique Caprilles, e se instaurou um clima de perseguição e medo.

Apesar de todas as pressões e chantagens, e do apoio explícito dado pelo governo estadunidense, o golpe foi derrotado e a guarda presidencial conduziu Chávez de volta ao Palácio de Miraflores, diante de uma multidão que, exigindo o retorno do presidente, cercou o prédio em respaldo a Chávez. A partir daí, a história é conhecida e a Pátria foi construída, pelo povo venezuelano, senhor de seu destino.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Novo desastre da Exxon inunda com petróleo cidade dos EUA

Em 2011 foi a vez do famoso Parque de Yellowstone ter seu rio poluído após ruptura de duto da companhia

Leonardo Wexell Severo, no jornal Hora do Povo

Cerca de 10 mil barris de petróleo bruto da transnacional ExxonMobil vazaram... no final de sexta-feira (29) nos Estados Unidos após o rompimento do gasoduto Pegasus, próximo à cidade de Mayflower, no Arkansas, apontou a agência Reuters.
 
Durante 45 minutos foram mais de um milhão e meio de litros derramados, o que obrigou a retirada de moradores das proximidades. As imagens das televisões locais mostraram um rio de petróleo margeando a estrada e até a insuspeita – no caso - Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) avaliou o vazamento como de "grandes proporções". Conforme as autoridades, foi evitada até o momento a contaminação do lago Conway, principal reserva de água potável da região, e mais de 4 mil barris já teriam sido recolhidos pelas equipes de limpeza.
 
Os "acidentes" na ExxonMobil se multiplicam na mesma proporção em que mínguam os investimentos em segurança, denunciam ativistas. Em julho de 2011 um outro vazamento - segundo dados da própria empresa - contaminou com mil barris de petróleo o rio Yellowstone, no Estado de Wyoming, forçando as autoridades locais a evacuarem a população ribeirinha numa distância de 130 quilômetros. Neste caso, a corporação foi multada em US$ 1,7 milhão após a constatação de um erro grosseiro: a Exxon retardou o fechamento de uma válvula, o que aumentou em 2/3 a quantidade de petróleo dissipado.
 
"Maior empresa de capital aberto do mundo", a Exxon é também uma das gigantes quando se fala em contaminação. Entre os maiores vazamentos já registrados no planeta está o do petroleiro Exxon Valdez, ocorrido em 24 de março de 1989, quando a embarcação estadunidense se chocou contra um recife, no Alasca, despejando 42 mil toneladas de petróleo. A "maré negra" alcançou mais de seis mil quilômetros quadrados, sendo, até o momento, o maior desastre ambiental da história dos EUA.
 
GIGANTES DA CONTAMINAÇÃO
 
Ficando restrito apenas aos Estados Unidos e a um único ano, o de 1990, pudemos encontrar várias "marés negras" provocadas pela exploração predatória e sem qualquer segurança, seja para o meio ambiente, a população ou os trabalhadores das petroleiras. No dia 6 de março vazaram mais de 32 toneladas de hidrocarbonetos após a embarcação "Cibro Savannah" explodir e pegar fogo em Linden, no estado de New Jersey. Três meses depois, no dia 8 de junho, a embarcação "Mega Borg" derramou 20.500 toneladas de petróleo em Galveston, no sudeste do Texas. No dia 16 de setembro, o petroleiro "Júpiter" pegou fogo em City Bay, Michigan. As três tragédias, vale ressaltar, em um único ano.
 
Mais recentemente, em 20 de abril de 2010, a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da British Petroleum (BP), provocou um vazamento no Golfo do México que se estendeu por diversas semanas, evidenciando a completa incapacidade da empresa em contê-lo diante da ausência de investimentos em segurança. O derramamento só foi controlado no dia 15 de julho, passados quase três meses e mais de 200 milhões de galões de óleo (cinco milhões de barris!) lançados ao oceano, com danos indescritíveis ao meio ambiente. Ao fechar um acordo para pagar a multa de US$ 4,5 bilhões, a transnacional foi forçada a reconhecer ser culpada pela obstrução do processo e, inclusive, de ter mentido ao Congresso a respeito do vazamento e da explosão, que matou 11 trabalhadores.

Hoje reduzido a quatro empresas, o cartel das Sete Irmãs, formado por ExxonMobil (fusão da Exxon com a Mobil), Chevron (Chevron, Gulf Oil e Texaco), dos Estados Unidos, e as europeias British Petroleum e a Royal Dutch Shell tem uma trajetória de crimes que vão muito além dos ambientais. Mesmo os venenosos e contaminantes "vazamentos" são uma gota no oceano comparados ao financiamento de golpes e ditaduras, assassinatos e guerras que o cartel tem promovido pelo controle das reservas de petróleo e gás do planeta.
Quem tem um "bilhete premiado" como o pré-sal - e conhece a ficha corrida dessas transnacionais - não pode desprezar as lições da história e insistir no erro dos leilões. Seria mutilar nossa soberania para premiar o crime.