Pensatempo: maio 2012

terça-feira, 1 de maio de 2012

Mídia equatoriana atuava como “informante” da embaixada dos EUA em Quito, revela Wikileaks



Mensagens filtradas pelo Wikileaks, difundidas pelo jornal público equatoriano “El Telégrafo”, comprovam que quatro expressivos representantes da mídia privada do país andino atuavam como “informantes” da Embaixada dos Estados Unidos em Quito. 

Conforme revelou o Wikileaks, ao se comunicar com o Departamento de Estado norte-americano, a ex-embaixadora Heather Hodges – já expulsa do Equador - expunha a intimidade com renomados “jornalistas” a quem qualificava como “nossos contatos” e “fontes próximas à embaixada”. 

Foram citados nominalmente como defensores dos interesses imperiais Alfredo Negrete, dirigente do jornal “El Comercio” e ex-presidente da Associação Equatoriana de Editores de Jornais (Aedep); Jorge Ortiz, “crítico” e ex-apresentador de televisão; Carlos Jijón, editorialista do portal La República; e César Ricaurte, diretor da organização Fundamedios.

Numa mensagem de 2 de setembro de 2009, a diplomata revelava seu completo apreço pela eficiência da Fundamedios, identificada como “Grupo de Vigilância” contra o governo do presidente Rafael Correa. Heather Hodges citava a importância dos “informes” onde a “organização” denunciava, no país e no exterior, a existência de um “clima de medo” a que estariam sendo submetidos os jornalistas no Equador. Em consonância com a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), representante dos interesses dos grandes conglomerados privados de comunicação, a Fundamedios vinha servindo como caixa de ressonância dos interesses ianques, do seu sistema financeiro e das suas transnacionais. Agora, a máscara caiu. 

Enérgico, o presidente do Equador, Rafael Correa, ridicularizou a submissão: “Que vergonha, jornalistas entreguistas que vão se reportar à embaixada dos Estados Unidos. O país agora sabe, mais uma vez, com quem estamos tratando: com simples informantes e contatos de uma embaixada estrangeira”.

“Saibam que quando lerem La República estão lendo o porta-voz de Washington”, declarou Correa, lembrando que Jorge Ortiz e Carlos Jijón, dois dos jornalistas denunciados, trabalham neste meio eletrônico. No “negócio privado da comunicação”, explicou, “doze famílias manipulam a informação no Equador”, lógica perversa que se mantém em boa parte dos países que tratam agora de reformular suas legislações para coibir tais desmandos e garantirem a efetiva liberdade de expressão. 

Rafael Correa ironizou as razões pelas quais as mensagens que incriminam a mídia privada equatoriana não tenham sido divulgadas pela auto-intitulada “imprensa livre e independente”, que atua abertamente contra o seu governo.

“Que papelão. A imprensa corrupta não publicou nada porque a comprometia completamente, demonstrava a corrupção e o entreguismo que existem dentro desta imprensa e de certos jornalistas”, condenou o presidente equatoriano, ressaltando que “são esses os que querem dar aulas de moral e ética”. Correa lembrou que, entre outras coisas, a relação promíscua com a embaixada mostra a “razão” do dirigente da Fundamedios, César Ricaurte “ser recebido con tanta presteza na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”.

Em outubro de 2011, César Ricaurte liderou um grupo de jornalistas que foi até a CIDH, em Washington, para denunciar supostos assédios e perseguições do presidente equatoriano à imprensa. A “queixa” levou a relatora da Comissão, Catalina Botero, a expressar “preocupações” e a requerer “informações’ do governo de Correa. Além de rechaçar o que condenou como “intromissão”, o presidente advertiu que não toleraria a continuidade de tamanha farsa.

“É claro que os envolvidos irão procurar pelo em ovo, dizer que Correa os insultou, que é mentira, que eles somente fazem reportagens e isso serve de informação. Reclamem à vontade, porque seguiremos publicando as gravações de Wikileaks”, ressaltou o presidente.

