Renomada jornalista alerta que, seguindo o
script de Washington, Clarín ataca a Ley de Medios da Argentina “a mais democrática
e participativa da América Latina”
Aos 77 anos, Stella Calloni luta o
bom combate, energizando com alegria tudo ao redor. Nos recebe em sua casa
mateando para falar sobre a Lei de Meios Audiovisuais da Argentina, a Ley de
Medios. Seus fascinantes olhos azuis abrem uma pequena janela sobre a batalha
travada por ela contra o imperialismo. Um sorriso sincero de quem sabe que a
militância é feita com leveza e por que não, bom humor. Sua voz firme deixa
clara a complexidade e importância do que está contando.
Por Leonardo Wexell Severo e Vanessa Silva, de Buenos Aires - Argentina
Por Leonardo Wexell Severo e Vanessa Silva, de Buenos Aires - Argentina
A sala em que nos recebeu, repleta de
quadros e imagens de diversos países, completa a aura internacionalista e
integracionista que marca nossa conversa. O tema é o 7D, que colocou o debate
sobre a comunicação na ordem do dia e mobilizou toda a sociedade argentina. Na
última sexta-feira, 7, o maior conglomerado de comunicação do país vizinho, o
Grupo Clarín, deveria ter apresentado seu plano de adequação para desfazer-se
de seu monopólio e adequar-se à lei. Todos os demais grupos de mídia o fizeram
até a data, mas por uma ação do Clarín, acolhida por uma corte de Justiça, a
quem o grupo financiou viagens a Miami, o 7D não se consumou e a batalha pela
democratização da palavra continua.
Veterana e premiada escritora e
jornalista, Stella desvendou a Operação Condor e tantos crimes macabros
cometidos pelo imperialismo e seus testas-de-ferro no Sul do Continente. Stella
estudou a fundo a lei dos meios e afirma categoricamente que se trata da “mais
democrática e participativa da América Latina”, e tem um “significado especial
para a conquista da soberania efetiva e o avanço da própria integração”. Frente
ao festival de mentiras, calúnias e omissões que proliferam na imprensa contra
a presidenta Cristina Kirchner e a nova lei, Stela nos convida a uma reflexão
sobre quem se beneficia do caos na comunicação: “A desinformação é uma arma de guerra
do Pentágono”.
ComunicaSul: Da mesma forma que O Globo, no Brasil, o
Grupo Clarín foi claramente beneficiado pela ditadura. Como isso se deu?
Stella Calloni: Em 1978 a ditadura persegue a família do banqueiro
e dono da empresa Papel Prensa, Davir Graiver, (empresa que detinha o monopólio
da fabricação de papel jornal) acusado de trabalhar com o grupo guerrilheiro
Montoneiros. O proprietário morreu num estranho acidente em 1976, no México, e
nunca se pôde achar o corpo nem nada. A suspeita é que o assassinato tenha sido
executado pela CIA e por grupos secretos que trabalhavam com a ditadura. Então,
numa manobra entre a ditadura, o Diário Clarín, o La Nación e o
diário La Razón, que já não existe mais, fizeram o “acordo” com Graiver.
Tudo assinado e sua esposa Lidia Papaleo de Graiver, que regressou ao país com
sua filhinha de dois anos, foi detida e torturada num centro clandestino.
Nessas condições, teve que assinar a “venda” da Papel Prensa. A “compra”
foi por um montante que era nada e ocorreu, evidentemente, mediante extorsão.
Do total do patrimônio, 80% ficaram para os três jornais e uns 20% da empresa
para o Estado. Foi assim que o Clarín e o La Nación começaram a
formar seu monopólio, pois quem tem o poder do papel jornal na mão tem o poder
da distribuição deste papel. Em 1980, o regime da ditadura militar (1976-1983)
dita por decreto a lei de radiodifusão que, neste momento, já concebia a
comunicação como uma mercadoria. A ditadura havia aberto então a porta para a
conformação de grandes grupos monopólicos.
Terminada a ditadura, o presidente
Raúl Alfonsín chegou a questionar esta anomalia.
