Uma reflexão sobre a guerra de
extermínio movida pelos EUA, sua mídia e demais eunucos contra o governo
anti-imperialista de Jacobo Arbenz
Leonardo Wexell Severo
“A experiência da Guatemala
constitui um verdadeiro arsenal de exemplos de luta anti-imperialista para os
nacionalistas de todo o mundo”
Osny Duarte Pereira
Um dos principais acionistas da United Fruit, John Foster Dulles era
também – ou por isso mesmo - o secretário de Estado do governo norte-americano no
início dos anos 50 quando o presidente da Guatemala, Jacobo Árbenz, decidiu via
reforma agrária levar a justiça ao campo e à cidade.
O pequeno país centro-americano foi atacado para defender o interesse do
secretário de Estado, que acusava o berço da civilização maia de ser uma
“ameaça à paz e à segurança do Hemisfério. Da mesma forma que na guerra do
Iraque foram injetados montanhas de bilhões de dólares na empresa do então
vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, o principal beneficiado pela invasão. Nas
duas sangrentas agressões à soberania nacional e aos direitos de todo um povo,
os meios de comunicação atuaram como correia de transmissão política e
ideológica do imperialismo. O livro de Plínio de Abreu Ramos, “Foster Dulles e
a invasão da Guatemala” (Editora Fulgor, 1958) fala sobre a primeira
intervenção ianque no continente após a guerra fria.
No prefácio, o professor e jurista Osny Duarte Pereira dá o seu
testemunho sobre o que moveu a ira da United Fruit e sua “guerra de extermínio
contra um governo”. “Lembro-me nitidamente e jamais me sairá da memória a
comoção que me causou, uma fila de lavradores nos guichês da Repartição da Reforma
Agrária, recebendo as escrituras de seus terrenos. Homens do campo, condenados
perpetuamente à condição de peões, subitamente levados à condição de
proprietários das terras, nas quais eram trabalhadores assalariados. Era
necessário assistir à cena das fisionomias daquela gente humilde, segurando os
documentos com as duas mãos, olhos arregalados, um sorriso largo e, em seguida,
abraçaram-se efusivos, despedindo-se da odiosa situação de antigos servos da
gleba que eram antes. Parecia uma cena de distribuição de diplomas em festa de
formatura, embora se realizasse, como um ato de rotina da repartição
governamental, em hora normal de expediente normal, sem discursos, nem
aglomerações”.
Como também recorda o chefe da Casa Civil do presidente Getúlio Vargas,
Lourival Fontes, logo na abertura do mesmo livro, “A história da América a
partir dos tempos coloniais até os dias mais recentes da sua vida independente
não se dissocia em nenhum momento do sistema econômico-internacional e das suas
práticas de exploração. A transição do período colonial para o autonomismo
marcou a passagem das maldições do monopólio para as penalidades das
concessões, dos privilégios e do penhor estrangeiros”. Quando pensamos nas
concessões de portos, aeroportos e rodovias, e muito mais grave, no leilão do
campo de Libra, no pré-sal, temos a exata dimensão do alerta.
NACIONALIZAÇÃO DE TERRAS
O decreto de 7 de junho de 1953, que marcou o começo da reforma agrária
na Guatemala, interrompida um ano depois pela invasão do país, previa a
expropriação de menos de 10% das áreas - entre cultivadas e incultas - de
propriedade da United Fruit. Poucas semanas depois, em 26 de junho, a República
da Guatemala, por intermédio de seu embaixador em Washington, Guilhermo Garrido
Torrielo, comunicou ao Departamento de Estado a nacionalização de 233.973 acres
de terra de propriedade da Frutera.
O momento era de extrema tensão, lembra o então diretor do Diário de
Notícias do Rio de Janeiro, João Portela Ribeiro Dantas, “com a América Central
totalmente abalada pelos interesses da companhia norte-americana United Fruit,
empresa a que pertencem suas rodovias, suas ferrovias, seus portos e seus
navios”. Na verdade, o reinado estabelecido pelo cartel nos países do Caribe
“antecede à investida dos trustes petrolíferos ingleses e americanos nas
regiões produtoras da Venezuela e do México”.
Dando continuidade às transformações iniciadas pelo presidente Juan
José Arévalo (1945-1950), Árbenz vê a
necessidade da ruptura com a lógica semicolonial. “Três companhias estrangeiras
– United Fruit Company, International Railway of Central America e a Companhia
Agrícola de Guatemala – dominavam 75% da superfície agrícola do país e o total
de suas linhas de comunicação terrestre e navegação marítima. 80% de sua
população camponesa era empregada nas plantações de bananas exploradas pela
Frutera. A Guatemala exportava para os Estados Unidos 76% de sua produção e
importava, daquele país, 64% dos produtos consumidos no seu mercado interno”. O
mesmo torniquete que o Tratado de Livre Comércio (TLC) EUA-Guatemala, assinado
em anos recentes, visa perpetuar.
