Pensatempo: outubro 2013

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

“Às vésperas da eleição, governo de Honduras usa mídia para acelerar as privatizações”

Leonardo Wexell Severo, de Puerto Cortés-Honduras

Marwin Gomez, líder dos trabalhadores de Puerto Cortés
Às vésperas do processo eleitoral que elegerá no dia 24 de novembro o futuro presidente de Honduras, os 128 deputados ao Congresso e as 298 administrações municipais, o governo de Porfírio Lobo usa e abusa dos grandes conglomerados de comunicação para acelerar a desnacionalização da economia. Aplicando o receituário ditado pelo FMI e pelo Banco Mundial, os neoliberais estruturaram uma empresa, a Comissão da Aliança Pública e Privada (Coalianza), para gerir a “concessão” de rodovias, portos e aeroportos – entre outros valiosos bens - aos estrangeiros. No caso de Porto Cortés, por onde passam 95% das exportações e importações hondurenhas, Coalianza “licitou” o terminal de contêineres e de carga, entregando no dia 1º de fevereiro, por três décadas, seu filé para a International Container Terminal Services Incorporated (ICTSI). De acordo com Marwin Alberto Gomez, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Nacional Portuária, “não há nenhum sentido em repassar ao capital estrangeiro a parte mais lucrativa de Porto Cortés, que responde por cerca de 80% das entradas, pois isso inviabilizaria o Estado”. “Essa medida entreguista, potencializada por uma ampla campanha midiática”, alertou Marwin, busca se antecipar à virtual eleição da oposicionista Xiomara Castro de Zelaya, do Partido Livre (Liberdade e Refundação) e esposa do ex-presidente Manuel Zelaya - sequestrado e deposto em 2009 por um golpe armado pelos EUA - favorita em todas as pesquisas de intenção de voto. “O governovendeu a ideia, através dos meios de comunicação, de que a privatização era uma solução para modernizar, para impulsionar e levar adiante a empresa nacional portuária. Tivemos encontros com os companheiros do Partido Livre, onde reiteramos a necessidade de pôr fim à privatização. Esse é um processo completamente viciado, contrário ao interesse nacional. Se houvesse Justiça em Honduras, ele já estaria anulado”, enfatizou o líder portuário. Desde o golpe contra Zelaya – que ficou exilado na embaixada brasileira na capital, Tegucigalpa - a oposição nacionalista expressa pela imprensa alternativa foi confrontada à bala pelo governo, o que deixou um saldo de 26 jornalistas assassinados. Abaixo, a íntegra da entrevista feita com Marwin no alto da torre de observação do Porto. Que estava com o elevador danificado.

Viajando por Honduras, no giro pelas ruas de Tegucigalpa, San Pedro Sula e agora Porto Cortés, pudemos ver uma intensa campanha em favor do candidato oficialista, o atual presidente do Congresso, Juan Orlando Hernandez, e da privatização. Há uma batalha política e ideológica muito latente, que se acentua com a proximidade das eleições do próximo dia 24. Como liderança sindical, qual a sua avaliação?

O governo vendeu a ideia, através dos meios de comunicação, que a privatização era uma solução para modernizar, para impulsionar e levar adiante a empresa nacional portuária. Desconsiderou que o Sindicato havia proposto um plano de desenvolvimento para o porto, financiado através da emissão de bônus por meio da qual a empresa ia modernizar suas instalações e, ao mesmo tempo, gerar os recursos necessários para pagar esses empréstimos. Às vésperas da eleição o governo usou a mídia para acelerar a privatização. É uma medida entreguista potencializada por uma ampla campanha midiática. Não há nenhum sentido em repassar ao capital estrangeiro a parte mais lucrativa de Porto Cortés, que responde por cerca de 80% das entradas, pois isso inviabilizaria o Estado.

Todas as pesquisas neste momento apontam para uma vitória da candidata oposicionista, Xiomara Castro de Zelaya, do Partido Livre, que tem se posicionado em defesa da soberania nacional. As privatizações/concessões a toque de caixa refletem o desespero dos neoliberais?

Leonardo Severo com sindicalistas hondurenhos
Tivemos encontros com os companheiros do Partido Livre, onde reiteramos a necessidade de pôr fim à privatização pois entendemos que esse é um processo completamente viciado, contrário ao interesse nacional. Na verdade, se houvesse Justiça em Honduras, esse processo entreguista   já estaria anulado pelos tribunais.

Como está a luta contra a privatização de Porto Cortés?

Porto Cortés é a porta de entrada e saída do país, responde por 95% das nossas importações e exportações, o que faz dele o porto mais importante de Honduras e um dos mais estratégicos da América Central. É a porta de Honduras para o mundo, trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana. O seu tipo de baía, natural, abrigada, protegida pelas cordilheiras, lhe garante um mar calmo. Não temos problemas de maré e de nenhuma índole, mantendo estável o calado, a profundidade da baía. Estamos mobilizados em defesa de um patrimônio que é de todos os hondurenhos.

A economia hondurenha depende diretamente do  tráfico marítimo que passa por Porto Cortés. Por que privatizar?