Depois de 1983, após a Guerra das
Malvinas, cai a ditadura e Raul Alfonsín chega à Presidência. Em 1984 ele
começa a se dar conta que a lei de meios da ditadura precisaria mudar. Então é
desatada uma grande campanha do Grupo Clarín contra Alfonsín e nada avança. É
esta a lei que se encontra em vigência até agora.
Como inicia esse movimento pela
democratização da comunicação?
Nos anos 1990 começa um trabalho
coletivo de universidades, diretórios estudantis, profissionais, movimentos
sociais e sindicais, sobretudo de profissionais de imprensa, entre eles a União
de Trabalhadores de Jornalistas de Buenos Aires. Iniciam o debate sobre o tema
da concentração de poder nos meios de comunicação. Vale lembrar que, em 1989, o
ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) privatiza tudo, além de um montão de
meios de comunicação, escancarando as portas para a possibilidade de se comprar
a quantidade de licenças que quisessem. Isso possibilita que, em 1995, quando
começou a campanha para mudar a lei, Clarín já tivesse se tornado um grupo
monopólico.
Qual o tamanho desse monopólio?
Beneficiado com esta lógica
privatista, no ano 2000 Clarín já detinha 240 licenças, os canais 13, Toda
Notícia, Volver, Rádio Mitre AM, 80 FM, Multicanal, Datamarket, por meio dos
quais controlava quase todo o país, além de imprimir o principal diário, o Clarín,
e o Olé, que é uma revista esportiva. Havia acumulado, portanto, bem
mais do que todo o resto dos grupos.
No Brasil, o grupo Folha emprestava
seus automóveis para a repressão. De que forma o Grupo Clarín agiu?
Este é um problema. O Clarín e os
grandes meios colaboraram com a ditadura publicando como “enfrentamento” o
assassinato de militantes pelos grupos policiais. É a velha história: a mídia
fazia o jogo do poder econômico, dos latifundiários, dos banqueiros, das
multinacionais, que manipulavam em todo o continente os meios de comunicação,
ligados aos Estados Unidos, dependentes deles. Assim, quando os EUA viam que
seus interesses estavam sendo contrariados, e que precisavam dar um golpe e
invadir um país, utilizavam a mídia local. Foi assim na invasão a Guatemala,
foi dessa forma que converteram o herói nicaraguense Augusto César Sandino em bandido.
Por isso atacam tanto atualmente o presidente equatoriano Rafael Correa. O que
está em jogo é a defesa dos interesses econômicos. Concebem a informação como
mercadoria e a liberdade de expressão como liberdade de empresa. O que
potencializou esse movimento foi o furacão neoliberal dos anos 1990.
Que vitimou bastante a economia
Argentina...
A Argentina foi um dos países mais
gravemente afetados pelo neoliberalismo. Acabaram os trens no nosso país. É uma
coisa única no mundo, porque tínhamos cobertas nossas maiores extensões. Com
isso morreram vários povoados no interior. Foi um retrocesso nos princípios
iniciais da República, foram quebradas muitas empresas. O governo chegou a
cortar publicidade para quebrar empresas de comunicação, a fim de que viessem
os estrangeiros e seus testas-de-ferro, o que foi conformando um poder
hegemônico. Foram apoderando-se, no caso da Europa, das agências de notícias,
mancomunadas com interesses privados a tal ponto que perderam totalmente a
espécie de independência que ainda tinham. Vocês como brasileiros, nós como
argentinos, lembramos que quando tivemos as ditaduras recorríamos àquelas
agências para fazer denúncias. Hoje elas são parte de um só discurso midiático.
Como avalia o papel dos novos
governos populares nesta batalha pela liberdade de expressão?
