Mensagens
filtradas pelo Wikileaks, difundidas pelo jornal público equatoriano “El
Telégrafo”, comprovam que quatro expressivos representantes da mídia privada do
país andino atuavam como “informantes” da Embaixada dos Estados Unidos em
Quito.
Conforme
revelou o Wikileaks, ao se comunicar com o Departamento de Estado
norte-americano, a ex-embaixadora Heather Hodges – já expulsa do Equador -
expunha a intimidade com renomados “jornalistas” a quem qualificava como
“nossos contatos” e “fontes próximas à embaixada”.
Foram
citados nominalmente como defensores dos interesses imperiais Alfredo Negrete,
dirigente do jornal “El Comercio” e ex-presidente da Associação Equatoriana de
Editores de Jornais (Aedep); Jorge Ortiz, “crítico” e ex-apresentador de
televisão; Carlos Jijón, editorialista do portal La República; e César
Ricaurte, diretor da organização Fundamedios.
Numa
mensagem de 2 de setembro de 2009, a diplomata revelava seu completo apreço
pela eficiência da Fundamedios, identificada como “Grupo de Vigilância” contra
o governo do presidente Rafael Correa. Heather Hodges citava a importância dos
“informes” onde a “organização” denunciava, no país e no exterior, a existência
de um “clima de medo” a que estariam sendo submetidos os jornalistas no
Equador. Em consonância com a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa),
representante dos interesses dos grandes conglomerados privados de comunicação,
a Fundamedios vinha servindo como caixa de ressonância dos interesses ianques,
do seu sistema financeiro e das suas transnacionais. Agora, a máscara caiu.
Enérgico,
o presidente do Equador, Rafael Correa, ridicularizou a submissão: “Que
vergonha, jornalistas entreguistas que vão se reportar à embaixada dos Estados
Unidos. O país agora sabe, mais uma vez, com quem estamos tratando: com simples
informantes e contatos de uma embaixada estrangeira”.
“Saibam
que quando lerem La República estão lendo o porta-voz de Washington”, declarou
Correa, lembrando que Jorge Ortiz e Carlos Jijón, dois dos jornalistas
denunciados, trabalham neste meio eletrônico. No “negócio privado da
comunicação”, explicou, “doze famílias manipulam a informação no Equador”,
lógica perversa que se mantém em boa parte dos países que tratam agora de
reformular suas legislações para coibir tais desmandos e garantirem a efetiva
liberdade de expressão.
Rafael
Correa ironizou as razões pelas quais as mensagens que incriminam a mídia
privada equatoriana não tenham sido divulgadas pela auto-intitulada “imprensa
livre e independente”, que atua abertamente contra o seu governo.
“Que papelão. A imprensa corrupta não publicou nada porque a
comprometia completamente, demonstrava a corrupção e o entreguismo que existem
dentro desta imprensa e de certos jornalistas”, condenou o presidente
equatoriano, ressaltando que “são esses os que querem dar aulas de moral e
ética”. Correa lembrou que, entre outras coisas, a relação promíscua com a
embaixada mostra a “razão” do dirigente da Fundamedios, César Ricaurte “ser
recebido con tanta presteza na Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH)”.
Em
outubro de 2011, César Ricaurte liderou um grupo de jornalistas que foi até a
CIDH, em Washington, para denunciar supostos assédios e perseguições do
presidente equatoriano à imprensa. A “queixa” levou a relatora da Comissão,
Catalina Botero, a expressar “preocupações” e a requerer “informações’ do
governo de Correa. Além de rechaçar o que condenou como “intromissão”, o
presidente advertiu que não toleraria a continuidade de tamanha farsa.
“É
claro que os envolvidos irão procurar pelo em ovo, dizer que Correa os
insultou, que é mentira, que eles somente fazem reportagens e isso serve de
informação. Reclamem à vontade, porque seguiremos publicando as gravações de
Wikileaks”, ressaltou o presidente.
A
preocupação da embaixada dos EUA com a crescente auto-estima do povo também é
refletida nas mensagens do Wikileaks que assinalam que os equatorianos são
muito nacionalistas e defensores da soberania do país.
