Pensatempo: janeiro 2012

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

BNDES dá asas à desnacionalização dos aeroportos brasileiros

Banco anuncia que financiará até 90% da privatização com recursos públicos


Matéria publicada nos jornais Hora do Povo e Brasil de Fato

Como se não bastasse a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) exigir a presença de operadores estrangeiros nos consórcios que aspiram participar do leilão de “concessão” dos aeroportos internacionais de Brasília, Campinas e Guarulhos – os maiores e mais lucrativos do país -, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou na última quinta-feira (19) que financiará até 80% do investimento total das empresas contempladas e 90% dos itens financiáveis.

Marcado para o dia 6 de fevereiro, o leilão entregará ao capital privado - nacional e multinacional - o controle de três terminais que, juntos, respondem por 30% do fluxo de passageiros e 57% da carga movimentada no país.

“Esta é uma decisão vergonhosa e inadmissível. Se já não bastasse a privatização de um patrimônio estratégico para o nosso desenvolvimento, agora anunciam o uso de um banco de fomento para estimular o capital estrangeiro”, condenou Celso Klafke, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Aviação Civil (Fentac). Com a experiência de quem congrega aeroviários (trabalhadores das companhias aéreas e de serviços auxiliares que atuam em terra), aeronautas (pilotos, comissários e mecânicos de vôo) e aeroportuários, funcionários da Infraero, que administra os aeroportos, Klafke denuncia a política de “privatizar o filé e estatizar o osso”.

O filé, aliás, é mais do que suculento, pois além do mercado interno vitaminado, temos ainda pela frente a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. De olho nesta maciez, a estadunidense ADC & HAS e a espanhola OHL são algumas das multinacionais que se associaram a empresas brasileiras para candidatar-se ao butim. Vale lembrar que os três terminais em voga realizaram juntos, apenas nos nove primeiros meses do ano passado, cerca de 40 milhões de embarques e desembarques de passageiros.
Conforme projeções da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), só o Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas, fechou 2011 com movimento de 7,6 milhões de passageiros de voos domésticos e internacionais, 28,5% maior que o do ano anterior, quando 5,43 milhões de pessoas passaram pelos terminais de embarque e desembarque. Em sete anos, o movimento no aeroporto de Campinas cresceu 1.025%.

“Por estas e outras razões somos contra o governo abrir mão do controle dos aeroportos brasileiros e, portanto, da Infraero como empresa pública. Esse modelo de concessão e privatização já demonstrou ao longo da década de 90 que traz imensos prejuízos à população, tanto em termos de tarifa como de qualidade dos serviços prestados”, declarou Artur Henrique, presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

Condenando a decisão do BNDES, Artur questionou a irracionalidade do modelo: “Fica a pergunta: se o BNDES pode emprestar 80% para o setor privado, por que não para a Infraero? Eu não sei. Imagino, mas não sei”.

O dirigente da central também alertou que o edital não aponta para a necessidade do controle da torre de pousos e decolagens - do fluxo aéreo - permanecer nas mãos do Estado, o que atenta contra a segurança dos usuários, que ficarão à mercê da lógica e do interesse das empresas. “Mais do que um problema, é o problema abrir mão da Infraero”, sublinhou, já que a empresa é responsável por toda a infraestrutura aeroportuária, desde a terraplanagem para a construção de pistas de pouso até o próprio controle aéreo dos aeroportos.

O presidente do Sindicato Nacional dos Aeroportuários, Francisco Lemos, condenou o estímulo do BNDES à desnacionalização como “uma aberração e uma imoralidade financeira que precisam ser barradas pela Justiça”. Lemos denunciou a “postura facciosa da grande mídia, que partindo do princípio que uma administração privada é mais eficiente do que a pública, manipula as informações”. Mas bem diferente da propaganda privatista, lembrou, a realidade se impõe com “as tampas de bueiros voando nas avenidas do Rio de Janeiro, as panes nos serviços da internet e nos apagões nos serviços de energia elétrica”. Em sua campanha desinformativa, frisou, os conglomerados de comunicação “escondem do grande público que 85% dos aeroportos em todo o mundo são públicos, inclusive nos Estados Unidos".

Lemos destaca que em nenhum momento os trabalhadores - representados pela CUT e pelo SINA - foram contra a parceria com o setor privado. “O que sempre questionamos é o formato da concessão/privatização, ainda mais agora que aponta para uma desnacionalização turbinada com recursos públicos. Entendemos que as atividades fim - operações, segurança aeroportuária, carga aérea, manutenção especializada e navegação aérea - dos três aeroportos em processo de concessão devem permanecer sob a responsabilidade da Infraero”. E sobram argumentos para essa defesa. “Na história da aviação, 98% dos acidentes aéreos ocorreram nos processos de pouso e decolagem e apenas 2% em cruzeiro. Significa dizer que os aeroportos são a parte mais sensível e que a operação dos mesmos não pode ser entregue a quem não tem experiência, através de terceirização e até quarteirização da atividade”, acrescentou.