Devido às mudanças que ocorreram na
América Latina, vivemos o pós-neoliberalismo - ainda que este sistema não
esteja completamente enterrado. O fato é que surgiram governos que expressam
uma vontade popular totalmente distinta. Estes governos surgem das lutas
populares nas ruas, nas estradas, e ressignificam a tragédia do neoliberalismo
nos setores mais renegados e excluídos entre os excluídos. Afinal, os
neoliberais concebem o desemprego como um disciplinador social, por isso,
trataram de reduzir os sindicatos, debilitaram as defesas dos trabalhadores,
desregulamentaram nossas economias. E a resposta veio da grande massa popular,
dos piqueteiros na Argentina, por exemplo.
O mesmo aconteceu na Bolívia, e na
Venezuela com o Caracaço em 1989, que foi a primeira rebelião anti-neoliberal
produzida no continente. Os novos governos que surgem, como o de Hugo Chávez,
vêm quando os países estavam afundados no abismo. Daí tantas rebeliões
populares e a entrada em cena de Evo Morales na Bolívia, Nestor Kirchner na
Argentina, Lula no Brasil, Manuel Zelaya em Honduras, a volta de Daniel Ortega
na Nicarágua. São governos frutos destas rebeliões que mudam o mapa da América
Latina, em contraposição à lógica das ditaduras que nos implantaram os Estados
Unidos. Começa então um processo de integração e unidade. Isso dá um salto além
do processo de integração econômica, como havia sido inicialmente concebido,
para um processo de emancipação nacional, porque estamos em um processo de independência,
ainda não temos nossa independência totalmente assegurada.
E então temos a conformação de
grandes conglomerados de mídia para bloquear este avanço.
Temos o fenômeno de uma enorme
concentração dos grandes meios de comunicação, dos donos do poder com os meios
em suas mãos. Então vai ficando claro que para darmos alguns passos inevitáveis
temos de enfrentar o poder hegemônico, cotidiana e sistematicamente. A mídia se
diz o quarto poder, mas não do Estado, e sim do privado, do poder econômico.
O golpe na Venezuela foi chave para
vermos o golpe dos meios, um golpe de estado midiático, porque foi dirigido
pela mídia, é ela quem passava as instruções, por meio dela se desacreditava a
figura do presidente. Aquele curto golpe, mais cívico que militar, está bem
relatado no documentário “A Revolução não será Televisionada”. Ali vê-se com
muita claridade o papel dos meios e pode-se analisar não só o que é a
desinformação, a manipulação midiática, como os seus silêncios.
Também se fazem ouvir pelos seus
silêncios...
Pedro Carmona já havia caído, estava
o golpe derrotado por um povo nas ruas, e tínhamos canais na Argentina que não
registravam o retorno de Chávez. Todo o processo foi um grande laboratório para
a mídia.
Como profissional que acompanha o
debate sobre a democratização da comunicação há muitos anos, qual a sua
avaliação sobre a Ley de Medios?
A Lei de Meios da Argentina é a mais
democrática e participativa que se votou no país e, creio, em toda a América
Latina. As diferentes organizações estão trabalhando nela, constantemente
aperfeiçoando a proposta há 22 anos. Há uma grande aprendizagem, fruto de um
acúmulo.
A questão da mídia, pela sua
capacidade de interferência na realidade, de pautar governos e influir no
comportamento social, ganhou ainda maior relevância para a própria democracia.
Claro. Se antes existiam três meios
potentes que destruíam um governo, neste período histórico temos milhares de
repetidores destes meios potentes que têm um poder tão grande que agora são concebidos
pelo Pentágono como arma de guerra. A desinformação hoje é uma arma de guerra.
Massivamente pode-se destruir um mandatário, convertê-lo em ditador, sustentar
uma mentira como as armas de destruição em massa no Iraque, uma mentira atroz
como a usada contra a Líbia. Muammar El Kadafi nunca bombardeou seu povo. Não
deixaram nada em pé na Líbia. Então a mídia foi usada recentemente em quatro
guerras coloniais: Afeganistão, Iraque, Líbia e, agora, a Síria, onde também
estão produzindo devastação em larga escala. Temos também a questão grave dos
bombardeios e do cerco a Gaza, na Palestina, países que foram divididos como o
Sudão, e ameaçados, como o Líbano e o Irã.
