Pensatempo: novembro 2012

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Herói judeu e ministro de Mandela defende o “fim do apartheid de Israel”


Ronnie Kasrils, veterano combatente antiapartheid

Ronnie Kasrils denuncia que “política de terrorismo de Estado de Israel é ainda pior do que a dos racistas sul-africanos”


Em seu “Livro das perguntas”, Pablo Neruda indaga: “Por que as árvores escondem o esplendor de suas raízes?”. E como se respondesse à inquietação do poeta chileno e ignorasse a minha pergunta, Ronnie Kasrils, sul-africano de pais judeus de origem russa, nascido em Joanesburgo, veterano militante da causa antiapartheid e ex-ministro de Nelson Mandela, iniciou a entrevista exclusiva mostrando o longo caminho percorrido até o Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre. Da mãe, “doce, solidária e humanista”, aprendeu que a segregação a que os negros eram submetidos na África do Sul, com suas mais variadas formas de abuso e violência, “era o mesmo tipo de veneno imposto aos judeus na Europa”. Seu pai, um caixeiro viajante, vendedor de balas e doces para as segregadas e miseráveis comunidades negras, logo se converteria numa das principais lideranças sindicais da África do Sul. Desta combinação surgiu a indignação e o desejo da mudança. Daí até a militância clandestina, estimulado por uma prima comunista, foi um passo. A pele branca caiu como uma luva para as necessidades do movimento antiapartheid, até que foi banido de falar em público, de ir às fábricas, de reunir-se com mais de três pessoas e, finalmente, ficar desempregado. “A partir de então os racistas me deixaram com todo o tempo livre para me dedicar à luta contra o apartheid sul-africano”. Por sua luta, Ronnie Kasrils foi reconhecido como “herói judeu”, título cassado após ter se pronunciado “contra o apartheid de Israel”. Dirigente do Congresso Nacional Africano (ANC), Ronnie esteve reunido com Che Guevara, participou ativamente ao lado de vários combatentes pela libertação do Continente, como Agostinho Neto, de Angola, e Samora Machel, de Moçambique, e foi ministro de Nelson Mandela. “A política de terrorismo de Estado de Israel é ainda pior do que a do apartheid sul-africano, pois o regime de segregação racial não cercava os bantustões – locais onde os negros eram concentrados e apartados da sociedade branca -  nem os bombardeava com mísseis. Israel ergue muros e pratica crimes diariamente, covardemente, sem trégua, contra idosos, mulheres e crianças. Como disse certa vez um comandante militar israelense ao ver as barbaridades praticadas contra a aldeia de Deir Yassim, Israel está repetindo os nazistas”.

No auditório da Fecosul, Ronnie debaterá na próxima sexta-feira (30) sobre a Luta Palestina Anti-Apartheid – desafios, modelos e estratégias para a paz justa. 

Abaixo, a íntegra da entrevista, que contou com a colaboração de Leonardo Vieira.

Como foi a sua participação na luta contra o apartheid na África do Sul?

A luta política contra o apartheid era pela não-violência, até que em março de 1960 um protesto pacífico em frente a uma delegacia de polícia foi banhado em sangue. O massacre deixou 69 mortos e representou um divisor de águas. Diante da brutal violência e repressão, discutimos que não havia outro caminho se não a resistência armada. Mandela me indicou como membro do comando de Durban e iniciamos ações que tinham como alvo os símbolos do apartheid, como os “Escritórios de classificação” onde os negros eram catalogados.

Catalogados de que forma?
Os racistas tinham 14 classificações diferentes para distinguir a inferioridade das raças. Iniciava pelo europeu e ia até o bantu, o mais negro de todos. Se uma pessoa dissesse que era branca eles olhavam as unhas, os dentes, como os nazistas faziam. Se um imigrante viesse do Líbano, devido à colonização europeia, era classificado como branco, se viesse da Síria era colorido. Atacávamos estes escritórios de classificação com uma regra: nunca matar ninguém. O objetivo era colocar abaixo os símbolos da opressão e do racismo. Isso inspirou muita gente a lutar e serviu como alerta ao regime de que era preciso mudar.

Foi um longo período de resistência até a realização das eleições e a vitória de Mandela em 1994.
Foram décadas de muita luta, pois os racistas não estavam dispostos a ceder. A repressão se desatou forte, com muitos militantes presos, torturados até a morte ou exilados. Neste período contamos com grande solidariedade de Angola e Moçambique para reconstruir nossa rede clandestina, que era então a única forma possível de luta.

