Grupo Clarín arma campanha da oligarquia contra
iniciativa proposta pelo governo da presidenta Cristina Kirchner para
democratizar os meios de comunicação
Dia sete de
dezembro de 2012, começa a ser aplicada na Argentina a “Ley de Medios” que está
deixando em polvorosa as oligarquias e monopólios proprietários de meios em
todo o mundo. Essa Lei, proposta pelo governo de Cristina Kirchner, foi
amplamente discutida, aprovada pela Câmara dos Deputados que lhe adicionou mais
de cem emendas e, seguidamente, foi ratificada pelo Senado e regulamentada pelo
Judiciário. Apoiada também por sindicatos de trabalhadores e organizações
sociais, passou por todos os trâmites legais de um regime democrático.
Na
elaboração da proposta para a “Ley de Medios” foram observadas todas as normas
que conformam o Sistema Internacional de Direitos Humanos e está sendo
considerada por organismos das Nações Unidas, como a Unesco, como exemplo a ser
seguido.
Essa lei
substitui a vigente que foi imposta pelos governos militares autoritários. Cria
o Conselho Federal de Comunicação Audiovisual, a Defensoria Pública e uma
Comissão Bicameral de Controle. Em síntese, a Lei estabelece a proibição da
propriedade cruzada de meios; uma mesma empresa não pode possuir rede de
televisão aberta e rede a cabo; reduz de 24 para dez o limite de concessões de
rádio e televisão para um mesmo proprietário
Coloca o
dedo na ferida aberta de monopólios e oligarquias nunca antes contestados. A
reunião da SIP (Sociedade Interamericana de Proprietários), recentemente
realizada em São Paulo, traçou a estratégia de guerra a ser iniciada por todas
as empresas filiadas para denunciar o que eles consideram “violação à liberdade
de imprensa”. Os grandes monopólios midiáticos brasileiros já iniciaram a
demonização de Cristina Kirchner e a tentativa de convencer a opinião pública
de que um governo que se atreve a limitar a liberdade e a fonte de poder deles
deve ser deposto.
Os inimigos
de Cristina
A história
dos meios de comunicação na Argentina tem origem comum à da mídia dos demais
países do continente, porém, está marcada por fatos que a distingue dos demais.
Fortes contingentes migratórios que povoaram o país no início do século XX,
políticas educacionais inclusivas com escolas de qualidade e gratuita
propiciaram uma sociedade ávida por leitura e informação.
Ilustra essa
diferença com a sociedade brasileira, por exemplo, o fato de que em uma única
Avenida de Buenos Aires, Corrientes, há mais livrarias do que em muitos Estados
brasileiros. Lá o público de leitores foi sempre disputado por publicações de
todo tipo, por jornais de grande tiragem e por um jornalismo de qualidade além
de miríades de pequenos meios alternativos.
Projetos
editoriais como o de La Opinión, que abrigou intelectuais de renome e foi
massacrado pela ditadura, tiveram grande repercussão em todo o mundo. Os
Cadernos do Terceiro Mundo nasceram em Buenos Aires em tempos de liberdade e
democracia. E foi também durante as ditaduras que se formaram grandes
conglomerados que hoje dominam o universo informativo.
Depois, no
auge do liberalismo privatizante e entreguista de Menem e seus seguidores
também as empresas e fundos de investimento resolveram investir seu capital na
venda de informação. Se de um lado isso tem contribuído para maior concentração
do capital, de outro, resulta em maior número de alternativas a disputar o
público, gerando maior diversidade e liberdade de expressão. Em contrapartida,
temos o pensamento único dos grandes grupos midiáticos.
Não
pretendemos desenvolver aqui esse longo processo, mas sim dar alguns exemplos
que serviram de paradigma para essa interpretação, mostrando resumidamente como
se desenvolveram os principais meios que se dizem ameaçados pela legislação que
democratiza a comunicação.
La Prensa
Fundado em
1889 foi durante algum tempo o jornal de maior circulação e peso político na
Argentina. Em 1991 entrou em concordada e já passou por três proprietários até
chegar ao que é hoje, um jornal sem importância. Seus dias de glória foram
alcançados sob a direção de Alberto Gainza Paz (1899-1977), filho de
tradicional e poderosa família de proprietários fundiários, que assumiu a
direção em 1943. O jornal tinha a UPI (United Press International) como sócia.