Baseado na Lei de Reforma Agrária e “de acordo com a resolução da ONU
que reconhece a todas as nações o direito de nacionalizar seus recursos
naturais”, o presidente guatemalteco anunciou a indenização da Frutera sob
forma de pagamento em títulos, num prazo de 25 anos a partir da data da
expropriação, “ao valor que a companhia havia declarado para fins de
tributação”.
SONEGAÇÃO MONUMENTAL
“A United Fruit pagava ao governo da Guatemala 0,15 cêntimos de dólar
por cacho de banana exportado, sem
possibilidade de fiscalização aduaneira dessa operação, uma vez que o
transporte para a zona de embarque e o carregamento do produto eram efetuados
em ferrovias da companhia, embarcados em instalações portuárias controladas
pela companhia e transportados para o exterior em navios da própria companhia.
Dentro desse privilégio invulnerável de açambarcamento, a adulteração dos dados
anuais da colheita da banana, fornecidos ao governo para efeito do imposto
taxado por unidade-cacho, subia a mais de 120% sobre o total da produção anual.
O Fundo Monetário Internacional documentou em seu relatório correspondente ao
ano de 1946 que a declaração do montante da exportação da Frutera comunicada ao
governo da Guatemala, naquele período, fora de oito milhões de dólares, quando
a exportação avançava à cifra dos dezenove milhões”, apontou Plínio de Abreu Ramos.
No ano seguinte, ainda de conformidade com estudos do FMI, “a empresa confessou
uma exportação de onze milhões e meio, havendo exportado, de fato, trinta
milhões oitocentos mil dólares”. Para ter uma ideia da sonegação, vale lembrar
que naquele tempo uma residência na capital guatemalteca custava três mil
dólares.
“As primeiras aquisições de propriedades agrárias alcançadas pela United
Fruit na Guatemala remontam os tempos da ditadura de Cabrera, no período de
1901 a 1904, ampliadas mais tarde através de contratos assinados durante o
efêmero governo de Orellana nos anos de 1923 e 1924. Em 1930, dominado o país
pelo caudilho Lázaro Chacón, a companhia estende suas concessões sobre o
litoral atlântico, criando em suas ferrovias uma tabela de frete sobre os
transportes de produtos nacionais, cuja exportação se processava através desses
portos localizados na orla do Pacífico. O resultado dessa ofensiva em direção à
costa oriental do país foi, não só a expulsão de proprietários e camponeses das
terras que cultivavam na região, mas de um modo especial veio onerar a produção nacional reduzida em face do monopólio, pela
Frutera, da rede rodoviária do país. Alguns municípios da zona atlântica
para resguardar os interesses dos proprietários nacionais lesados pela
companhia, tentaram recurso à justiça, mas o ditador Ubico, apoiado no Exército
subornado pelo truste, confirmou a posse da Frutera sobre as terras contestadas”.
“VENCER O VERMELHISMO”
Para garantir o êxito da ação, era necessário invisibilizar os inúmeros
avanços obtidos pelos governos nacionalistas de Arévalo
e Arbenz, que herdaram o caos do ditador Jorge Ubico (1931-1944), vassalo dos EUA.
“As novas rodovias e ferrovias, as centrais elétricas, a reforma agrária, as
escolas abertas por toda a parte, ofereciam um espetáculo naquela América
Central que dera a sensação, confrontando com os países vizinhos, de estar fora
do continente”, relata Osny Duarte Pereira.
Neste momento é que entraram em cena para “vencer as forças do
vermelhismo” as agências internacionais de notícias, particularmente a United
Press. A empreitada desinformativa visava também cimentar o envolvimento dos
“três reis caribenhos contra a Guatemala infiel, altiva e soberana”: “Don Tacho
Somoza, da Nicarágua; Don Rafael Trujilo, de São Domingos e Don Perez Jimenez,
da Venezuela, cumprindo o pregão da guerra santa exarado”.