Quais foram os pilares desta reconstrução?
Foram quatro pilares. O primeiro foi o motor da luta política, o povo como força que lidera o processo, com o sindicalismo à frente, com atuação destacada de jovens, mulheres e grupos culturais. O segundo pilar foi a montagem da rede clandestina, desde a propaganda, com a entrega de panfletos, até a infraestrutura para os combatentes. O terceiro foi a ação armada, com referência na atuação de Mao Tsé-Tung e de Che Guevara. O quarto foi a solidariedade internacional. 

E a reunião com Che Guevara?
Eu me encontrei com Che em Dar-es Salaam, na Tanzânia, numa reunião em que também estavam Agostinho Neto, de Angola, e Samora Machel, de Moçambique. A concepção do Che e dos cubanos era bolivariana, de todos os líderes assumirem o internacionalismo da causa e contribuírem para a libertação de cada país como se fosse o seu próprio. Era esta a sua pregação e foi este o seu compromisso até o fim.

Fazendo um paralelo com o momento da derrubada do apartheid na África do Sul, como vês o papel da solidariedade internacional contra a política de terrorismo de Estado e segregação levada a cabo pelo governo de Israel?
O movimento antiapartheid nos deu um tremendo apoio e impulso em vários momentos em que a situação interna estava extremamente complicada. Foi uma contribuição inestimável para enfraquecer e isolar os racistas, pois unia gente de todas as origens e classes. Vale lembrar que era um Estado muito poderoso, com mais de cinco milhões de brancos. Nenhuma colônia teve tantos brancos, com raízes no país há muitos anos, grande exército, economia industrial com abundantes recursos minerais. E os Estados Unidos e a Europa como defensores, com Ronald Reagan e Margaret Thatcher à frente. Ao mesmo tempo, os negros eram submetidos à pobreza mais abjeta, à ignorância profunda, com o regime estimulando a divisão por tribos para melhor manipular. Se você fosse mestiço ou indiano já era capataz, era assim que funcionava. Diante deste quadro interno, a solidariedade trazia esperança.

Neste momento, a adoção de uma política de boicote, desinvestimento e sanções não seria um caminho natural para chamar o governo israelense à razão?
Acredito na efetividade do boicote quando ele chega no bolso, pois é onde dói, ajudando as pessoas a abrirem os olhos e potencializar a resolução desta situação insustentável. Com o boicote e as sanções, os acadêmicos israelenses que se sentem naturalmente orgulhosos de suas conquistas repensarão o alto preço pago pelos palestinos. Se houver boicote de armas e sanções militares, estará minada a capacidade de agressão de Israel.
Conte um pouco da sua trajetória.
Eu tive de sair da África do Sul em 1963. Tive treinamento militar na União Soviética e em Cuba. Passei pela Tanzânia, Londres, Angola e Moçambique como chefe do braço armado do Congresso Nacional Africano até 1990. Fui ministro de Defesa Adjunto de Mandela até 1994, ministro de Águas e Florestamento em 1999, ministro da Segurança em 2004 até 2008, quando saí do governo. Sempre fui muito incisivo contra a agressão israelense, ainda mais por ser descendente de judeus, e me tornei um alvo para Israel e para os sionistas. Visitei oficialmente a Cisjordânia e a Faixa de Gaza onde pude ver o quão absurda é a manutenção deste criminoso regime de segregação.
O que sentiste ao visitar os territórios ocupados por Israel?
Tanto em Gaza quanto na Cisjordânia senti uma espécie de dejà   vu, era como se estivesse de volta ao regime de apartheid. Na verdade, o que é feito contra os palestinos é ainda pior do que o apartheid sul-africano. Porque por mais brutal que fosse o regime, na África do Sul não se bombardeavam os bantustões, nunca houve o uso de helicópteros, mísseis e tanques. Nas operações, os racistas quebravam portas, prendiam, torturavam, mas isso durava duas semanas, nunca indefinidamente, como acontece na Palestina. Estive em 2004 com Yasser Arafat na sede da presidência da Autoridade Nacional Palestina (ANP) em Ramalah e ele me disse “não está vendo o meu bantustão?” Eu respondi que aquilo não era um bantustão e todos me olharam assombrados, como seu eu tivesse relativizando a gravidade da situação. Mas logo eu respondi que o local era pior do que um bantustão, porque eles nunca foram bombardeados nem nunca houve muros ao seu redor. 