É esta pergunta, este questionamento que estamos fazendo nós trabalhadores e toda a população. Por que privatizar Porto Cortés se ao longo da sua história de 48 anos ele tem sido uma das empresas estatais mais rentáveis, contribuindo para a economia, ajudando a todos os governos de plantão. Hoje é uma joia preciosa para a onda de privatizações impulsionada pelo presidente Lobo. Ao contrário da privatização, defendemos um plano estratégico para desenvolver a sua estrutura, para acelerar o desenvolvimento do país, porque nos encontramos no porto que abre as portas do mundo a Honduras.

Tentam entregar o filé e deixar o Estado com o osso. Qual o papel da Coalianza nisso tudo?

Quero fazer uma pequena introdução. Essa empresa portuária gera 1,6 bilhão de lempiras ao ano [cerca de 80 milhões de dólares]. Destes, dá ao governo cerca de 400/500 milhões de lempiras [de 20 a 25 milhões de dólares]. Falar de Coalianza é algo preocupante para os trabalhadores, porque o que ela veio fazer é praticamente entregar as empresas rentáveis do Estado. Criaram uma associação pública-privada com o único objetivo de entregar as empresas lucrativas, as que não necessitam de investimento. Por isso tais parcerias têm vindo para empobrecer cada vez mais a economia do país, esvaziando o estado.

A privatização tem seus derivativos: terceirização, arrocho e precarização. Como o Sindicato tem enfrentado esta lógica perniciosa e regressiva?

Denunciei o processo de privatização e de corrupção, mas como o Ministério Público está praticamente corrompido, a favor do governo, foi interposto um processo legal contra mim. Uma chantagem jurídica para que retirássemos a denúncia. Assim, tenho proibições até de sair do país. Querem calar a boca de quem denuncia para manter a ilegalidade impune. Além da ação na Justiça e das articulações políticas para barrar a privatização, temos nos movimentado bastante. Nosso Sindicato está se transformando para fortalecer sua organização a fim de beneficiar o conjunto dos trabalhadores do setor. Para nós é fundamental investirmos na autorreforma sindical. Nossa concepção é de que precisamos evoluir de um Sindicato de base, representativo somente de um setor, de uma categoria profissional, para convertê-lo numa entidade de todos os trabalhadores dos transportes, seja marítimo, aéreo ou rodoviário, a nível nacional. Isso ampliará o nosso poder de fogo, nos dará mais capacidade para defender o interesse dos trabalhadores. Com um Sindicato forte, teremos a maior quantidade de direitos possível.

Há muita gente ainda no porto literalmente “a ver navios” em relação aos direitos sociais e trabalhistas.

No setor portuário há aproximadamente três mil trabalhadores, muitos que entregaram toda sua vida ao porto, mas que nunca receberam o que é seu de direito. Agora passarão a ter compensações sociais, seguridade social, benefícios médicos e econômicos.  Estamos empenhados para que quando haja uma nova fonte de emprego no setor portuário, em primeiro lugar se busque as entidades dos trabalhadores. Em segundo lugar queremos garantir a proteção desses companheiros e para isso é preciso que sejam representados por uma organização, para que não cheguem em desvantagem frente aos novos empregadores. Em terceiro lugar queremos a vigência do movimento organizado. Isso é essencial para enfrentar os novos desafios que, no caso de Honduras, se chama privatização.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A luta contra o leilão de Libra e os estelionatos entreguistas