Em
comunicado oficial à imprensa mundial, o presidente Jacobo Árbenz exibiu mais
de duzentas cópias de documentos apreendidos pelas autoridades guatemaltecas
implicando Somoza, Trujillo e Jimenez na ação golpista comandada pelo coronel Castillo
Armas, mercenário a serviço da CIA, exilado em Honduras. Segundo o comunicado,
os conspiradores “estavam adquirindo aviões e bombas Napalm através da firma
nicaraguense A.Somoza & CIA, em que Don Tacho e seu filho Somoza Debayle,
atual ditador, eram sócios no comércio do contrabando de armas de guerra
desembarcados clandestinamente nas costas do Atlântico para municiar as hordas
mercenárias”. O governo alertou que numerosos bandos de ‘sabotadores,
assassinos e soldados’ estavam sendo adestrados na ilha nicaraguense de
Momotombito e na província de Tamarindo, esta última “feudo rural” da família
Somoza.
A
denúncia do presidente Árbenz ainda descrevia como foi planejado o desembarque
nas costas do Pacífico “com tropas trazidas de portos nicaraguenses em barcaças
acondicionadas”, o “apoio aéreo mediante bombardeio das povoações e aterragem
em aeroportos particulares do Pacífico”, os “ataques simultâneos pela fronteira
de Honduras”, e toda a sequência de ações dos mercenários
“Os despachos telegráficos da United Press e dos porta-vozes do
Departamento de Estado, publicados nos jornais de 19 de junho anunciando a
invasão da Guatemala, mostram que os chefes militares invasores não tiveram o
cuidado de retificar o plano de ataque denunciado pelo governo de Jacobo Árbenz.
O governo revidou esse agravo, providenciando a expulsão do país dos
jornalistas americanos Sidney Gruson e Marshall Bannel, correspondentes
respectivamente do ‘New York Times’ e da ‘National Broadcasting Company’, como
sendo agentes mais ativos na campanha de desprestígio que, em forma maliciosa e
crescente, desenvolvem certos órgãos de informação contra a Guatemala”, relata
o livro.
“Irritada” com a expulsão dos dois espiões, a Comissão de Relações
Exteriores da Câmara dos Representantes “sugeriu” ao Departamento de Estado
sanções econômicas à nação maia, suspendendo as compras do café daquele país.
Na imprensa brasileira, o “entusiasmo” previsto pela United Press foi recebido
com indescritível euforia nas manchetes do “O Globo” e dos “Diários
Associados”. A “Tribuna da Imprensa” do Rio de Janeiro foi além na submissão:
“Agora, sirvam-se chamar-nos de vendido ao estrangeiro. Isso não nos assusta
nem nos desvia do caminho que temos a percorrer”.
NOTÍCIA DEFORMADA E CALUNIOSA
“O maior perigo” – advertiu o embaixador
da Guatemala em Washington, Guilhermo Garrido Toriello – “é que estão
procurando apoio coletivo da América para violar impunemente o princípio de não
intervenção, porém nos recusamos a crer que estão querendo voltar às velhas
práticas de antanho, em que os velhos monopólios influíam predominantemente na
política de alguns países, por meio do temor ao grande porrete e da vergonhosa
diplomacia do dólar, em que era coisa natural que a infantaria da Marinha dos
Estados Unidos desembarcava em portos latino-americanos para dominar as
alfândegas, a fim de ‘proteger interesses’ ou para ‘corrigir atividades
políticas’ que não agradavam àqueles interesses”. “Tudo isso se está fazendo na Guatemala,
porém não o sabem os povos da América. A
notícia que lhes chega pelas agências noticiosas, que servem à causa dos
monopólios, é uma notícia deformada e sempre caluniosa”, advertiu o
chanceler, frisando que tal ação midiática se prestava à “subserviência mental”.
Para justificar a remessa de armamento norte-americano para Honduras,
onde seriam entregues aos mercenários de Castillo Armas, os “eunucos de maior
pedigree” passaram a propagar a versão de que o governo da Guatemala vinha
adquirindo armas de guerra na União Soviética e na Polônia. Dando continuidade
ao script, já na semana seguinte, a United Press divulgava um despacho, segundo
o qual “as autoridades de Honduras descobriram vestígios de participação de
elementos do governo guatemalteco na greve que estourara na véspera nos
plantios de bananas da Frutera ao norte daquele país”. E na mesma toada
utilizada hoje contra o presidente Assad e o povo da Síria, provocavam uma
verdadeira avalanche desinformativa, buscando criar o caldo de cultura
necessário à intervenção, com aviões norte-americanos lançando “armamento
cunhado com a foice e o martelo” sobre a zona rural confiscada. O governo
guatemalteco denunciou a armação. Mas ninguém repercutiu.