Além dos seus 38 anos de experiência, a Infraero é reconhecida internacionalmente pela sua competência na operação da infraestrutura aeroportuária. Lemos destaca que “a Infraero é a guardiã da soberania nacional”. Afinal, esclareceu, “pelos aeroportos - além de passageiros - trafegam cargas de alto valor agregado, infecto-contagiosas, vivas, explosivas, radiativas, numerário da Casa da Moeda, além de condenados pela Justiça do Brasil de outros países”.

LEONARDO WEXELL SEVERO


domingo, 22 de janeiro de 2012

Investimento do BNDES cai pela primeira vez em 9 anos


Política econômica de “pé no breque” está desconstruindo a obra de Lula rapidamente

Nos últimos 60 anos, uma das coisas mais repetidas, porque verdadeira, sobre a economia brasileira, é que o BNDES (antigo BNDE) constitui-se na única ou quase única fonte de investimentos para as empresas, sobretudo as industriais. O “quase” é por conta da pequena parcela de investimentos que as empresas fazem com recursos próprios, sem recorrer a financiamentos.

Fora isso, há muito é evidente que as empresas nacionais não têm como investir a longo prazo – isto é, aumentar a sua capacidade produtiva, comprando máquinas e equipamentos ou edificando suas instalações – com base em empréstimos tomados nos bancos privados. Primeiro, porque esses bancos não fazem esse tipo de empréstimo. No máximo, financiam capital de giro - e a juros sempre escorchantes. Segundo, o conjunto das empresas também não tem como tomar empréstimos no exterior – algumas, maiores, até fizeram e fazem isso, mas, até para essas, ninguém pode subestimar as dificuldades e os riscos que ficaram evidentes quando a política cambial do guru de Fernando Henrique, o tresloucado Franco, foi para o brejo. Até a Globo, um monopólio, quase faliu.

  O problema é mais agudo ainda pela situação do Brasil em relação aos países centrais: é óbvio que destes, e de seus bancos e outros monopólios, as empresas nacionais só podem esperar um bloqueio – financeiro, comercial e tecnológico. Efetivamente, é o que sempre tem acontecido.
Exatamente devido a essas dificuldades – e elas não são poucas – o BNDES foi fundado pelo presidente Getúlio Vargas. E exatamente para superá-las é que ele existe.
Por isso, o anúncio, feito pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, de que os desembolsos – isto é, os financiamentos - do banco caíram 18% em 2011, em relação a 2010, é uma péssima notícia.

Também é uma raríssima notícia: há nove anos que os financiamentos concedidos pelo BNDES aumentavam – e não pouco – a cada ano. Antes de 2003, a última queda nos financiamentos do BNDES foi há 19 anos, em 1993. 

O sr. Coutinho tentou, em sua entrevista coletiva, amoldar-se ao estilo Mantega, apresentando a redução dos financiamentos como um sinal de que as empresas estão recorrendo mais ao “mercado de capitais”. Segundo seus números, as empresas, em 2011, lançaram “debêntures” no valor de R$ 40,9 bilhões, um aumento de 23,7% em relação a 2010.

Mas isso somente quer dizer que as empresas estão mais endividadas – e que tiveram de pendurar-se em bancos e outros agiotas, ao invés de recorrer ao BNDES. Tanto isso é verdade que, segundo os números do próprio Coutinho, as emissões primárias de ações, uma operação para que a empresa obtenha recursos próprios, caíram 33,6%, enquanto as “debêntures” aumentavam 23,7%. “Debêntures” são títulos de dívida, papagaios que dão direito ao credor de transformá-los em ações da empresa que os emitiu - em outras palavras, no limite, dão direito a que o credor tome a empresa de seu dono. Mesmo que não faça isso, significa que a empresa, em maior ou menor medida, torna-se dependente do “mercado financeiro”, que, como sabemos, é composto de cavalheiros e filantropos.

Se é assim, a solução mais lógica e mais fácil seria aumentar os desembolsos do BNDES em mais R$ 40 bilhões. É muito pouco para o Tesouro e somente cabeças de bagre podem achar que é uma grande vantagem ter a indústria como um apêndice da especulação financeira. É verdade que o sr. Coutinho não é o expoente dessa besteira, e, sim, o sr. Mantega. Mas Coutinho tentou não destoar do ambiente. O risco, já dizia o poeta, é desperdiçar a vida por delicadeza...

Como isso não é problema nosso, voltemos ao resultado do BNDES, que, ao invés de aumentar seus financiamentos, reduziu-os em -18%.

Os desembolsos do seu Programa de Sustentação do Investimento (PSI), de estímulo à produção, aquisição e exportação de bens de capital, assim como inovação tecnológica, caíram -33%: de R$ 50,18 bilhões de financiamentos em 2010, foram para R$ 33,8 bilhões em 2011 - portanto, uma queda de R$ 16,38 bilhões. Naturalmente, o aumento dos juros nos financiamentos do PSI, ocorrido em março, que passaram de 5,5% ao ano para até 9%, e a redução da participação do BNDES nesses financiamentos (antes ele financiava 100% do produto, passando, a partir de março, a cobrir de 70% a 90%), serviram para desestimular as empresas nacionais.