Equador debate lei que democratiza comunicação
Iniciado em
11 de março, o processo de votação do Projeto de Lei Orgânica de Comunicação do
Equador vem para fortalecer a democratização e a liberdade de expressão ao
estabelecer a divisão equitativa das freqüências de rádio e televisão em três
partes: 34% para meios comunitários, 33% para meios públicos e 33% para meios
privados.
Com o
compromisso de estimular a produção nacional, a lei prevê a obrigação de que
40% da programação veiculada nos meios audiovisuais tenha conteúdo nacional,
além de 10% de produção nacional independente. Nas rádios, 50% da música
deve ser produzida, composta ou executada no Equador, em todos os seus
horários, com o devido pagamento dos direitos do autor. Além disso,
a publicidade deve ser produzida no próprio país.
Na abertura
dos trabalhos, os congressistas derrotaram por 64 votos contra 36 – e 24
abstenções - a tentativa dos oligopólios privados de mídia de arquivar o
projeto.
Na avaliação
de Sally Burch, da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI), “o projeto
abre caminho para uma reforma estrutural chave, uma verdadeira reforma agrária
do ar”.
O projeto de
lei estabelece prazo de cinco anos, a partir da entrada em vigor da lei, para
que sejam cumpridos os percentuais mínimos de produção nacional, iniciando com
10% no primeiro ano, 15% no segundo, 20% no terceiro, 30% no quarto e 40% no
quinto ano. Também de forma gradual e no mesmo prazo será aplicada a difusão
dos conteúdos musicais equatorianos: começando com 20% no primeiro ano; 25% no
segundo; 30% no terceiro; 40% no quarto e 50% no quinto ano.
Em
conformidade com o informe apresentado em 18 de maio de 2009 pela Comissão para
a Auditoria das Concessões das Frequências de Rádio e Televisão, criada por
disposicão constitucional, parte do espectro radioelétrico será liberado
mediante a reversão das frequências entregues de forma ilegal ou cujos
concessionários tenham feito manejo irregular das mesmas.
A auditoria
comprovou que entre 1995 e 2008,"o ápice do neoliberalismo, a entrega de
freqüências se multiplicou de forma comprovadamente corrupta, com as
privatizações sendo aprovadas por parlamentares que saíam do Legislativo com a
sua concessão debaixo do braço”, denunciou o jornalista Eduardo Tamayo,
integrante do Fórum Equatoriano da Comunicação. Levantamento recente do Fórum
aponta que 19 famílias controlavam 298 frequências das 348 existentes (86%) de
televisão aberta, enquanto 45 famílias detinham 60% das concessões de rádio AM
e FM, que somam 1.196.
A nova lei
impedirá essa concentração oligopólica, destacou Sally, pois “estabelece
limites para uma mesma pessoa (física ou jurídica) que poderá ter uma só
frequência para matriz em AM, uma em FM e uma de televisão, em todo o
território”.
Reconhecendo
a comunicação social como um serviço público que deve ser prestado com
responsabilidade e qualidade, o projeto aponta que os meios comunitários vão
operar em condições de igualdade com os demais setores, porém serão
beneficiados com políticas públicas para sua criação e fortalecimento, como mecanismo
para promover a pluralidade e diversidade.
Sally
ressaltou que para alcançar progressivamente a repartição aos setores público e
comunitário, se priorizará a concessão aos dois setores até alcançar os
percentuais correspondentes, “utilizando as frequências disponíveis e as que se
revertam ao Estado, pelos motivos dispostos em Lei e na Constituição”.
Diante do
festival de irregularidades, as reversões – que deverão ser feitas
imediatamente - podem chegar a mais de 200, avalia o presidente do Congresso,
Fernando Cordero.
Desde a
consulta popular de 2011 a Constituição proíbe que as empresas de comunicação,
seus diretores ou acionistas possam ter participação acionária em empresas de
outro setor econômico. A medida atingiu em cheio o sistema financeiro, pois os
bancos eram os principais detentores das concessões.