“ESPADAS DE MADEIRA”
Esclarecendo o caso da compra das “armas pesadas de guerra” – que
infelizmente para a manutenção da soberania e da democracia também não era
verdade - o governo suíço informou que “a carga enviada à Guatemala, orçada em
40 mil dólares, equivalentes a 134 mil francos suíços, constava apenas de 16
caixas de cartuchos para treinamento de defesa anti-aérea”. E assinalava a “impropriedade”
de qualificar como “arma”, a “cartuchos que não podem ser mais úteis em guerra
do que espadas de madeira”. Apesar deste esclarecimento oficial da própria fonte
fornecedora, “a mentira nutrida pela corrupção do truste insistia, resoluta e
audaciosa, em atribuir a origem da compra dos cartuchos à Polônia e à União
Soviética”. Jogando verde, a mídia venal prospectava para os invasores as
vulnerabilidades da resistência guatemalteca.
No Brasil, se prestando à genuflexão ianque, a Tribuna da Imprensa
publicou em 24 de junho de 1954: “O navio sueco ‘Alfhelm’, depois de viagem
misteriosa cheia de vaivens, desembarcou clandestinamente, mas sob as vistas
diretas do governo, duas mil toneladas, em 25 mil caixas de armamento tcheco
controlado pela Rússia, vindas do porto polonês do Sttettin, no Báltico. Interpelado,
o governo guatemalteco declarou que desde 1949 os Estados Unidos, sob alegação
de que não tinham confiança no destino que ia ser dado ao armamento, deixaram
de vender ou ceder armas à Guatemala. Por isto, disse, recorreu a fontes
russas, mas era um único e pequeno carregamento, garantiu Toriello, em nome do
governo”.
Intencionalmente, inventaram dados, deturparam a fonte e a quantidade
das armas encomendadas, “além de responsabilizarem Toriello por explicações que
ele não deu, não podia dar nem tinha que dar”. As equipes sabotadoras, que
agiam com impressionante e inexplicável desembaraço, “eram chefiadas dentro da
própria Guatemala por um sacerdote francês expulso do país e acolhido no Rio de
Janeiro pelas autoridades brasileiras, onde passou a conceder entrevistas
difamatórias contra aquela República nas colunas do O Globo e da Tribuna da
Imprensa”. “No terreno da espionagem, o governo não ignorava que nesse ofício
criminoso exercitavam-se, abertamente, a imprensa colaboracionista da Frutera, ‘El
Imparcial’, ‘El Espectador’, ‘El Mundo Libre’, certas facções do clero filiadas
à Acción Social Cristiana”.
Antes de ordenar que suas tropas contra-atacassem o inimigo, que já
ocupara uma faixa territorial de 15 quilômetros além da fronteira nicaraguense,
o governo Árbenz recorreu ao Conselho de Segurança da ONU, com Toriello informando
a presença de forças militares estrangeiras no Departamento de Chiquimula e o
bombardeio de suas cidades por “aviões de construção norte-americana P-47”,
oriundos de bases instaladas em Nicarágua e Honduras, “uma vez que os
mercenários não possuíam nenhum aeródromo ou base militar no país”. O chanceler
guatemalteco esclareceu ainda que na noite do dia 20 o navio hondurenho “Siesta
de Trujillo” foi apreendido em Puerto Barrios quando descarregava
metralhadoras, fuzis e granadas para abastecer os mercenários, “enquanto novos
aviões bombardeavam Zacapa, York e Cristina e pontes ferroviárias que ligavam à
fronteira de Honduras à capital da Guatemala”.
“PROPAGANDA POLÍTICA”
A United Press ainda aproveitou o fato de ter sido o soviético Viatcheslav Molotov o primeiro chanceler a responder à exortação de Toriello. No dia
27, em artigo publicado no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, Rafael Correa
de Oliveira denuncia os propósitos da desinformação veiculada pelas agências de
notícias, restabelecendo a versão exata das notas diplomáticas trocadas entre
chancheleres da Guatemala e da União Soviética. Com esse espírito, esclarece o
articulista, “tenha o leitor muito cuidado com o noticiário das agências
telegráficas”. “Anteontem, por exemplo, tentaram impingir aos jornais um
comunicado sobre as viagens de cruzadores russos que viriam trazer uma
especializada missão militar para defender a Guatemala. Era mentira. Ontem
publicaram um apelo da Guatemala a Molotov. Também mentiram. Trata-se do
telegrama-circular enviado a todos os membros do Conselho de Segurança – o
Brasil e a Rússia incluídos. O noticiário tendencioso individualizou o apelo
para assim melhor cumprir as instruções da propaganda política da guerra da
banana”.