Vejam como isso se reflete aqui na
América Latina com a nova ofensiva dos grandes conglomerados de comunicação
sobre os governos da região, tentando destruir a integração que conseguiu
vencê-los. Nossa integração conseguiu parar golpes de Estado como o dado contra
Evo, apoiou [Rafael] Correa e isolou os golpistas em 2010, desconheceu o governo
ditatorial de Honduras e tomou uma decisão, como no caso do Paraguai, cumprindo
com o regramento do Mercosul que defende a democracia verdadeira. Concebemos e
reafirmamos a democracia como é: uma grande participação popular, e pela
primeira vez os Estados Unidos caíram na sua própria armadilha. Não diziam que
o que valia era o voto na urna? Pois pelo voto nossos povos afirmaram um
caminho independente do governo de Washington. Como a vontade popular é
favorável à independência, temos uma verdadeira guerra instalada no Continente,
a guerra dos meios.
Voltando à Argentina, conte-nos mais
sobre a guerra que está sendo travada pela mídia contra o governo de Cristina.
Na Argentina há uma desinformação
enorme. Em 2008 quando o governo quis colocar um imposto para a venda da soja,
pois havia uma entrada enorme de dinheiro, foi produzida uma tentativa de golpe
de Estado. A paralisação das rodovias do Mercosul era um golpe estratégico.
Conseguiu-se superar isso, mas a desinformação era tão grande que começou
a confundir setores da sociedade, que são ainda cativos dos grandes meios,
porque nenhum meio estatal tem o poder comunicacional deles, que abarcam todo o
país. Com 240 licenças, o Grupo Clarín tem rádios de longo alcance em cada
província, chegando até a Terra do Fogo, a mais distante. Conhecemos pela
história de Goebbels e do nazismo, que tudo o que é repetido todos os dias vai
formando uma verdade, uma opinião, que pode ser absolutamente equivocada. Como
ocorreu com o povo alemão, as informações de Goebbels foram levando os alemães
à sua própria destruição, pois não conseguiram ver que era falsa a mensagem.
A destruição da consciência, de
países e povos, via desinformação...
Aqui a desinformação é tamanha que ao
ler o Clarín, da primeira à última página, são todas notícias negativas
sobre a lei de meios. Chegou a um ponto que nunca havíamos chegado, de se oporem
ao governo quando este defende a questão das Ilhas Malvinas, que são
estratégicas não só para Argentina, como para toda a América Latina, porque
senão teremos as maiores bases estrangeiras já instaladas, com alcance para o
Brasil, para toda a região. Diante desta ameaça real, esses meios começam a
desacreditar esta vontade, esta posição do governo, dizendo que é preciso
respeitar os habitantes instalados no lugar, trazidos da Grã Bretanha. Querem
justificar a falta de soberania, defender uma colônia a 14 mil quilômetros da
Grã Bretanha, instalada em águas territoriais argentinas. No caso dos fundos
abutres chegam a defendê-los em manchete. Mas não falam do pagamento de dívidas
que não são de nossos governos, que nossos presidentes inclusive baixaram o endividamento
externo de forma considerável, e que estão pagando a dívida do passado.
Esse é um comportamento que vem de
longa data.
Veja, o La Nación é da família Mitre,
oligárquica do passado, que sempre combateu os governos populares, tendo sido
chaves na derrubada de Perón, em 1955. São sociedades cativas que se
acostumaram a ter muito poder através desses meios. Mentem para este público
dizendo que o jornal vai deixar de sair no dia seguinte à entrada em vigor da
Ley de Medios. Mas no caso do jornal não há nenhum problema, pois a lei não tem
alcance para os meios escritos. Isso é absolutamente falso. Eles podem ficar
com até 24 canais e 10 rádios, mas não poderão ficar com as 240 concessões
irregulares, porque isso é monopólio. A lei se rege também por regras da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos que afirma que não pode haver
monopólios informativos porque eles restringem a liberdade de expressão dos
países. Então nos perguntamos: por que esta lei não está sendo cumprida pela
SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa)? Porque ela representa os donos dos
meios.