Mas, por que o BNDES alterou as condições de financiamento do PSI? Segundo o banco, porque ele está “em sintonia com o processo de estímulo ao crédito privado de longo prazo”. Em suma, porque essa é a política do Ministério da Fazenda, onde um gênio descobriu que para aumentar o financiamento privado é preciso diminuir o financiamento público dos investimentos - contra toda a experiência internacional, desde, pelo menos, 1930, ou seja, há mais de 80 anos.

Num país que, para crescer, precisa urgentemente aumentar sua taxa de investimento, uma das mais baixas do mundo entre países do mesmo porte que o nosso, isso é um desastre. Mas seria, também, em qualquer país – como foi nos EUA e na Inglaterra, hoje se arrastando pelos 13% do PIB de taxa de investimento, enquanto a China, com 46%, arromba os mercados dessas mecas neoliberais. 

Mas vejamos os financiamentos do BNDES por região: no centro da indústria brasileira, isto é, na região Sudeste, que engloba os três Estados mais industrializados, os desembolsos caíram -30%.

Quanto aos setores econômicos - a maior queda foi nos financiamentos à indústria: -19%. A propaganda sobre o muito que o BNDES desembolsou para a “infraestrutura” (isto é, para o sr. Eike Batista e alguns outros picaretas, embora haja financiamentos de projetos que não merecem ser atirados nessa vala comum) é uma peneira - com suas conhecidas e fracassadas utilidades.

Aqui, existe outro problema, que já abordamos extensamente: além da redução nos financiamentos, desperdiçou-se dinheiro com multinacionais, aquelas que deveriam (lembra-se, leitor?) trazer recursos para o país: até setembro, quando foi divulgada a última lista de financiamentos do BNDES à indústria, o maior empréstimo tinha sido concedido à Fiat (R$ 1,3 bilhão), o quarto (R$ 704,4 milhões) a uma subsidiária multinacional da área de laticínios, e, claro, não faltavam a Ambev, a Pirelli, a Tereos do etanol, a Renault, uma filial da Coca-Cola, e outras menos famosas.

Enquanto isso, as médias empresas – principal contingente das empresas nacionais – são tratadas com uma dieta de sopa de pedra em que, ao contrário da história infantil, só há pedras. O sr. Coutinho citou um aumento de 3% nos financiamentos a essas empresas. Mas esses 3% significam um aumento de R$ 13,54 bilhões para R$ 13,99 bilhões, ou seja, de R$ 450 milhões, num desembolso total de R$ 139,68 bilhões - um aumento de 0,3% em relação ao desembolso total.

A mesma coisa sobre o propalado aumento de 16% no desembolso para as pequenas e microempresas: em dinheiro, isso foi um aumento de R$ 3,76 bilhões (R$ 23,69 bilhões para R$ 27,45 bilhões), isto é, meros 2,6% do desembolso total.

Além disso, a maior parte dos desembolsos com as pequenas e microempresas não são para investimento – mas para fazer girar a empresa. Portanto, do ponto de vista dos investimentos da indústria, que é a função do BNDES, esse dinheiro não tem significação.

A redução de 27% no valor dos financiamentos às grandes empresas não foi para permitir que aumentasse o valor para as médias e as pequenas empresas. Aliás, não há porque reduzir os financiamentos às grandes empresas nacionais – o problema tem sido, na atual direção do BNDES, a confusão entre grande empresa e monopólio, inclusive os multinacionais. Os desembolsos para as grandes empresas caíram R$ 33,67 bilhões (R$ R$ 122,75 bilhões, em 2010, para R$ 89,08 bilhões, em 2011), enquanto o aumento para as médias empresas foi de R$ 450 milhões e para as pequenas e micros foi de R$ 3,76 bilhões. Logo, comparado ao ano de 2010, há pelo menos R$ 30 bilhões que não foram desembolsados para empresa alguma.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Juro alto e câmbio aceleram desemprego industrial no país


Em novembro emprego na indústria cai 0,10%, após recuar 0,4% e 0,5% em setembro e outubro

Carlos Lopes, na Hora do Povo

O desemprego na indústria aumentou outra vez em novembro, tanto em relação ao mês anterior quanto ao mesmo mês de 2010, revelou a Pesquisa Industrial Mensal de Emprego e Salário (PIMES), do IBGE, divulgada na última sexta-feira.

É o terceiro mês seguido em que o emprego cai na indústria. Em 11 meses (janeiro-novembro), o emprego industrial caiu em sete deles (janeiro, abril, junho, julho, setembro, outubro, novembro); teve crescimento zero em março; e somente aumentou em três desses meses (fevereiro, maio e agosto) – a taxas tão baixas, que, como apontou o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), equivalem à estagnação.

No principal Estado industrial do país, São Paulo, o emprego caiu pelo oitavo mês consecutivo de 2011, quando comparado ao mesmo mês de 2010 (a PIMES não fornece resultados regionais em comparação com o mês anterior). A tendência negativa é evidente pelos resultados mensais da indústria paulista (janeiro e fevereiro: 2%; março: 0,5%; abril: -0,2%; maio: -0,7%; junho: -1,5%; julho: -2%; agosto: -1,6%; setembro: -2%; outubro: -3,5%; novembro: -3,7%).