A preocupação da embaixada dos EUA com a crescente auto-estima do povo também é refletida nas mensagens do Wikileaks que assinalam que os equatorianos são muito nacionalistas e defensores da soberania do país.

Equador debate lei que democratiza comunicação

Iniciado em 11 de março, o processo de votação do Projeto de Lei Orgânica de Comunicação do Equador vem para fortalecer a democratização e a liberdade de expressão ao estabelecer a divisão equitativa das freqüências de rádio e televisão em três partes: 34% para meios comunitários, 33% para meios públicos e 33% para meios privados.

Com o compromisso de estimular a produção nacional, a lei prevê a obrigação de que 40% da programação veiculada nos meios audiovisuais tenha conteúdo nacional, além de 10% de produção nacional independente. Nas rádios, 50% da música deve ser produzida, composta ou executada no Equador, em todos os seus horários, com o devido  pagamento dos direitos do autor. Além disso, a publicidade deve ser produzida no próprio país.

Na abertura dos trabalhos, os congressistas derrotaram por 64 votos contra 36 – e 24 abstenções - a tentativa dos oligopólios privados de mídia de arquivar o projeto.

Na avaliação de Sally Burch, da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI), “o projeto abre caminho para uma reforma estrutural chave, uma verdadeira reforma agrária do ar”.

O projeto de lei estabelece prazo de cinco anos, a partir da entrada em vigor da lei, para que sejam cumpridos os percentuais mínimos de produção nacional, iniciando com 10% no primeiro ano, 15% no segundo, 20% no terceiro, 30% no quarto e 40% no quinto ano. Também de forma gradual e no mesmo prazo será aplicada a difusão dos conteúdos musicais equatorianos: começando com 20% no primeiro ano; 25% no segundo; 30% no terceiro; 40% no quarto e 50% no quinto ano.

Em conformidade com o informe apresentado em 18 de maio de 2009 pela Comissão para a Auditoria das Concessões das Frequências de Rádio e Televisão, criada por disposicão constitucional, parte do espectro radioelétrico será liberado mediante a reversão das frequências entregues de forma ilegal ou cujos concessionários tenham feito manejo irregular das mesmas.

A auditoria comprovou que entre 1995 e 2008,"o ápice do neoliberalismo, a entrega de freqüências se multiplicou de forma comprovadamente corrupta, com as privatizações sendo aprovadas por parlamentares que saíam do Legislativo com a sua concessão debaixo do braço”, denunciou o jornalista Eduardo Tamayo, integrante do Fórum Equatoriano da Comunicação. Levantamento recente do Fórum aponta que 19 famílias controlavam 298 frequências das 348 existentes (86%) de televisão aberta, enquanto 45 famílias detinham 60% das concessões de rádio AM e FM, que somam 1.196.

A nova lei impedirá essa concentração oligopólica, destacou Sally, pois “estabelece limites para uma mesma pessoa (física ou jurídica) que poderá ter uma só frequência para matriz em AM, uma em FM e uma de televisão, em todo o território”. 

Reconhecendo a comunicação social como um serviço público que deve ser prestado com responsabilidade e qualidade, o projeto aponta que os meios comunitários vão operar em condições de igualdade com os demais setores, porém serão beneficiados com políticas públicas para sua criação e fortalecimento, como mecanismo para promover a pluralidade e diversidade.
Sally ressaltou que para alcançar progressivamente a repartição aos setores público e comunitário, se priorizará a concessão aos dois setores até alcançar os percentuais correspondentes, “utilizando as frequências disponíveis e as que se revertam ao Estado, pelos motivos dispostos em Lei e na Constituição”.

Diante do festival de irregularidades, as reversões – que deverão ser feitas imediatamente - podem chegar a mais de 200, avalia o presidente do Congresso, Fernando Cordero. 
Desde a consulta popular de 2011 a Constituição proíbe que as empresas de comunicação, seus diretores ou acionistas possam ter participação acionária em empresas de outro setor econômico. A medida atingiu em cheio o sistema financeiro, pois os bancos eram os principais detentores das concessões.