No caso argentino, após amplo debate,
aprovada pelo Executivo e pelo Legislativo, a lei foi obstaculizada pelo
Judiciário. O que deve acontecer agora?
A lei entrou como projeto do governo,
apresentada por todas estas organizações. Os deputados estudam a questão e a
lei é aprovada por maioria pelo governo e pela oposição em outubro de 2009. De
imediato, o Clarín começa a colocar medidas cautelares. Pressiona por uma
medida cautelar para o artigo 161, que regula os monopólios midiáticos, que não
deveriam mais existir e que todos os grupos deveriam se adequar. A lei não é
nenhum ataque a um meio determinado. Tanto é assim que no dia 6 de dezembro, um
dia antes do prazo, 19 grupos já haviam entregado seus planos de adequação para
o governo. Havia um acerto que no dia 7 de dezembro a Autoridade Federal de
Serviços Audiovisuais de Comunicação (AFSCA) devia apresentar um plano de
adequação para os que não cumprissem o prazo. Então uma Câmara Civil e
Comercial integrada por juízes que têm até relação familiar com o Clarín, um
juiz que foi convidado pelo grupo para ir a Miami fazer um debate contra a nova
lei, suspende seu efeito.
Uma decisão em causa própria.
É impossível que uma pessoa possa ser
juiz e parte, mas aconteceu. Um monopólio restringe a liberdade de informação e
o Estado deve tomar medidas contra a intenção monopolista. E foi obstaculizado
por uma decisão judicial. Nos enfrentamos com uma verdade que ninguém quer
dizer em toda a América Latina, na Argentina, no Brasil: a Justiça está
impregnada pelo passado. Ainda restaram muitos juízes da ditadura, do poder
econômico que veio depois, juízes que colaboram ativamente com as oposições
locais. Houve casos em que atrasavam todos os julgamentos em defesa de direitos
humanos, que postergavam decisões por tempo indeterminado. Foi o que aconteceu
com o juiz Bissordi que tinha comunicação com os militares da ditadura e
atrasava os juízos. Como a Justiça não se depurou, segue com ilhas de
independência, não do Estado, mas dos poderes econômicos.
É importante ressaltar que quando se
fala deste tema, não é só o Estado que assegura que uma Justiça é independente
ou não, mas os meios econômicos, os latifundiários, o sistema financeiro
nacional e internacional. No caso do Equador e da Bolívia a mídia é ainda
controlada pelos bancos. Esta é uma guerra dos povos.
Uma guerra pela democratização da
comunicação. Dessa forma, como avalia o papel desempenhado pela SIP?
A luta pela democratização da mídia é
a mãe de todas as batalhas. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que é
a sociedade de todos os donos da mídia do continente, que tem grande influência
dos Estados Unidos, está contra a Ley de Medios porque ela favorece a
pluralidade de vozes, estabelece um limite para o número de licenças que cada
grupo de empresários pode ter. A nova lei argentina determina que o Clarín não
pode manipular tantos sinais, criou a AFSCA, determinou um máximo de 24
licenças de televisão por cabo e 10 de rádio AM ou televisão aberta para cada
grupo, reconheceu o direito à comunicação com identidade dos povos originários,
entre outros avanços. Na manhã de sábado, 8 de dezembro, começou a funcionar a
primeira televisão mapuche e há mais de 20 rádios que passaram a ser feitas
pelos próprios povos originários. Estou contentíssima com isso.
O monopólio do ar é como os
latifúndios agrícolas, para distribuir frequências é necessário que o espaço
radioelétrico não esteja ocupado. Ou seja, sem romper com o monopólio do Clarín
não é possível que a lei entre em vigor...
A lei indica que tudo devia começar
com os aspirantes aos canais apresentando-se como cooperativas. E assim foi
feito. Mas se não se rompe o monopólio, não tem como distribuir. Este é o
problema. Já se permitiu a abertura de novas rádios em alguns lugares,
apoiou-se pela primeira vez o desenvolvimento de pequenas e médias empresas que
poderão ficar responsáveis por um canal de cabo. 50 universidades já podem ter
a sua própria televisão, foram liberadas mais de 365 licenças de AM e FM e
devem sair outras 800 solicitações de distintos setores populares para rádio.