Em 2010, quando a produção industrial cresceu +10,5%, o emprego na indústria cresceu +3,4%.

No entanto, em 11 meses de 2011, a produção da indústria cresceu apenas 0,4%. Portanto, a queda no emprego ainda não refletiu plenamente a queda na produção: de janeiro a novembro ainda há um saldo positivo de 1,1% no emprego industrial. Mas a tendência, mantidas as coisas como estão, é óbvia.

Se a situação em São Paulo é bastante ruim, a indústria da região mais pobre do país, o Nordeste, encontra-se praticamente em decomposição: a produção industrial nordestina já caiu -4,8% de janeiro a novembro. Segundo outra pesquisa do IBGE, a Pesquisa Industrial Mensal Regional, a produção regional caiu -2,9% em um único mês, novembro, em relação a outubro, com a produção industrial da Bahia caindo -6,4%. No ano de 2011, a indústria do Ceará já caiu -12,1%.

No entanto, segundo o ministro Mantega, em entrevista à revista Época que saiu no fim de semana, em 2011, “atingimos nossos objetivos de política econômica e social [??]. Implantamos no país um novo modelo de desenvolvimento, fortemente gerador de empregos” [???].

Naturalmente, ele sabe que isso é mentira - e que não é o único a sabê-lo. Por isso, é obrigado a dizer, de passagem, que “o setor industrial cresceu pouco” - e diz isso como se fosse um detalhe, nessa linguagem desfibrada.

A indústria está em retração desde fevereiro. Talvez o sr. Mantega pretenda que o país cresça com base na agropecuária – mas isso não deu certo com os coronéis da República Velha e o mumificado sr. Gudin. Não há crescimento sólido para o país sem que sua base seja o crescimento da indústria.

Porém, Mantega atribui o problema (e que problema!), no qual tem completa responsabilidade, à “crise mundial [que] nos atrapalhou”.

“Crise mundial” é o mote dos vigaristas atuais. O que existe é uma crise dos países centrais, isto é, dos países imperialistas – EUA, Europa e Japão. Essa crise só é “mundial” para aqueles que acham que o mundo se resume aos países imperialistas.

Estranha crise “mundial” em que, mesmo usando os números do FMI, que não são nada favoráveis aos outros países do mundo, a China, em 2011, cresceu pelo menos +9,5%; a Índia, +7,8% (provavelmente ultrapassará os 8%); a Indonésia, +6,4%; a Argentina, +8%; a Mongólia, +11,5%; Moçambique, +7,2%; Bangladesh, +6,3%; Bolívia, +5%; o Camboja, +6,7%; o Chile, +6,5%; a República Democrática do Congo, +6,5%; o Equador, +5,8%; o Cazaquistão, +6,5%; o Quênia, +5,3%; a Turquia, +6,6%;  o Peru, +6,2% - e paramos por aqui, porque a lista é grande.

Por que a crise dos países imperialistas teria afetado o Brasil, mas não afetou nenhum desses países, quase todos com uma economia muito menor e mais frágil que a nossa? Porque não foi crise alguma que derrubou o nosso crescimento, dos 7,5% do último ano do governo Lula, para os prováveis 2,5% de 2011. Muito menos foi a crise – e muito menos “mundial” - que provocou o desastre na indústria, que caiu de +10,5% (+11,1% até novembro de 2010) para 0,4% até agora, quando ainda não foram divulgados os resultados do último dezembro.

A “crise mundial” do sr. Mantega é, portanto, uma fraude. Mas revela o que ele chama de mundo: os EUA e a Europa, talvez, também, o Japão.

Ele diz que o setor industrial “é o mais atingido pela crise [??]. Aumentou a concorrência, e produtos estrangeiros entraram com força no Brasil. A manufatura brasileira teve mais dificuldade para exportar”.

Será que a indústria dos EUA está mais forte devido à crise? Só um doido afirmaria uma coisa dessas. Como foi, então, que ela “aumentou a concorrência”, a ponto de inverter a balança comercial com o Brasil, que, de superavitária a nosso favor, hoje é deficitária?

Quanto aos produtos chineses, a China é, precisamente, um país que não entrou em crise – mas o Brasil também não estava em crise quando Mantega aplicou sua política recessiva e neoliberal de cabo a rabo. A explicação de Mantega, portanto, é uma mistura de abacaxis com juntas homocinéticas - e pretende que os outros vejam nisso alguma coerência.