Manifestações e denúncias impediram um crime maior  
Carlos Lopes, na Hora do Povo
O leilão do campo de Libra encontrou a sua própria definição: sob ordem da Presidência, foi realizado por trás de tropas do Exército, da Força de Segurança Nacional e com o cerco até de barcos da Marinha de Guerra, com jovens sendo atingidos e feridos por uma catadupa de balas de borracha, com helicópteros atirando-as sobre a multidão e a violência histérica contra, até mesmo, a bandeira nacional. Nenhum apoio do povo, nenhuma manifestação a favor – só algumas declarações de vendilhões sem vergonha, de alguns tolos e de alguns puxa-sacos do patrão.
Algo que não se via desde a ditadura – e em seus piores momentos.
O resultado demonstrou que a intenção do governo sempre foi a de entregar Libra ao cartel multinacional das petroleiras; segundo, que somente não entregou mais porque o povo, a mobilização em todo o país, não deixou.
Talvez o melhor comentário sobre o leilão de Libra tenha sido feito, ainda antes, pelo petroleiro João Antônio de Moraes, líder da FUP e da CUT, com a rude precisão dos operários: "Quem aluga a bunda não pode escolher onde sentar".
Não pode mesmo – como demonstra uma notícia publicada no dia seguinte ao leilão, inteiramente confirmada pelos fatos:
"A escolha dos executivos que vão compor a Pré-Sal Petróleo S.A (PPSA), estatal que vai gerir os contratos de blocos arrematados no regime de partilha de produção, semana passada, foi ‘absolutamente fundamental’ para que a Total decidisse participar do leilão de Libra ontem, nas palavras do diretor-geral da francesa Total no Brasil, Denis Besset. (…) A questão da formação da PPSA havia sido levantada por Besset (…) quando o executivo declarou que era complicado definir a participação sem saber qual era a formação da PPSA" (Valor Econômico, 22/10/2013, grifos nossos).
Assim, para entregar parte do Campo de Libra à Total – e também à Shell – a presidente Dilma nomeou, para presidente da PPSA, o braço direito do celerado David ("o petróleo é vosso") Zylbersztajn na ANP e, para diretor, o chefe de gabinete do malfadado Henri ("Petrobrax") Reichstul na tentativa de esquartejamento da Petrobrás - ambos durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O último, inclusive, era um lobista na ativa das multinacionais. Função da PPSA: fiscalizar as multinacionais.
Já o renegado Lima, depois de se exibir no leilão - devidamente garantido pelas forças policiais e militares presentes - declarou que estava "muito feliz" porque "no Brasil nós nunca fizemos isso porque nunca tivemos uma área tão prolífica como o pré-sal". Pelo jeito, Lima quer proteger o petróleo da sanha dos brasileiros, entregando-o às multinacionais. O leilão do campo de Libra foi o primeiro leilão de petróleo já descoberto da História. Ninguém leiloa petróleo que já foi descoberto. Leiloam-se áreas para pesquisar petróleo, não áreas em que já se descobriu o petróleo. Mas, pior é o ridículo de dizer que foi a ANP, e não a Petrobrás, que descobriu petróleo nos campos de Libra e Franco, provavelmente com o uso do delicado mini-canivete (suíço?) do seu então diretor-geral. Deixa de ser mentiroso, ô Haroldo!
Disse a presidente Dilma, na segunda-feira à noite, que "85% de toda a renda a ser produzida no Campo de Libra vão pertencer ao Estado brasileiro e à Petrobras. Isso é bem diferente de privatização".
"Bem diferente"? Quem disse que isso era privatização, e só privatização, e nada mais que privatização, foi ela – é verdade que era candidata, não presidente. Foi a candidata Dilma quem disse:
"Eles [os tucanos] defendem a privatização do pré-sal, ou seja, que a exploração do pré-sal seja feita por quem? Pelas empresas privadas internacionais. Isso é grave porque o pré-sal é uma das riquezas mais importantes do país. Defender a privatização do pré-sal significa tirar dinheiro do país. (…) Isso seria um crime contra o Brasil".
Quanto ao resto, a expressão "renda a ser produzida no Campo de Libra" é uma forma de não dizer chongas – ou absolutamente nada - da mesma forma que o acréscimo "a Petrobrás" depois de "Estado brasileiro". "Renda a ser produzida no Campo de Libra" inclui até o preço de um melhoral que algum companheiro petroleiro, acometido de dor de cabeça, compre na cantina de uma plataforma - se é que existem cantinas nas plataformas.
A questão é a parte do governo (ou da União) na partilha do petróleo extraído, não a renda em geral – pela simples razão de que é possível comprar melhoral em outro lugar que não uma plataforma de petróleo, da mesma forma que recolher Imposto de Renda ou Contribuição Social Sobre o Lucro (CSSL) de alguma empresa no pré-sal não é diferente de fazer o mesmo com qualquer outra empresa do país. O que é diferente – isto é, específico - no Campo de Libra é a partilha do petróleo lá produzido.
Como diz um filósofo aqui da casa, não entender algo tão óbvio é burrice demais para ser só burrice. Basta ver as percentagens citadas. Depois desses 85% da presidente, vale tudo.
Nesse passo, daqui a alguns dias, as multinacionais vão estar pagando ao governo para que fique com o nosso petróleo e ainda vão dar um vale para cada brasileiro gastar numa Coca-Cola. Pelas contas da presidente, 41,65% de 45% - que é o "excedente em óleo" ou "óleo-lucro" - são 85%, em vez de 18,74% (v. coluna de Fernando Siqueira nesta página). Antes, para o Lobão e a Magda, a mesma conta resultava em 75% - a presidente, num único dia, avançou mais 10 pontos percentuais. Daqui a pouco o governo vai estar recebendo 120%, 150%, talvez 300% do petróleo de Libra.
Nem vale a pena observar outra vez que os autores dessas contas estão somando espartilhos com caixas de maizena (daí expressões engana-trouxas do tipo "renda a ser produzida no Campo de Libra") porque, mesmo assim, a conta não dá certo. O que se está discutindo é quanto, na partilha do petróleo, mais exatamente, na partilha do "excedente em óleo" (petróleo extraído menos custo de produção menos royalties) ficará com a União, tendo em vista que os países produtores de petróleo ficam com 80% do excedente – uma média de 72% do óleo produzido – e, no Brasil, o governo estabeleceu que apenas 41,65% desse excedente ficará com a União, podendo, de acordo com uma escala móvel, baixar até 15%.
O resto, leitores, é bobagem (o renegado Lima somou até um aluguel para chegar a lugar algum).
O que não é bobagem, leitores, é ver o nosso povo, é ver trabalhadores, estudantes, mulheres, gente humilde dos bairros, gente que saiu das plataformas e das fábricas, recusando o letal marasmo que lhe é oferecido, para levantar-se e defender o nosso petróleo, a Petrobrás, vale dizer, a nossa Nação, a nossa Pátria. Pois aí está o novo Brasil, ainda em germe, aí, sim, está o nosso passaporte para o futuro.
Não sabemos ainda tudo o que o governo concedeu para entregar 40% de Libra ao cartel petroleiro. Mas, por consequência, tudo o que fez foi para impedir a Petrobrás de ter uma parcela maior. É evidente que a Petrobrás poderia ter 50% ou mais. Porém, se não fosse a sua defesa pelo povo, pelos que, em todo país, mobilizaram-se contra esse leilão ignominioso, nem os 40% ela teria. Tal como já havia anunciado o ministro Lobão, ficaria nos 30%, que é o mínimo que lhe garante a lei do presidente Lula no pré-sal.
Assim, a Shell e a Total, duas das cinco "supermajors", as petroleiras que mandam no cartel (pela ordem, de acordo com o Platts Top 250 Global Energy Company: ExxonMobil, Shell, Chevron, BP, Total; a ExxonMobil e a Chevron são, ambas, "Standard Oil" do grupo Rockefeller, portanto, é um grupo de cinco que, na verdade, são quatro) ficaram com 40%, mesma percentagem que a Petrobrás. Duas estatais chinesas, a CNPC e a CNOOC, pegaram 10% cada uma.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Xiomara de Zelaya: “Decisões dissociadas do interesse popular são traição à Pátria”