Isso já está sendo cumprindo, com licenças para organizações sem fins de lucro,
canais educativos, de saúde, 1.150 frequências para rádios municipais, se
abriram mais de 130 rádios em escolas e para mais de 20 de povos originários.
Mais de 50 cooperativas de serviços públicos em todo o país já têm sua licença
e outras 100 as solicitaram. Isso dá uma ideia do que vai acontecer no dia
seguinte ao que o monopólio acabar.
Um dos pontos que as entidades
populares e os movimentos pela democratização levantam como essencial para a
manutenção de meios não comerciais é o financiamento. Como a nova legislação
aborda a questão da publicidade?
A lei exige que a publicidade
incentive a produção local. Assim se produziram mais de duas mil horas de
conteúdo televisivo desde que chegaram os planos de fomento do Estado nacional
e mais de 3.500 projetos se apresentaram em todo o país. Com recursos, 26 das
novas séries de televisão foram realizadas nas províncias com atores e técnicos
locais. A indústria audiovisual gera mais de 100 mil postos de trabalho/ano em
todo o país, número que pode ser bastante ampliado com a diversificação
estimulada pela lei. As pequenas e médias empresas (Pymes) já contam com mais
de 2.800 horas diárias de programação e geram mais de seis mil postos de
trabalho. Esta informação obviamente não é divulgada pela mídia, mas as pessoas
necessitam ter a dimensão do seu significado.
A grande mídia esconde os benefícios
da nova lei, mas seus defensores conseguem dialogar sobre a sua relevância para
o avanço da democracia?
Dizem que ela é necessária, falam da
democratização, mas não são divulgados fatos concretos, não se demonstra a
importância de fato. O artigo 161 é importantíssimo porque, como já disse, sem
mexer no monopólio não tem como distribuir. Então a decisão da Corte em favor
do Clarín está interferindo no processo. Os demais grupos de mídia estão
dispostos a cumprir a lei, mas a SIP vem à Argentina apoiar o grande monopólio,
num dos maiores atos de intromissão nos assuntos internos de um país. Aqui, no
dia 22 de maio, a Corte Suprema fixou que no 7 de dezembro venceria a medida
cautelar. Agora, com o apoio de alguns juízes, conseguiram novamente protelar.
O Clarín está burlando a legislação com acompanhamento externo e o Estado está
lutando contra a velha justiça que responde ao poder econômico.
Em sua opinião, o que temos pela
frente?
Em primeiro lugar, precisamos tornar
mais didáticas as denúncias contra o grupo monopolista. Se o Clarín continua
sem cumprir a lei, o Estado está obrigado a chamar concursos públicos. As
licenças que excedam o mínimo estipulado pela lei devem ser entregues a novos
titulares. A obrigação do Estado é chamar o concurso. Se não adequar-se ao
processo, em sua luta equivocada o Clarín terminará favorecendo os setores
populares.
Inclusive agora está em curso um
processo judicial pelo caso da fábrica de papel jornal, onde os antigos donos
estão denunciando como lhes tiraram, de forma ilegal e indevida, seu
patrimônio. A atuação é juridicamente reprovável porque se fez com pessoas
detidas. Além disso, houve o descumprimento do que dispunha a lei quanto ao
percentual de ações que deveria ter ficado com o Estado e que acabou sendo
apropriado pelos grupos privados. O monopólio também amplia o poder e os lucros
do Clarín, que obriga as demais publicações a pagarem um fundo para que possam
ser distribuídas nas bancas. O Estado tem dito e repetido que não vai
expropriar de nenhuma maneira, nem vai estatizar. Trata-se de garantir a
pluralidade de vozes, algo que nunca houve. Ao contrário, uma quantidade de
meios foram fechados durante a ditadura, inclusive com bombas, como o Diário
Sur e o diário La Calle, do Partido Comunista. Há mais de cem jornalistas
argentinos desaparecidos e 50 assassinados. Mas sobre isso a SIP não fala, como
nada tem dito sobre o que está ocorrendo em Honduras onde em duas manifestações
realizadas pela oposição foram espancadas equipes inteiras de televisão.