No setor de Zacapa, denunciava o governo guatemalteco, “era considerável
o número de civis mortos em consequência do metralhamento da população por
aviões P-47, marca Thunderbolt, de fabricação norte-americana, que só poderiam
proceder de Manágua ou de Tegucigalpa, cujos aeroportos, de Las Mercedes e
Toncintis, respectivamente, eram os únicos na América Central que possuíam
pistas de pouso para aparelhos daquele tipo”.
No dia 28 de junho, “com a Guatemala sangrando nos campos de batalha e
traída pela covardia remunerada da diplomacia norte-americana”, Arbenz renuncia.
As ações da Frutera sobem dois pontos na Bolsa de Valores de Nova York.
“A corrupção imperialista na Guatemala, como não podia deixar de
acontecer, causou efeitos imediatos de fome, terrorismo e ditadura logo nos
primeiros meses da subida de Castillo Armas ao poder”. Apenas nos campos de
concentração de Poptum, no Departamento de Peten, havia cerca de 6.500
prisioneiros. Os assassinatos políticos respondiam à “orientação” por uma
“justiça severa, rápida e eficaz”. “Uma das primeiras vítimas dos assassinatos
judiciários ordenados pela ditadura, depois dos massacres de Vila Nueva,
Amatitlan e Antigua, em que foram metralhados quase todos os líderes sindicais
dos trabalhadores da Frutera, foi o deputado Alarico Bennet, executado a mando
de Rozendo Perez, facínora e bandoleiro fugitivo da justiça guatemalteca, que
alugara seus serviços às quadrilhas mercenárias de Castillo Armas”.
CORRUPÇÃO NORTE-AMERICANA
O “nível de decomposição generalizada que a corrupção norte-americana
provocou na atmosfera de venalidade que rodeia o país” logo ficou evidenciado. Tamanhas
foram a “indecência e a infâmia” das “cláusulas” enviadas pelo ditador à
Assembleia Constituinte, “eleita” depois da invasão sem a participação dos
partidos aliados de Árbenz, postos na ilegalidade, que o deputado Clemente
Rojas - diretor do jornal bananeiro “La Hora”, que participou de toda a
violenta campanha movida contra o governo nacionalista - chegou a declarar que
se retirava “enojado desta assembleia” e “deste Congresso corrompido”. “Igual
desprezo pela ditadura mercenária manifestou outro antigo prócer bananeiro,
senhor Alfonso Carrillo, quando expressou em seu discurso: “Sinto-me como se formássemos parte dos
Estados Unidos. A tradução macarrônica desses contratos é, obviamente, o
resultado da tradução do inglês para o castelhano”.
“Como nos tempos antigos aparecem, de novo, na Guatemala, os descalços e
andrajosos que enchem especialmente as ruas da capital”, descreve Carleton
Beals, no “The Progressive”. E prossegue: “grande percentagem de desempregados
são trabalhadores despedidos das obras e dos projetos de casa popular, assim
como também camponeses despojados de suas terras. Cerca de um milhão de acres
lhes haviam sido entregues pelo governo de Arbenz, parcelas de terras devolutas
que os camponeses com seus próprios recursos haviam preparado para a semeadura.
O desemprego geral e a destruição dos Sindicatos acarretou uma baixa de
salários de aproximadamente um dólar - que ganhavam na época democrática - até
o salário de quinze centavos, que era o nível corrente sob a ditadura de Ubico.
Em alguns lugares os salários do campo foram rebaixados em 50% ou mais. Ao
mesmo tempo, a inflação e a escassez de alimentos elevou até o céu o custo de
vida”.
Em meio a este cenário de devastação e degeneração, Ramon Blanco, sócio
do jornal golpista “El Imparcial”, colunista da “Tribuna da Imprensa”, escreve em
24 de setembro de 1954 que “há muita gente que tem estranhado muitíssimo que
não se organizasse, até agora, uma homenagem pública ao embaixador dos Estados
Unidos da América, senhor John Peurifoy, como demonstração de agradecimento e
carinho por sua magnífica atuação e colaboração para vencer a administração que
acaba de ser derrotada”.
A “deificação lisonjeira” expressa pelo escriba pró-imperialista,
conclui Plínio de Abreu Ramos, “vai ao cúmulo de louvor ao espião alegre e
libertino com a mesma solicitude do serviçal Lebel que, ao beijar os calções
rendados de Luiz XV, exclamava enternecido: “Senhor, podeis contar com a minha
canalhice!”