Texto e foto: Leonardo Wexell Severo, San Pedro Sula-Honduras

Xiomara Castro de Zelaya discursa na cidade de Villanueva
“Nosso compromisso é com a construção de uma democracia participativa em Honduras, onde o povo tenha voz e voto em todas as ações do governo”, afirma Xiomara Castro de Zelaya, candidata do Partido Livre (Liberdade e Refundação) às eleições presidenciais do próximo 24 de novembro. Nesta entrevista exclusiva em San Pedro Sula, Xiomara agradece a solidariedade do povo brasileiro com o ex-presidente Manuel Zelaya, seu marido, e destaca o papel do Estado e do protagonismo popular para um desenvolvimento inclusivo e soberano.

Lideras todas as pesquisas de intenção de voto à presidência. Quais as suas expectativas para Honduras e para a integração latino-americana?

Em primeiro lugar gostaria de agradecer ao povo brasileiro pelo acompanhamento e o respaldo que têm nos brindado durante todos esses anos. A luta que empreendemos nesse momento é para reverter o golpe de Estado realizado em Honduras e fazer com que esta batalha de resistência contra o entreguismo e em defesa da soberania seja vitoriosa. É com esta consciência que o povo hondurenho está se mobilizando, mandando uma mensagem à América Latina para que nunca mais, em nenhum dos países do nosso Continente, volte a ser cometido um golpe de Estado.

Como pensas retomar o patrimônio público que os golpistas entregaram às transnacionais e aos seus testas-de-ferro ao longo destes anos?

Nós, do Partido Livre, estamos fazendo uma proposta bem clara, que é a refundação do país. Esta é a nossa resposta frente às duríssimas e difíceis condições em que se encontra o povo hondurenho após esses últimos quatro anos. Temos hoje um país completamente militarizado e que é, apesar disso, o mais violento do mundo. Desde o golpe, em 2009, mais de 24 mil pessoas foram assassinadas. Mas o golpe não nos trouxe só violência. Fez, além disso, que nosso país esteja entre os últimos lugares em competitividade no mundo, pois não há possibilidades nem condições dignas de trabalho. A pobreza aumentou mais de 7%, zerando todos os avanços que havíamos tido durante o governo do presidente Zelaya. Como este modelo fracassou, nós estamos propondo uma nova forma de governar, iniciativas que deem respostas às necessidades do povo, que garantam equidade, justiça e paz para todos. Por isso propomos a refundação de Honduras, nos mobilizamos para reconstruir a Pátria.

Uma vez eleita, por onde seu governo iniciará esta reconstrução?

Com Xiomara e Caio Plessmann de Castro, em San Pedro Sula
Nós defendemos um socialismo democrático para começar esse processo a partir de um governo que governe para todos e não para um pequeno grupo. É necessário reconciliar o povo hondurenho e para isso propomos um pacto social entre todos os setores do país, através de uma Assembleia Nacional Constituinte. Precisamos criar uma nova Constituição. Antes de tudo, ela deverá expressar o sentir e o pensar de cada um dos setores ali representados, refletindo sobre qual é o Estado que queremos, onde se defina cada um dos poderes do Estado, quais as suas funções e responsabilidades no desenvolvimento nacional. Porém que também se garanta participação cidadã, para que nunca mais um Congresso Nacional respalde um golpe de Estado. Defendemos uma Constituição que reflita a necessidade de convocar o povo hondurenho a construir leis para beneficiar a comunidade e o país. Não podemos mais permitir a imposição de leis que atentem contra a soberania popular. Aqui foram feitas leis por meio das quais entregando nossos recursos, onde estão entregando nossas minas, leis que estão confrontando e tirando os direitos que o povo foi adquirindo a partir das suas próprias lutas, como a do magistério, dos operários e dos camponeses. Quanto às leis anti-povo, nós as podemos revogar através da Assembleia Nacional Constituinte. Nós nos comprometemos com o povo e sentimos que hoje, mais do que nunca, a Constituinte tem valor e sentido em nosso país. Mais de 80% dos pesquisados em Honduras concordam e apontam que a saída para fazermos as transformações radicais que estamos propondo passam, necessariamente, pela efetivação de um pacto social por meio da Constituinte.

Há muita expectativa em relação às mudanças já nos primeiros dias do novo governo. Do ponto de vista econômico, quais as medidas emergenciais a serem adotadas?

A situação econômica de Honduras é muito difícil. No período em que o presidente Manuel Zelaya estava governando a dívida interna representava 17% do Produto Interno Bruto, enquanto neste momento alcança mais de 60% do PIB. Ou seja, o governo se sustentou a partir do golpe de Estado com créditos e empréstimos, comprometendo parcela expressiva dos recursos públicos do presente e do futuro da nação. Isso faz com que precisemos tomar medidas radicais.