Não houve nenhum “aumento da concorrência”. O que houve foi subsídio escandaloso das importações via câmbio manipulado, isto é, pseudo-flutuante. É como amarrar um peso de cinco quilos no tornozelo de um corredor e depois elogiar os adversários pela competência em derrotá-lo. Assim aconteceu com a hipervalorização do real e a desvalorização do dólar – e no momento em que os EUA nos agrediam com bilhões de dólares desvalorizados, que vinham para cá atraídos pelos juros altos, aumentados cinco vezes seguidas. Através de um mecanismo meramente cambial, os importados foram barateados e a produção nacional foi encarecida dentro do próprio mercado interno e no mercado externo. Essa é a “dificuldade” que a “manufatura brasileira” encontrou para “concorrer” e exportar: uma política deliberada de dumping cambial às importações, em benefício de monopólios estrangeiros, contra a produção interna e a indústria nacional.
Os problemas da indústria brasileira foram devidos, inteiramente, aos juros altos e  ao câmbio indecentíssimo, além do corte nos investimentos públicos e do arrocho no crédito e no salário mínimo em 2011. Mas essa foi, exatamente, a política econômica do sr. Mantega.

Quando o entrevistador constata que “faz tempo que o governo vem errando em relação à indústria” e pergunta se ele “faz alguma autocrítica”, a resposta foi: “Não tem autocrítica. É uma situação internacional, difícil para todo mundo. O que fizemos foi criar algumas linhas de defesa, botar a Receita Federal para fiscalizar mais, criar um departamento de inteligência”.

Não perguntaremos por que a “situação internacional” não afetou o crescimento da Mongólia, da Argentina e de vários outros países. Mas essa do “departamento de inteligência” da Receita, como “linha de defesa” para a indústria, é de cabo de esquadra. Um “departamento de inteligência” para resolver problemas que são de política econômica? Faz menos sentido que aquele hai-kai surrealista: “a lua vem surgindo/ redonda como um tamanco/ se você não me queria/ por que roubou minha bicicleta?”.

Mantega revela qual a essência dessa política na briguinha ridícula que expõe, na entrevista, com seu antecessor, Antonio Palocci, em que procura apontar este último como o homem do “mercado financeiro” - quando ele, Mantega, seria um “desenvolvimentista”.

Pois não é verdade. Palocci foi o homem dos bancos no governo até que deixou de ser útil, isto é, até que deixou o governo. Hoje, quem serve aos bancos e as multinacionais dentro do governo é ele, Mantega. A quem beneficia a sua política? Só aos bancos e multinacionais – e a ninguém mais. Palocci não tem mais grande serventia para os monopólios financeiros. Mas não é à toa que Mantega tenta jogar sobre outros o seu próprio papel atual. Mais ou menos a mesma coisa ele faz em relação ao seu passado “desenvolvimentista” – como se a questão não fosse, precisamente, que ele traiu esse passado.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Brasil importa mais de 1 bilhão de litros de etanol dos EUA

Carlos Lopes, na Hora do Povo

Desnacionalização, monopolização e câmbio arrasam a produção nacional de etanol e fazem o de milho invadir o Brasil  

Em 2011, o país importou 1 bilhão e 100 milhões de litros de etanol de milho dos EUA, um aumento de 1.384,8% em relação a 2010.

Nesse ano (2010), o ex-ministro Delfim Netto, com aquela verve que às vezes lhe caracteriza, disse aos empresários da Federação de Comércio de São Paulo:

... parece que com a taxa de câmbio de R$ 1,60 já podemos importar o etanol de milho dos EUA...” (ver HP, 23/11/2010).

Delfim provocou frouxos de risos entre os empresários. Era muito absurda a ideia de que um país que cultiva cana-de-açúcar há 500 anos, que até foi o primeiro a introduzir seus derivados no mercado mundial, que tem 2,9% de sua imensa área agricultável ocupada pela cana, e que há 40 anos inventou o uso do álcool como combustível automotivo, pudesse importar etanol de milho dos EUA – até porque o custo de produção deste é bem maior que o nosso: como apontou o diretor da Embrapa Agroenergia, Frederico Durães, para produzir a mesma quantidade de etanol, a produção a partir do milho dispende, no mínimo, oito vezes mais energia do que a produção a partir da cana.
Infelizmente, o ovo da serpente bêbada já tinha saído da casca: naquele mesmo ano de 2010, o Brasil importou 74,084 milhões de litros de etanol de milho dos EUA, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX). Não era muito significativo, quando comparado ao nosso consumo, mas era um sinal.

Agora, em 2011, aumentamos em 1.384,8% as importações de etanol dos EUA, alcançando 1,1 bilhão de litros. Um verdadeiro grande salto para trás.

Num país como o nosso, levantar que o problema foram as condições climáticas parece piada numa cultura, como a cana-de-açúcar, que existe do Sul ao Nordeste. E, antes que alguém (na verdade, já aconteceu) levante que esse é um grande negócio para o Brasil, pois ao mesmo tempo que importamos etanol dos EUA, também exportamos para lá (?!), observemos que as exportações de etanol do Brasil, de 2008 a 2011, caíram nada menos do que 70% - de 4,7 bilhões de litros para 1,4 bilhão de litros (cf.  UNICA, Marcos Jank, “The rise of ethanol imports: trends in Brazil’s ethanol market”, set./2011, p. 23).

Enquanto isso, as importações de etanol, que eram desprezíveis em 2008 (2 milhões de litros) cresceram para 1,1 bilhão de litros em 2011. Ou seja, de 2008 a 2011, cresceram 54.900% e estão quase empatando com as exportações (cf. UNICA, trab. cit., mesma p.).