Uma segregação sem limites.
Qualquer ser humano de bom senso se sente extremamente chocado com tamanha selvageria. A situação é ainda mais impressionante quando tais crimes são reproduzidos por pessoas descendentes dos que sofreram o holocausto. Minha mãe, sempre muito doce, me ensinou os valores da vida e diante do que via sendo feito com os negros sul-africanos dizia que as pessoas, quando são submetidas a uma lavagem cerebral, se tornavam nazistas. Quando viu as crianças palestinas assassinadas na aldeia de Deir Yassin, em 1948, Cizling, um chefe israelense, disse: “Agora nos comportamos como nazistas”. É inadmissível que alguém com origem judaica perverta desta forma os ideais humanistas e passe a agir como monstro, praticando punições coletivas.

De que forma o Fórum pode contribuir para colocar um ponto final nesta sucessão de crimes?
O Fórum Social Mundial Palestina Livre tem um significado histórico de mobilização da sociedade, principalmente neste momento em que cresce a pressão internacional para que a ONU reconheça o Estado palestino como membro pleno. O fato de que esta solidariedade internacional seja um movimento pacífico mostra o seu intenso valor moral. O fim do apartheid de Israel contra os palestinos vai beneficiar não só os israelenses, mas também os judeus pelo mundo afora, a exemplo do que ocorreu quando caiu o regime de segregação na África do Sul. Muito diferente de representar uma ameaça, o fim do apartheid liberou os sul-africanos do peso das correntes de uma histeria militar e conquistou uma harmonia para toda a África, com progresso e segurança para todos. Tamanhos benefícios só podem vir com uma solução justa. Vale lembrar que na era dourada do Islã e do judaísmo houve uma convivência harmoniosa, de elevada solidariedade.

Da mesma forma que Estados Unidos, Inglaterra e Israel se alinhavam na ONU para blindar o regime de apartheid da África do Sul, hoje os EUA e a Europa Ocidental se empenham na defesa dos crimes do Estado de Israel. Qual a sua leitura sobre isso?
O interesse econômico e geopolítico explica as razões de tamanho apoio dos EUA e dos países da Europa Ocidental, mas os israelenses têm de repensar essa dependência total, porque o mundo está mudando. Israel é muito pequena dentro de um mundo árabe enorme. Será melhor para todos que o governo de Israel saia deste jogo perigoso e busque uma convivência harmoniosa com a região.

Começou a contagem regressiva para o final do apartheid de Israel?
Atualmente converso com ministros do tempo do apartheid na África do Sul e pergunto: o que te fez mudar? E um ministro muito importante me respondeu que havia sido quando o banco Barclay, da Inglaterra, anunciou que iria sair do país. Então, disse ele, é o fim pra mim, não tem mais jeito. O início do fim ocorreu portanto quando o banco do colonialismo inglês, sofrendo as intensas pressões internas, com as mobilizações, e internacionais, com a onda de solidariedade, após 200 anos, deixou o país. Isso ajudou a mudar a corrente de opinião.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

ComunicaSul acompanhará na Argentina a retomada das concessões ilegais do Grupo Clarín



Rede de Comunicação Colaborativa estará em Buenos Aires na semana de 7 de dezembro para informar sobre ações pela democratização da mídia

Profissionais de imprensa que compõem a Rede ComunicaSul de Comunicação Colaborativa estarão na Argentina acompanhando a semana do 7 de dezembro, data em que serão retomadas as concessões ilegais ainda mantidas pelo Grupo Clarín, o maior conglomerado de mídia do país vizinho.

A lei aprovada pelo Congresso argentino divide o setor em três, com participação igualitária de 33% para o setor privado, 33% para meios públicos e 33% para veículos educativos e comunitários, já tendo sido adotada por todas as empresas de comunicação, com a exceção do Grupo Clarín que conseguiu liminares na Justiça para manter seu latifúndio midiático. O Clarín tem mais de 240 sistemas de TV a cabo, 19 rádios AM, FM e quatro canais de TV aberta, o que configura um monopólio e uma rede nacional ilegal.

Recentemente o procurador geral da Argentina, Daniel Reposo, acusou o Clarín de "continuar mentindo" e de "montar uma campanha de difamação sobre os organismos de controle de nosso país" – como a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA). Conforme mancheteia o jornal de maior circulação na Argentina, o governo de Cristina Kirchner arma uma suposta "política de desmantelamento" da imprensa. Mas o fato, ressaltou Reposo, é que “a partir de 7 de dezembro deverão adequar-se às leis emanadas pelos representantes do povo e das províncias e respeitar as normas de ética jornalística que garantem a liberdade de imprensa em nosso país".