Quais seriam essas medidas?

Em primeiro lugar é preciso readequar a dívida para garantirmos os recursos necessários ao desenvolvimento nacional. A dívida foi feita com prazos curtos e juros muito altos, então é preciso reduzir os juros e alongar o prazo para o seu pagamento. Da mesma forma, é preciso que todos os recursos que consigamos sejam direcionados a gerar mais empregos, renda e crescimento econômico. É necessário investir na produção, é necessário ampliar os investimentos para que o campo volte a produzir. Nos últimos quatro anos se investiu muito pouco na parte agroindustrial do país, na agricultura. Nós temos que assegurar a alimentação do povo hondurenho, assegurar também que se apliquem recursos com taxas de juros baixas, para se fomentar a construção. Claro, todos esses pontos dependem de criarmos no país uma democracia com bases sólidas, uma democracia participativa onde o povo tenha voz e voto em todas as ações do governo.

Com negociação coletiva e garantindo os direitos dos trabalhadores, algo que os golpistas suprimiram por completo.


Exatamente, vamos virar essa página. Nós temos muito claro que é preciso revogar as leis que foram impostas pelos golpistas contra os professores, por exemplo. Eles modificaram a legislação para entregar os recursos que pertencem ao povo, que são patrimônio da nossa população, praticamente liberando para que se possa liquidar e expropriar as terras dos camponeses. Vamos revogar estas leis por meio da Constituinte, garantindo ao povo hondurenho que as decisões tomadas nunca mais sejam dissociadas do interesse popular, do interesse da Pátria. 

sábado, 19 de outubro de 2013

Honduras importa 70% dos alimentos que consome e possui 59% das crianças com desnutrição crônica

Líder da Via Campesina, Rafael Alegria destaca importância da vitória do Partido Livre para virar a página da exclusão

Leonardo Wexell Severo, de Honduras

Rafael Alegria no encontro camponês em Tegucigalpa
Dos 8,5 milhões de hondurenhos, 4,6 milhões padecem de fome, vivendo em extrema pobreza em um país rico em recursos naturais e potencialidades. A situação tem se agravado ano a ano com a submissão do governo à cartilha recessiva e de desmonte do Estado. Hoje Honduras importa 70% dos alimentos que consome e possui 59% das suas crianças com desnutrição crônica. Conforme o coordenador da Via Campesina, Rafael Alegria, dirigente histórico dos trabalhadores rurais da América Central, crescem as expectativas de que a vitória da presidenta Xiomara de Castro Zelaya, do Partido Livre (Liberdade e Refundação) vire o jogo, deixando para trás o passado de servilismo aos interesses da oligarquia e das transnacionais. Na avaliação de Alegria, a hora é de superar a lógica neoliberal, que se aprofundou após a deposição do presidente Manuel Zelaya por um golpe de Estado patrocinado pelo governo estadunidense em junho de 2009.

A luta pela reforma agrária é pela justiça social para o campo e para a cidade.

É uma luta longa. São mais de 55 anos da primeira lei de reforma agrária em nosso país. Hoje continuamos nesta batalha, agravada pelas políticas neoliberais dos anos 90. Políticas que detiveram o processo de reforma agrária e liquidaram o acesso à terra, privatizaram toda a assistência técnica, o sistema financeiro, a comercialização e iniciou um processo brutal de concentração, de acumulação da terra mais produtiva de Honduras nas mãos do capital privado nacional e internacional, empurrando os camponeses de suas pequenas parcelas de terras e esquecendo-se deles até os dias de hoje.

Qual foi o resultado político, social e econômico desta política pró-latifúndio?

Isso teve sérias consequências em todos os âmbitos. O mais grave é a pobreza extrema. Dos quatro milhões de camponeses hondurenhos, mais de dois milhões e meio encontram-se jogados na extrema pobreza. É uma situação lamentável em que 59% das nossas crianças sofrem de desnutrição crônica. As mulheres estão expulsas e perseguidas por lutarem pela terra e os jovens são obrigados a sair do campo porque não encontram possibilidade de trabalho. Enquanto vivemos esta situação bastante difícil, sem salário, sem emprego e sem direitos, importamos 70% dos alimentos que consumimos dos Estados Unidos e do Canadá. Toda esta situação ainda é agravada pela criminalização da luta camponesa.

Um processo rumo ao fundo do poço que foi aprofundado após o golpe de estado de 2009 contra o presidente Manuel Zelaya.

Leonardo Severo com Rafael Alegria. Foto: Caio Plessmann
Exatamente. Quatro mil camponeses passaram pelas prisões neste governo de Porfírio Lobo. Mulheres e homens que estão lutando pela terra, pelos seus direitos e de suas famílias. É uma situação dramática. Por isso realizamos um Fórum no Dia Mundial da Alimentação, decretado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Em Honduras, nosso alerta é de que mais do que falta de alimento, estamos vendo a nossa população padecendo na pobreza extrema. Por isso nos manifestamos e organizamos uma feira para fazer a disputa também no campo das ideias, incentivando o consumo dos nossos alimentos do campo, porque hoje predomina a cultura da comida “chatarra”, da comida rápida.

Qual a sua avaliação sobre a unidade que começa a ser construída entre os movimentos dos trabalhadores da cidade e do campo?