A SECEX informa de onde vêm essas importações: 97,6% delas vêm dos EUA.

O que aconteceu com o setor de etanol, que há poucos anos era uma verdadeira grife brasileira, um anunciado e já carimbado passaporte para o futuro?

Primeiro, ele foi brutalmente desnacionalizado. Na apresentação da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) que acabamos de citar, realizada nos EUA, isso aparece com o nome nada sutil de “strong consolidation”: a Shell é agora proprietária da Cosan e da NovaAmérica; a British Petroleum é agora dona da CNAA e da Tropical Bioenergia; a Bunge tomou o Grupo Moema; a Louis Dreyfus tomou o Grupo Santa Elisa; o Noble Group levou o Grupo Cerradinho; a Shree Renuka Sugars pegou o Grupo Equipav; a Tereos tomou parte do Grupo Guarani, a Vertente e a Mandu (cf. The rise of ethanol imports: trends in Brazil’s ethanol market”, p. 10).

Dos grupos e empresas importantes no setor, só não são estrangeiros a ETH, que pertence aos monopolistas da Odebrecht, a São Martinho, que a Petrobrás adquiriu, e a sociedade da mesma Petrobrás com os franceses da Tereo, no Grupo Guarani.

Notemos que o setor de etanol cresceu 10,4% ao ano de 2003 a 2008. Depois da desnacionalização, o crescimento anual caiu para 3,6% de 2009 a 2011, período em que o aumento da frota de carros flex atingiu 40% (UNICA, op. cit., p. 7 e 8).

Multinacionais são sempre monopólios. Investem o mínimo para lucrar mais. Assim, o que elas fizeram foi se apoderar do que as empresas brasileiras já tinham construído – a construção de novas usinas, que havia crescido de nove (2005) para 19 (2006), 25 (2007) e 30 (2008) caiu para 19 (2009), 10 (2010) e 5 (2011). Portanto, deixaram de investir, apesar da generosidade do BNDES com essas multinacionais.

Mas não foi um mecanismo econômico inconsciente que estrangulou a produção nacional de etanol. Segundo o sr. Paulo Costa, secretário-executivo da IETHA (International Ethanol Trade Association – a entidade das multinacionais do setor), “a concentração e consolidação do segmento em mãos de empresas financeiramente sólidas e melhor conhecedoras dos fundamentos de mercado fizeram com que o consumo fosse administrado através de uma oferta controlada por preços elevados” (ver HP, 24/06/2011).
Em suma, o que houve foi monopólio, cartelização do setor. O sr. Costa, um ex-executivo da Cargill, não se referiu ao estancamento dos investimentos após a desnacionalização do setor. Mas isso faz parte do perfil de sua especialidade. Para que as multinacionais iriam investir? Para baixar o preço do etanol com o aumento da produção?
Por tudo isso, parece algo delirante a estimativa do presidente da UNICA, Marcos Jank, de que os estrangeiros construirão, até 2020, mais 120 usinas (cf. Jank e Perina, “O Movimento Mais Etanol”, OESP, 14/12/2011).
Porém, mesmo que as multinacionais fizessem isso, em oito anos isso significaria apenas 15 novas usinas por ano – um número, portanto, inferior aos de 2006, 2007 e 2008.

Segunda questão: o câmbio. Com as taxas de câmbio vis-à-vis o dólar que os altos juros provocam no Brasil, até importar etanol de milho dos EUA no país da cana-de-açúcar (e do etanol) torna-se vantajoso. Como o ex-ministro Delfim Netto já havia tocado na questão, resta-nos apenas enfatizar: se a Groenlândia tivesse esses juros e essa taxa de câmbio, alguma multinacional iria importar sorvete para vender aos esquimós.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Contabilidade midiota encobre legião de ianques lesionados e mutilados no Iraque



Leonardo Wexell Severo, Hora do Povo

Se a quantidade de soldados estadunidenses mortos no Iraque é inteiramente subestimada pelo grande número de mercenários utilizados desde 2003 pelo Pentágono, quem dirá o de feridos, mutilados ou que sofrem com lesões cerebrais traumáticas, depressão, perda de audição, distúrbios respiratórios e toda sorte de doenças que importaram do sangrento campo de batalha em que se transformou o país.

Sobre o tipo de acompanhamento médico ou psicológico dedicado às centenas de milhares de vítimas pelo governo americano, podemos ter uma vaga ideia pelo filme Sick, de Michael Moore, com inúmeras declarações de bombeiros que atuaram na queda das torres gêmeas e foram abandonados. Ao final, acabaram recebendo tratamento... Em Cuba.

Na tentativa de reduzir a montanha a um grão de areia, o Departamento de Estado utiliza a categoria altamente suspeita de “feridos em ação”. O jargão é feito sob medida para quantificar apenas e tão somente os feridos em combate e que precisaram de tratamento médico emergencial após terem sido atingidos, excluindo todos os vitimados psicológica ou fisiologicamente pelo acúmulo de tensões e ferimentos, bastante comuns entre veteranos. A magnitude do problema tem sido evidentemente minorada pelo governo - e pelas agências desinformativas a serviço do cartel bélico – convertendo-se numa forma de propaganda para encobrir a dimensão da resistência iraquiana e afegã à ocupação estrangeira.