O êxito da cobertura das eleições de outubro na Venezuela estimulou os diferentes meios que compõem a ComunicaSul (Portal do Mundo do Trabalho, Hora do Povo, Brasil de Fato, Vermelho, Ciranda) a reproduzirem a experiência. Em Caracas, com textos, fotos e vídeos postados no www.comunicasul.blogspot.com.br, a rede trouxe informações fundamentais para fazer o contraponto à invisibilidade e combater a manipulação da imprensa privada brasileira e das agências internacionais alinhadas ao governo estadunidense contra o governo do presidente Hugo Chávez.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Governo argentino enfrenta os grandes monopólios de mídia



Grupo Clarín arma campanha da oligarquia contra iniciativa proposta pelo governo da presidenta Cristina Kirchner para democratizar os meios de comunicação 


Dia sete de dezembro de 2012, começa a ser aplicada na Argentina a “Ley de Medios” que está deixando em polvorosa as oligarquias e monopólios proprietários de meios em todo o mundo. Essa Lei, proposta pelo governo de Cristina Kirchner, foi amplamente discutida, aprovada pela Câmara dos Deputados que lhe adicionou mais de cem emendas e, seguidamente, foi ratificada pelo Senado e regulamentada pelo Judiciário. Apoiada também por sindicatos de trabalhadores e organizações sociais, passou por todos os trâmites legais de um regime democrático.

Na elaboração da proposta para a “Ley de Medios” foram observadas todas as normas que conformam o Sistema Internacional de Direitos Humanos e está sendo considerada por organismos das Nações Unidas, como a Unesco, como exemplo a ser seguido.

Essa lei substitui a vigente que foi imposta pelos governos militares autoritários. Cria o Conselho Federal de Comunicação Audiovisual, a Defensoria Pública e uma Comissão Bicameral de Controle. Em síntese, a Lei estabelece a proibição da propriedade cruzada de meios; uma mesma empresa não pode possuir rede de televisão aberta e rede a cabo; reduz de 24 para dez o limite de concessões de rádio e televisão para um mesmo proprietário

Coloca o dedo na ferida aberta de monopólios e oligarquias nunca antes contestados. A reunião da SIP (Sociedade Interamericana de Proprietários), recentemente realizada em São Paulo, traçou a estratégia de guerra a ser iniciada por todas as empresas filiadas para denunciar o que eles consideram “violação à liberdade de imprensa”. Os grandes monopólios midiáticos brasileiros já iniciaram a demonização de Cristina Kirchner e a tentativa de convencer a opinião pública de que um governo que se atreve a limitar a liberdade e a fonte de poder deles deve ser deposto.

Os inimigos de Cristina

A história dos meios de comunicação na Argentina tem origem comum à da mídia dos demais países do continente, porém, está marcada por fatos que a distingue dos demais. Fortes contingentes migratórios que povoaram o país no início do século XX, políticas educacionais inclusivas com escolas de qualidade e gratuita propiciaram uma sociedade ávida por leitura e informação.

Ilustra essa diferença com a sociedade brasileira, por exemplo, o fato de que em uma única Avenida de Buenos Aires, Corrientes, há mais livrarias do que em muitos Estados brasileiros. Lá o público de leitores foi sempre disputado por publicações de todo tipo, por jornais de grande tiragem e por um jornalismo de qualidade além de miríades de pequenos meios alternativos.

Projetos editoriais como o de La Opinión, que abrigou intelectuais de renome e foi massacrado pela ditadura, tiveram grande repercussão em todo o mundo. Os Cadernos do Terceiro Mundo nasceram em Buenos Aires em tempos de liberdade e democracia. E foi também durante as ditaduras que se formaram grandes conglomerados que hoje dominam o universo informativo.

Depois, no auge do liberalismo privatizante e entreguista de Menem e seus seguidores também as empresas e fundos de investimento resolveram investir seu capital na venda de informação. Se de um lado isso tem contribuído para maior concentração do capital, de outro, resulta em maior número de alternativas a disputar o público, gerando maior diversidade e liberdade de expressão. Em contrapartida, temos o pensamento único dos grandes grupos midiáticos.

Não pretendemos desenvolver aqui esse longo processo, mas sim dar alguns exemplos que serviram de paradigma para essa interpretação, mostrando resumidamente como se desenvolveram os principais meios que se dizem ameaçados pela legislação que democratiza a comunicação.