Considero a unidade desses movimentos fundamental para garantirmos avanços nas condições de vida e trabalho para todos e todas. Ainda que o modelo neoliberal tenha golpeado fortemente as organizações ao ponto de quase tê-las feito desaparecer, nos articulamos em processos unitários e criamos estruturas como a Via Campesina que reúne seis entidades, fortalecendo e ampliando a luta pela transformação agrária. Com essa construção coletiva temos a esperança de que estarão dadas as condições para fazer profundas transformações e superar o modelo neoliberal com o novo governo, a partir da vitória do Partido Liberdade e Refundação (Livre). Porque em Honduras temos um problema de modelo, de sistema, que abandonou os camponeses. Para este modelo, o trabalhador não existe. Nossa proposta é refundar o campo com soberania alimentar, com sistema de financiamento, com crédito agrícola, com assistência técnica, onde as mulheres, jovens e indígenas tenham respeitado o seu direito fundamental à alimentação, tenham acesso à produção, à geração de emprego e renda. Esta é a nossa luta. 


terça-feira, 15 de outubro de 2013

Juan Barahona: “Privatizações e concessões são câncer neoliberal a ser extirpado em Honduras”

Leonardo Wexell Severo, de Tegucigalpa – Honduras

Ao lado do líder da resistência hondurenha, Juan Barahona
Presidente da Federação Unitária dos Trabalhadores de Honduras (FUTH) e candidato a vice-presidente pelo Partido Liberdade e Refundação (Livre), Juan Barahona defende o fortalecimento do papel do Estado como “essencial para a nação e para a integração da região”, assim como é “a afirmação da garantia de direitos dos trabalhadores para a ruptura com a lógica neocolonial”. A mobilização por uma Assembleia Nacional Constituinte, acredita, é chave para garantir a realização das reformas estruturais, redistribuindo poder e riqueza. “Estamos convictos de que, hoje, nosso partido tem todo o respaldo do povo hondurenho em sua luta para construir a pátria livre e independente. Somamos a experiência da unidade e da organização popular com a consciência da justiça das nossas aspirações”, sublinhou. Barahona liderou a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) contra o golpe promovido pela oligarquia e pelos Estados Unidos que depôs o presidente Manuel Zelaya em 2009. Atualmente integra a chapa de Xiomara Castro de Zelaya, combatente nacionalista, anti-imperialista e esposa do líder, favoritíssima em todas as pesquisas para as eleições de 24 de novembro.

Quais são os principais obstáculos à construção da democracia em Honduras neste momento?

No dia 28 de junho de 2009, quando ocorreu o golpe contra o presidente Manuel Zelaya e a Constituição, se rompeu com toda a ordem democrática em nosso país. Hoje todas as estruturas do Estado estão submetidas em Honduras à lógica golpista, antidemocrática, entreguista. Para aprofundar a democracia, dando efetivo poder ao povo, defendemos a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A vitória nas eleições do próximo dia 24 de novembro consolidará esse caminho?

Nós, através do Partido Liberdade e Refundação (Livre), por meio do qual estamos participando pela primeira vez do processo eleitoral, temos como uma das principais propostas a convocatória da Constituinte, que está sendo aceita e defendida pelo povo hondurenho. 75% da população apoiam a sua realização. Isso demonstra que o povo entendeu a necessidade de romper com a brutal concentração de poder e riqueza nas mãos da oligarquia vende pátria e vê na Assembleia Nacional Constituinte um instrumento para a mudança.

A mobilização eleitoral como meio para a realização de reformas estruturais...

O Partido Livre, através da candidata Xiomara Castro, está propondo a refundação do Estado de Honduras, que inicia com a Constituinte, para fazermos as mudanças estruturais. Do contrário, seria apenas um verniz, uma enganação como tem sido feita pelos governos neoliberais.

E qual o papel do Estado neste novo ordenamento?

O principal opositor à construção da democracia em nosso país é o próprio Estado, com o atual governo, que responde aos interesses oligarcas, contaminado pelos abusos e violações aos direitos humanos. A partir do Estado se reproduz, com a polícia e o exército, a imposição e a repressão para manter essa calamitosa e injusta situação política e econômica. Depois do golpe, temos a impunidade institucionalizada, um alto nível de criminalidade e delinquência, de pobreza, miséria e corrupção. Estas têm sido as marcas deste governo. Aqui foram detidos ministros da Fazenda com milhão de lempiras (moeda local) e nada ocorreu. Dinheiro comprovadamente roubado dos cofres públicos.

Fruto podre do golpe, a impunidade é total.

Exato. Por isso essa gente circula como se nada tivesse acontecido, é como se fossem empresários honoráveis, ministros honestos. A corrupção tem sido a linha mestra, a prática cotidiana deste governo. A situação é mais do que delicada, porque não há emprego, não há dinheiro circulando. O que temos é miséria e fome em abundância.

Há estudos que apontam que mais de um terço da população está desempregada.

O fato é que o desemprego disparou após o golpe, pois não só muitas empresas privadas fecharam, como também foram reduzidos os postos de trabalho nas empresas públicas. Como as políticas neoliberais têm sido sempre de redução do Estado, e o golpe aprofundou essa tragédia, temos um Estado ainda mais reduzido.

Como se deu esse processo de enxugamento do Estado?