Novamente com o silêncio cúmplice da
SIP.
A SIP estimula o silêncio. Há uma
desinformação abismal na mídia, que também trabalha contra Chávez, tenta fazer
permanentemente com que Brasil e Argentina briguem. Estão sempre divulgando
“porque Dilma disse”, “se suspeita que”. Estão tratando de quebrar a integração
e isso é gravíssimo. Chegaram inclusive a defender os fundos abutres, afirmando
que os Estados Unidos teriam o direito de cobrar de países afundados o valor de
face de títulos. A Argentina disse que não. Enquanto isso, ninguém sabe nada
sobre as melhores coisas que estão acontecendo. E ainda temos setores de
esquerda que se unem à direita. Os meios de comunicação da direita lhes dão espaço,
logicamente, pois escolhem a esquerda que lhes serve. E aqui os trotskistas
cumprem este papel, fazem um grande favor à reação.
E como é possível romper com este
cerco midiático?
Precisamos fazer cumprir o que diz a
Corte Interamericana: os monopólios de comunicação cerceiam a liberdade de
expressão. Quando os governos querem atuar para democratizar a palavra, se
fazem de desentendidos. A informação é uma arma real para o poder hegemônico,
uma arma para destituir governos. Uma arma tão real que muitas das notícias são
fabricadas no próprio Pentágono, como as do Oriente Médio, e repetidas em todo
o mundo. Imagine o poder que significa que, em todo o mundo, na mesma hora, se
esteja repetindo a mesma coisa. Isso amplifica de uma forma perversa, eu diria
terrorista, a desinformação. Não se respeita o direito dos povos a uma
informação veraz, que ajude a população a ter mais educação e cultura. A isso
se agrega os entretenimentos que são o maior modelo de desculturação que
tiveram nossos países nos últimos anos. E isso é mais grave porque chega onde
não há um jornal. Está em frente à televisão está absorvendo anti-valores.
É um tipo de entretenimento que vai
construindo uma aculturação à lógica do poder econômico.
Correto. Os valores humanos vão se
perdendo. Vai se perdendo o valor da solidariedade, se insta ao individualismo,
à humilhação por um minuto de fama. A pessoa que se humilha pela fama, se
humilha diante de um colonialista. Estou fazendo um trabalho sobre o que
significam esses tipos de “entretenimentos” enquanto desculturação, destruição
e degradação social. O Big Brother encerra sete ratinhos, sete pessoas, coloca
na televisão e acham isso maravilhoso. Uma fama breve e descartável. Então, são
feitos juízos, colocando situações limites para saber como uma sociedade reage.
É um experimento com pessoas de diversas classes sociais: um pobre, um lúmpem,
um classe média. São programas que invariavelmente têm a mesma estrutura, tipo
“Dançando por um sonho”, em que o jurado humilha os participantes e as pessoas
aceitam por um pouco de dinheiro. Também no campo intelectual, muitos vão
desertando por dinheiro, jornalistas então... sem falar nos que são abertamente
comprados.
Vê uma luz no fim do túnel a curto
prazo?
Eu diria que como instrumento
transformador o fato de ter sido criada a Prensa Latina e hoje a Telesul, abre
perspectivas. Não teríamos sabido nada do golpe em Honduras, das atrocidades
cometidas contra a Líbia, ou da dimensão da agressão à Síria, se não houvesse a
reportagem da Telesul presente. Isso demonstra o que é preciso fazer. É uma
desgraça que muitos governos não invistam na Telesul, que não a vejam como algo
importante, uma fonte distinta. As pessoas estão cativas da desinformação por
falta de opção. Precisamos agir para que os governos atuem, para que os nossos
povos tenham finalmente direito a uma informação veraz.