La Prensa

Fundado em 1889 foi durante algum tempo o jornal de maior circulação e peso político na Argentina. Em 1991 entrou em concordada e já passou por três proprietários até chegar ao que é hoje, um jornal sem importância. Seus dias de glória foram alcançados sob a direção de Alberto Gainza Paz (1899-1977), filho de tradicional e poderosa família de proprietários fundiários, que assumiu a direção em 1943. O jornal tinha a UPI (United Press International) como sócia. Com Perón no poder, o jornal sofreu intervenção de 1951 até 1956 quando foi devolvido à família e voltou a circular.

La Nación

O segundo diário mais importante da Argentina é o La Nación, que ocupou o lugar do velho La Prensa como principal jornal das oligarquias conservadoras, fundado em 1870 por Jorge Mitre. A família perdeu em 1990 o controle da empresa para a família Saguier que manteve Bartolomé Mitre na direção editorial com 10% das ações. O diário sobreviveu à crise dos anos 1990 e circula até hoje com expressiva tiragem. O controle acionário é exercido por Matilde Noble Mitre de Daguier. Voz corrente vincula a direção do jornal com o banco off shore  Barton Corp. A empresa mantém um portal na web e edita a revista Gestión, em parceria com o Grupo HSM e as revistas Rolling Stone, Lugares, Ahora Mamá, El Jardín en la Argentina. Também participa da agência DyN  e tinha cotas na empresa de papel jornal Papel Prensa juntamente com o Grupo Clarín.

Clarín

O Grupo Clarín é hoje o maior grupo de mídia da Argentina. Sua história se parece com a das organizações Globo do Brasil. Aqui foi a família Luce, (Robison e Clare Luce), milionários proprietários do Times e colaboradores da CIA que deram dinheiro a fundo perdido aos Marinho.  
Lá, foi a Goldman Sachs, cujo banco hoje tem 18% das ações da holding. O restante 82% está repartido entre Ernestina Herrera de Noble, Héctor Magneto, Lucio Pagliano e Jose Aranda.

A história desse grupo começou com o jornal diário Clarín, lançado em 1945 por Fernando Noble. Surgiu no vazio provocado por Perón ao expropriar La Prensa. Teve um grande crescimento a partir da década de 1970, época em que, favorecido pelas ditaduras, conseguiu o controle das fábricas de papel e de tintas – o escândalo da Papel Prensa. O grande salto se deu a partir dos anos 1990, quando ingressou no circuito de rádio e televisão, internet, produtoras e cinema. Em 1999, a Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimentos do planeta, adquiriu 18% do grupo, ao qual ingressou também a Disney e a Telefônica entre outras. Hoje integram o grupo cerca de 30 empresas dos mais diversos ramos.

Compõem o conglomerado de Clarín três das mais importantes emissoras de rádio (Radio Mitre, FM 100 e Gen FM); onze emissoras de televisão aberta Canal 13 (Artear SA), Señal Volver, Señal Magazine, Señal TN (Todo Noticias), Señal TyC Sports, Señal TyC Max, Canal 12 (Córdoba), Canal 7 (Bahía Blanca), TVC Pinamar, MTV Miramar, TSN Necochea; a maior rede de TV paga a Cabo e por satélite com cinco canais Multicanal, Supercanal, Trisa, Teledeportes, Direct TV (74% Hughes Entertainment; 20% Grupo Cisneros y 4% Grupo Clarín; as produtoras Pol-Ka, Patagonik Film Group, Internacional, sendo que desta participa a Disney; provedor de acesso à web; a Rádio Mitre e várias emissoras no interior. Também mantém na web mídias informativas multimídias e interativas. No portal Prima tem como sócio o banco Provincia e a Prima do Brasil.

Também controla os jornais de maior circulação Clarin, La Razón e Olé; Através da Cimeco, que tem 33,4% de capital espanhol, e importantes diários no interior: La Voz del Interior (Córdoba), Diário Los Andes (Mendoza). Controla também as revistas Viva, Gênios, Ñ, Elle Argentina, Elle Decoración, Elle Novias. A gráfica e distribuidora Impripost tem como sócia o grupo Techint.