Tivemos privatização, venda de empresas, venda de serviços públicos, concessões de rodovias, portos, aeroportos. Dentro do próprio governo formaram uma empresa chamada Coalianza, que está absorvendo tudo o que era do Estado.  O próprio presidente do Congresso, Juan Orlando Hernandez, que é o candidato à presidência pelo oficialismo, foi quem criou essa empresa privada, que fica com tudo o que é concessionado, privatizado. Uma estrutura de funcionários do governo para ficar com o que é do povo. É um estado dentro de outro estado, mas privado. Coalianza é um câncer que precisa ser extirpado, este é o nosso compromisso. O fortalecimento do papel do Estado é essencial para a nação e para a integração da região.

O golpe abriu caminho para o assalto ao Estado via “concessões”, levando o filé e deixando o povo com o osso.

O que dizer de concessões que nunca regressam ao Estado, como as rodovias? As concessões não são mais do que vendas, são apenas um disfarce, um grande negócio. Assim se concessionou uma parte do porto principal de Honduras, o porto Cortez.  Aqui as transnacionais estão explorando minas a céu aberto, preciosos recursos minerais, tirando de tudo. E ninguém sabe o que nem quanto levam: ouro, prata, cobre, zinco. É o velho pensamento colonizado sendo praticado contra o interesse nacional.

Golpismo e neocolonialismo, tudo a ver.

Aqui se produz matéria-prima em abundância que segue ao exterior sem agregar valor, de forma bruta. Defendemos que é preciso industrializar os nossos produtos, investir no conhecimento, na qualificação. Outro ponto que consideramos chave para a superação desse modelo dependente é o investimento no processo agrário, industrializando o produto no campo. Temos várias experiências positivas nesse sentido, com os camponeses beneficiados pela reforma agrária, mas que fracassaram posteriormente devido às políticas neoliberais. Os golpistas começaram a aprovar leis de “modernização” que beneficiaram unicamente os latifundiários, forçando os agricultores a venderem suas terras. Tínhamos cooperativas com muito boa produção de azeite de palma, que foram obrigadas a se desfazer de seus empreendimentos, que exportavam com qualidade, mas se viram inviabilizadas para serem entregues a multinacionais. A Empresa Associativa Camponesa de Isletas, nossa melhor experiência na exportação de bananas, uma referência de produção coletiva para a América Latina, com seus mais de mil associados, foi vendida a Standard Fruit Company, dos Estados Unidos.

Todo esse processo privatista foi antecedido por uma campanha midiática contra o Estado.

Começaram a vender empresas, a privatizar tudo o que foi um dia do Estado. Para isso se fez simultaneamente uma campanha contra o próprio Estado. Vendiam a imagem de um Estado corrupto, mau administrador, para ir justificando a venda dos serviços que ficaram, posteriormente, mais caros e com pior qualidade. Foi com esse discurso de que o Estado não dispõe de recursos, e de que a iniciativa privada administra melhor, que começaram as concessões de portos, aeroportos e rodovias. O mesmo aconteceu com a produção de energia elétrica e com as telecomunicações. Vale lembrar que durante o governo do presidente Manuel Zelaya havia o plano de implantação de uma empresa estatal de telefonia celular para competir com as estrangeiras.

E como ficou a questão dos direitos dos trabalhadores?

No mesmo momento em que é implementado o modelo neoliberal, vão sendo reduzidas as possibilidades dos trabalhadores se organizarem e de negociarem contratos coletivos. Nas empresas onde há contratos coletivos, sejam privadas ou públicas, os direitos não se cumprem. Aqui o principal infrator das leis laborais é o próprio Estado. Organizar um Sindicato em Honduras nesse momento é difícil, às vezes até impossível. Negociar um contrato coletivo significa três, cinco, até seis anos. Os trabalhadores estão sendo fustigados permanentemente, há uma criminalização da luta social.

Como se dá esta criminalização?

Nós temos companheiros processados e encarcerados pelo simples fato de defenderem os direitos que estão inscritos no seu contrato coletivo, uma perseguição movida pelo Estado. Entre outros, esse é o caso dos companheiros do Sindicato da Universidade Nacional Autônoma. Em Honduras temos garantida por lei uma estabilidade para os dirigentes sindicais, que vai desde o momento em que são eleitos até seis meses depois. Isso já não vale nada. Temos o caso de uma empresa privada que demitiu não só a junta diretiva do Sindicato, como os trabalhadores que respaldavam a cobrança dos direitos. Quem destruiu o Sindicato Metalúrgico de Choluteca é hoje o gerente da Empresa Nacional de Energia Elétrica. Ele declarou aberta e impunemente: “Com Sindicatos linha dura eu não negocio”. E despediu a todos. Mais de 300 trabalhadores. Hoje a maior parte daqueles metalúrgicos está sob contrato temporário, à margem da contratação coletiva, com salário mínimo e direitos totalmente rebaixados.

Qual o primeiro passo para formar um Sindicato em Honduras?

De acordo com o Código de Trabalho, se organiza um Sindicato com 30 pessoas de uma mesma empresa, como mínimo, Se notifica o Ministério do Trabalho que, muitas vezes, ele próprio, nega a personalidade jurídica. Eu organizei o Sindicato em uma empresa chinesa, a Patuca 3, que está construindo uma represa para geração de energia elétrica e o Ministério negou. Embora tivéssemos ali mais de 500 trabalhadores. E quem negou agora é candidato ao Congresso Nacional pelo Partido Democrata Cristão. Vira um grande esquema para as empresas, porque o Sindicato só passa a existir depois que há uma notificação por parte da inspeção do Ministério do Trabalho. A partir daí, nenhum trabalhador pode ser despedido, deslocado ou desmembrado da empresa. O problema é que até aí muito dinheiro pode correr e muita coisa pode ocorrer.