Um artigo do jornalista estadunidense Dan Froomkin, do Huffington Post, lembra que o número de baixas assumido pelo Pentágono: 4.487 mortos e 32.226 feridos, de um total de 1,5 milhão de homens e mulheres que passaram pelo Iraque, é “descontroladamente subestimado”. “O verdadeiro número de militares feridos durante o curso do nosso fiasco está nas centenas de milhares, talvez até mais de meio milhão”. Afinal, questiona, como não levar em conta todos que retornaram com problemas de saúde que os impossibilitam de ter uma vida normal?

Ele aponta a título de reflexão alguns destes problemas, olimpicamente desconsiderados pela manipulação midiota:

- Conforme o Centro de Veteranos foram diagnosticados 229.106 casos – de leves a graves – de lesão cerebral traumática entre 2000 e o terceiro trimestre de 2011, incluindo Iraque e Afeganistão;

- Estudo de 2008 publicado no New England Journal of Medicine descobriu que 15% dos soldados relataram terem sido lesionados durante o período em que estiveram servindo, com perda de consciência ou estado mental alterado, enquanto 17% descreveram outros ferimentos. Relação que pode sugerir que 480 mil veteranos do Iraque foram feridos “de um jeito ou de outro”.

- Segundo o Centro de Veteranos, um em cada três soldados que atuaram nas agressões ao Iraque e ao Afeganistão sofrem de stress pós-traumático, depressão ou lesão cerebral traumática, o equivalente a 500 mil dos 1,5 milhão soldados estadunidenses que pisaram solo iraquiano.

- Entre os problemas mais comuns de deficiência está o de perda de audição, reforçando uma pesquisa de fonoaudiólogos com veteranos em 2005, que constatou que 72% dos expostos à explosões ficaram com seqüelas definitivas. O diretor do Centro de Audição e Surdez da Universidade de Búfalo, Richard Salvi, informou recentemente que cerca de 50% dos soldados pesquisados sofrem com “zumbidos”, vitimados por um “ruído intenso”.

- O Departamento de Assuntos dos Veteranos do governo dos EUA inclui na lista de enfermidades que os soldados trazem consigo fibromialgia (condição dolorosa generalizada e crônica que engloba também fadiga, indisposição e distúrbios do sono), problemas auditivos, hepatite A, B e C, leishmaniose, malária, perda de memória, depressão, enxaquecas e tuberculose. Entre os riscos a que foram expostos, com efeito potencializado pelas armas químicas e bacteriológicas que utilizaram indiscriminadamente contra a população civil, estão “doenças infecciosas, urânio empobrecido e estilhaços tóxicos”.

- Um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA reconheceu ser “difícil de encontrar estatísticas sobre baixas militares”, pois há “subnotificação de baixas” e que, com base nos “feridos em ação” e nos efetivamente evacuados do Iraque, para cada um destes, outros quatro foram clinicamente retirados do país.

Para Dan Froomkin, como os problemas persistirão por décadas, “e os números citados por políticos e pela mídia não chegam nem perto de refletir o custo real”, é preciso investigar a fundo. “Nós devemos isso a eles para fazer uma contabilidade completa do seu sacrifício – e nunca esquecê-lo”, disse.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

EUA anuncia terceirização de morticínio por avião-robô



Ampliação de frota de 230 para 960 drones exige “piloto” mercenário no comando de quatro joysticks, um para cada avião

O governo dos Estados Unidos anunciou a terceirização do morticínio por drones, os aviões-robô que vêm sendo usados para poupar a vida de soldados ianques, enquanto multiplicam os assassinatos em série e à maior distância possível das suas bases militares - como as do deserto de Nevada - e potencializam os lucros do cartel bélico.

Conforme informa Robert Johnson, no site Business Insider, o drone Predator que matou “acidentalmente” 15 civis afegãos em 2010 nem sequer era pilotado por um militar, mas por um mercenário. O “técnico” era empregado de uma das tantas empresas do complexo militar mais do que interessado em despejar bombas. Assim, não importa a quem nem a quantos os mísseis eventualmente venham atingir, pois sempre acertam em cheio o alvo: a maximização dos lucros. Com menos armas no estoque, o governo compra mais e o cofre privado ganha asas rumo ao infinito. Despejar bombas sobre o país dos outros, à custa do sangue alheio, fica sempre sendo um bom negócio.

A Força Aérea dos EUA possui atualmente 230 aviões-robô (drones) modelos Reaper, Predator e Global Hawks, mantendo a qualquer momento do dia ou da noite, 24 horas, todos os dias, pelo menos 50 deles no ar “em missão”. Para fazer frente à crescente resistência dos países e povos, a Força Aérea dos EUA anunciou que 730 novos drones serão incorporados nos próximos 10 anos, totalizando 960 aviões-robô para agredir nações soberanas. E tamanha expansão “ordenada pelo presidente Obama” vem criando uma demanda de pilotos que os militares não estão conseguindo cumprir. “Isso explica por que os ‘pilotos’ estão sendo obrigados a ‘pilotar’ quatro drones simultaneamente”, destaca Johnson.