Os grandes investimentos no setor de televisão foram viabilizados através de parcerias com grandes corporações transnacionais, como TyC, (TV esportiva) uma das grandes fabricantes e distribuidora mundial de peças e assessórios para indústria automotiva. Na Multicanal/Cablevisión, o grupo tem como sócia a Fintech Advisory, uma das grandes consultoras de negócios e investimentos com sede em Nova Iorque. Também o Grupo Vila, dedicado à hotelaria no mundo inteiro, está no negócio. Na Argentina, como no Brasil, a prevalência pelo lucro transformou a maioria dos canais de televisão, notadamente as TV por cabo, controlados pelos monopólios, em repetidoras de filmes produzidos nos Estados Unidos.

Na ilustração o poder do Grupo Clarín (fonte:http://mediosycomunicaciondeaca.wordpress.com/mapa-de-medios-en-argentina/)

Papel prensa

Uma das iniciativas mais recentes do governo de Cristina Kirchner foi a de encaminhar solução para o escabroso escândalo em torno da indústria de papel para jornal: “Papel Prensa”.

A lei que criou a empresa é de 1969, promulgada por Onganía. Inaugurada em 1971, funcionou até 1975, sob o controle do banqueiro David Graiver (1941-1976). Em 1976, após a morte de Graiver, o governo militar obrigou a viúva a vender as ações para as empresas proprietárias dos jornais Clarín, La Nación y La Razón reservando uma parte para o Estado. Foi um escândalo na época. Com anterioridade a mídia havia desencadeado uma campanha de demonização de Graiver, com denúncias de que estaria envolvido com as guerrilhas montoneras. Quando da venda forçada das ações foram adquiridas por US$ 7 milhões.

Graiver possuía dois bancos na Argentina e em Nova York, um em Bruxelas e outro em Tel Aviv, além de numerosas empresas espalhadas pelo mundo. Serviu ao governo de Lanusse e depois ao de Cámpora. Com os judeus José Klein, no Chile o Edmond Safra no Brasil formava o tripé da “banca judia” na América. Ajudou substancialmente a Hector Timerman, editor de La Opinión e da La Tarde. Opinión, lançado em 1971, foi um dos mais importantes jornais do continente à época, abrigando jornalistas e intelectuais de projeção, cobrindo honestamente os fatos que conturbavam nossa América, até que foi expropriado pela ditadura em 1977. Essa mesma ditadura prendeu e torturou Timerman mantendo-o desaparecido até 1980, quando por pressão internacional deixaram-no livre para asilar-se em Israel.

A relação da família Graiver com os Montoneros começa em 1972 quando teve que pagar 200 milhões de pesos para que libertassem Isidoro, o filho mais jovem sequestrado. Acusado de ser gerente financeiro dos Montoneros, Graiver passou a residir com sua esposa, Lidia Papaleo de Graiver e filha Maria Sol em Nova York em 1974 e morreu no México em agosto de 1976 numa queda de avião de causa nunca esclarecida. Após sua morte, sua família foi presa e torturada pelos militares que ocupavam o poder e forçada a vender a empresa.

Desde então corre processo na Justiça argentina contestando não só o valor, mas o como foi feita a transação. Já no ano seguinte, 1977, a empresa estava sob intervenção. Mas, os governos e a própria justiça negligenciaram permitindo que o Grupo Clarín ficasse com o controle de fato da empresa e adquirisse papel de imprensa 58% mais barato que o valor de venda para os demais veículos.

Diante das pressões dos minoritários e das denúncias de uso abusivo em 2001, foi feito um novo acordo com os acionistas. Essa confusão se alastrou até 2010 quando em agosto o governo de Cristina decide por uma nova intervenção para que se esclareçam as denúncias e se resolva as querelas entre os acionistas. Em 2011, a Unidade Fiscal Federal (Tribunal de Justiça) de La Plata qualificou como crime de lesa humanidade os fatos que envolveram a transferência de ações de Papel Prensa entre 1076 e 1977. Osvaldo Papaleo lembra que Clarín comprou a empresa com a família Graiver sequestrada.

Toda essa história flagrada de fraudes, mentiras e golpes baixos, envolvendo personagens de obscura trajetória, de conluios com as ditaduras, parece ter chegado a um desfecho quando no início de 2012 Cristina autoriza desapropriar a empresa. Tal medida desperta o ódio e o medo das oligarquias midiáticas continentais que, vendo o exemplo vizinho temem ver contestadas também suas relações espúrias com a ditadura militar. O fato é que casos como o da Folha, acusada de ter emprestado carros para que policiais prendessem militantes da esquerda, e do Globo, que expandiu seu poderio nos anos de chumbo, não foram exceções entre os barões da mídia. Foram a regra. Dos que não têm limites. Dos que não querem regras.