Com tamanha corrupção e impunidade, o risco de fundar um Sindicato é evidente.

Claro, os trabalhadores têm que estar muito conscientes e determinados porque sabem o que lhes espera com esse governo. Há cerca de três anos organizamos aqui em Tegucigalpa o Sindicato de uma fábrica de doces. Uma vez que conseguimos a personalidade jurídica demitiram 55 trabalhadores, incluindo toda a direção. Toda. Agora estamos batalhando pela reintegração dos companheiros. Juridicamente o Sindicato existe, mas na prática...

Qual a proposta do Partido Livre para corrigir esses abusos?

Chegando ao poder, Livre deve respeitar os direitos adquiridos dos trabalhadores. O que significa isso? Deve fazer valer o que diz o Código do Trabalho, a contratação coletiva e as convenções assinadas com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, precisamos melhorar as condições dos trabalhadores, para que se ampliem as conquistas, valorizando o trabalho e distribuindo renda. O contrário disso seria mais do mesmo. Se Livre não faz isso, de nada adiantaria todo o sangue derramado, todos os mortos que tivemos.

Como essa questão da repressão impactou o movimento sindical e popular?

As pessoas ficaram naturalmente atemorizadas. Os trabalhadores têm medo, preferem ficar sobrevivendo com migalhas, mas alimentando os filhos, do que organizar-se e perderem o ganha-pão. Como aqui não há emprego, assim que aumenta o salário mínimo, por menor que seja o reajuste, o patrão chantageia o trabalhador para que abra mão. Este ano foram 300 lempiras de aumento, cerca de 15 dólares. O patrão diz: bom, com esse aumento, vou ter de demitir. Com a chantagem, pagam somente metade do reajuste.

Muitas empresas transnacionais se instalaram em Honduras para aproveitar os estímulos dados.

Aqui há empresas “chatarras”, de comida rápida, que é um segmento tomado por transnacionais. Por quê? Porque não pagam imposto. E por quê? Porque são consideradas empresas de turismo (risos). Em nenhuma destas empresas conseguimos organizar Sindicatos, nenhuma. Aproveitando-se disso, várias dessas empresas não pagam sequer o salário mínimo.

E a lei do trabalho temporário, aprovada pela direita?

Veio agravar os problemas. No setor de comida rápida os trabalhadores que eram permanentes foram demitidos e viraram contratados por hora. Agora só lhes pagam a hora que trabalham. E nada mais. Aqui quando começaram a aplicar o modelo neoliberal, tentaram também mudar o Código de Trabalho. Ele não foi reformado pela forte oposição das centrais sindicais. Com a lei do trabalho temporário, a lei se viu automaticamente reformulada. Perdemos o direito à organização, perdemos a estabilidade no emprego, o pré e o pós-natal, o décimo terceiro e o décimo quarto salários, os recursos acumulados para a aposentadoria por tempo de serviço. Essa lei dá direito ao patrão de assinar contratos por até uma hora. Eles dizem que a lei gerou milhares de empregos, mas esquecem de dizer: por uma hora. A um trabalhador como o de comida rápida que era permanente, hoje lhe dão um par de horas e chamam isso de emprego. São vários trabalhando por hora e recebendo, todos, menos do que recebia um.

Qual o papel dos meios de comunicação nesta batalha?

Aqui os meios de comunicação sempre foram, historicamente, propriedade dos oligarcas. É uma mídia que responde a esses interesses e continua respondendo. Em vez de informar o povo, sempre investiram na deformação, na manipulação, com base nos interesses deles. Com o golpe do Estado e depois dele, esses meios da oligarquia tiveram uma postura consequente com o que são. Primeiro, ignorando e negando o golpe. Agora, uma posição de defesa do golpe. Felizmente, surgiram meios alternativos que se opuseram, que condenaram o golpe e se colocaram ao lado do povo. Isso é o que tem aberto canais onde o povo possa se expressar.

Com a perspectiva de serem derrotados, como apontam todas as pesquisas, resta aos golpistas o caminho da fraude. Qual a importância da solidariedade e da fiscalização internacional para que o resultado das urnas seja respeitado?

Aqui há um ditado que diz que “as eleições gerais são no estilo Honduras”. Porque aqui quase sempre há havido fraude. O golpe de Estado foi uma resposta da oligarquia para não entregar o poder, para que não fossem realizadas mudanças em favor da população. Agora, novamente, a direita dá mostras de que não quer entregar o poder. E diante desta ausência de vontade de respeitar a democracia, deixam claro que querem se manter governando a qualquer custo. Diante da possibilidade de fraude, de desrespeito a eleições limpas e democráticas, mais do que necessário, torna-se indispensável a presença de observadores internacionais. Para que possam dar fé da transparência ou da falta de transparência do processo eleitoral. Estamos convictos de que, hoje, nosso partido tem todo o respaldo do povo hondurenho em sua luta para construir a pátria livre e independente. Somamos a experiência da unidade e da organização popular com a consciência da justiça das nossas aspirações.