Matéria de David S. Cloud no Los Angeles Times reconhece que nos Estados Unidos os militares vêm sendo substituídos por “pilotos” dos próprios conglomerados bélicos, que estão passando a ocupar todos os níveis de uma “corrente de matar”. São funcionários destas empresas privadas que analisam os vídeos enviados pelos drones quem muitas vezes tomam as decisões sobre a vida e a morte a partir do disparo dos mísseis Hellfire instalados nos aviões-robôs.

O esquema é altamente rentável para o cartel que patrocina as milionárias campanhas rumo à Casa Branca. Afinal, para pilotar à distância um drone é necessária uma equipe muito maior – e melhor paga - do que para pilotar presencialmente um jato F-15. Segundo a Força Aérea, são necessários 168 técnicos para manter no ar durante 24 horas um drone Predator; e 300 técnicos para fazer voar um drone Global Hawk pelo mesmo período.

Mas, mesmo munido de poderosos radares, câmeras de última geração e sensores infravermelhos, um destes aviões teleguiados foi capturado no dia 4 de dezembro – e sem nenhuma avaria - pelo exército iraniano, que após fazer a nave descer num campo de pouso a 250 quilômetros da fronteira com o Afeganistão, vem estudando os segredos militares da arma capaz de espionar dezenas de alvos ao mesmo tempo.

Pelo programa anunciado na semana passada – cada mercenário ianque será  responsável por “voar” quatro drones simultaneamente – um “piloto” no comando de quatro joysticks. Um para cada drone.

“Chegamos afinal à situação em que as corporações da indústria bélica estão, literalmente, com o dedo no gatilho, no comando de operações de guerra e disparando armas norte-americanas, em todo o mundo”, conclui Robert Johnson.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Orçamento de 2012 destina 47,19% dos recursos da União para bancos



Hora do Povo

O Projeto de Lei Orçamentária para 2012, aprovado pelo Congresso Nacional no final de dezembro, mostra muito bem a transferência para os bancos de quase metade dos recursos da União. Para o serviço da dívida pública serão destinados nada menos que R$ 1,014 trilhão, o que representa 47,19% do Orçamento. Em 2011, foram alocados nessa rubrica 45,05% e no ano anterior, 44,93% de todo o Orçamento, de acordo com o site Auditoria Cidadã da Dívida.

A Execução Orçamentária da União de 2011, publicada em Siga Brasil do Senado Federal, registra que foram direcionados ao gasto com juros R$ 823.544.209.300,00 (823 bilhões, 544 milhões, 209 mil e trezentos reais), distribuídos da seguinte forma: R$ 109.114.256.747,00 em amortização, R$ 246.616.202.769,00 em juros e encargos financeiros e R$ 467.813.749.784,00 em refinanciamento (troca de títulos).

O site Auditoria Cidadã refuta o argumento de que o percentual do Orçamento da União destinado à dívida esteja inflado por incluir o refinanciamento, que seria apenas algo contábil. O Relatório Final da lei aprovada diz: “As despesas com refinanciamento no orçamento, de cunho meramente escritural, não constituem despesa efetiva, mas representa troca da parcela dos títulos vencidos por títulos novos”.

Segundo o site, “é preciso considerar que o Relatório Final da recente CPI da Dívida na Câmara dos Deputados (aprovado pela própria base do governo e pelo PSDB) reconheceu que os dados geralmente divulgados pelo Tesouro Nacional como ‘Juros e Encargos da Dívida’ não consideram a totalidade dos juros, mas apenas os juros que superam a inflação, medida pelo IGP-M, um índice que tem apontado uma inflação bastante superior à dos demais índices. Ou seja: grande parte dos juros é contabilizada como se fossem amortizações ou a chamada ‘rolagem’ da dívida. A CPI requereu oficialmente aos órgãos governamentais os montantes de juros totais efetivamente pagos, e não recebeu resposta”.

“Além do mais, os relatores do Orçamento 2012 (Arlindo Chinaglia – PT/SP) e do Plano Plurianual 2012-2015 (Walter Pinheiro - PT/BA) rejeitaram todas as emendas que poderiam obrigar o governo a divulgar os montantes totais de juros”, acrescenta.

O Auditoria Cidadã afirma que a “rolagem” não significa mera troca de títulos antigos por novos: “Quando o governo faz nova dívida para pagar juros ou amortizações, este pagamento tem de ser considerado, dado que, se esta dívida repleta de indícios de ilegitimidade não existisse, todo este endividamento não estaria servindo para o pagamento da própria dívida, mas sim, para atender às áreas prioritárias como saúde e educação”.

Este ano, enquanto estão previstos 47,19% do Orçamento da União para o sistema financeiro à Previdência Social serão destinados apenas 18,22%. Para a saúde, 3,98% e à educação, 3,18%.