Com Perón no poder, o jornal sofreu intervenção de 1951 até 1956 quando foi
devolvido à família e voltou a circular.
La Nación
O segundo
diário mais importante da Argentina é o La Nación, que ocupou o lugar do velho
La Prensa como principal jornal das oligarquias conservadoras, fundado em 1870
por Jorge Mitre. A família perdeu em 1990 o controle da empresa para a família
Saguier que manteve Bartolomé Mitre na direção editorial com 10% das ações. O
diário sobreviveu à crise dos anos 1990 e circula até hoje com expressiva
tiragem. O controle acionário é exercido por Matilde Noble Mitre de Daguier.
Voz corrente vincula a direção do jornal com o banco off shore Barton
Corp. A empresa mantém um portal na web e edita a revista Gestión, em parceria
com o Grupo HSM e as revistas Rolling Stone, Lugares, Ahora Mamá, El Jardín en
la Argentina. Também participa da agência DyN e tinha cotas na empresa de
papel jornal Papel Prensa juntamente com o Grupo Clarín.
Clarín
O Grupo
Clarín é hoje o maior grupo de mídia da Argentina. Sua história se parece com a
das organizações Globo do Brasil. Aqui foi a família Luce, (Robison e Clare
Luce), milionários proprietários do Times e colaboradores da CIA que deram
dinheiro a fundo perdido aos Marinho.
Lá, foi a Goldman Sachs, cujo banco
hoje tem 18% das ações da holding. O restante 82% está repartido entre
Ernestina Herrera de Noble, Héctor Magneto, Lucio Pagliano e Jose Aranda.
A história
desse grupo começou com o jornal diário Clarín, lançado em 1945 por Fernando
Noble. Surgiu no vazio provocado por Perón ao expropriar La Prensa. Teve um
grande crescimento a partir da década de 1970, época em que, favorecido pelas
ditaduras, conseguiu o controle das fábricas de papel e de tintas – o escândalo
da Papel Prensa. O grande salto se deu a partir dos anos 1990, quando ingressou
no circuito de rádio e televisão, internet, produtoras e cinema. Em 1999, a
Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimentos do planeta, adquiriu 18%
do grupo, ao qual ingressou também a Disney e a Telefônica entre outras. Hoje
integram o grupo cerca de 30 empresas dos mais diversos ramos.
Compõem o
conglomerado de Clarín três das mais importantes emissoras de rádio (Radio
Mitre, FM 100 e Gen FM); onze emissoras de televisão aberta Canal 13 (Artear
SA), Señal Volver, Señal Magazine, Señal TN (Todo Noticias), Señal TyC Sports,
Señal TyC Max, Canal 12 (Córdoba), Canal 7 (Bahía Blanca), TVC Pinamar, MTV
Miramar, TSN Necochea; a maior rede de TV paga a Cabo e por satélite com cinco
canais Multicanal, Supercanal, Trisa, Teledeportes, Direct TV (74% Hughes
Entertainment; 20% Grupo Cisneros y 4% Grupo Clarín; as produtoras Pol-Ka,
Patagonik Film Group, Internacional, sendo que desta participa a Disney;
provedor de acesso à web; a Rádio Mitre e várias emissoras no interior. Também
mantém na web mídias informativas multimídias e interativas. No portal Prima
tem como sócio o banco Provincia e a Prima do Brasil.
Também
controla os jornais de maior circulação Clarin, La Razón e Olé; Através da
Cimeco, que tem 33,4% de capital espanhol, e importantes diários no interior:
La Voz del Interior (Córdoba), Diário Los Andes (Mendoza). Controla também as
revistas Viva, Gênios, Ñ, Elle Argentina, Elle Decoración, Elle Novias. A
gráfica e distribuidora Impripost tem como sócia o grupo Techint.
Os grandes
investimentos no setor de televisão foram viabilizados através de parcerias com
grandes corporações transnacionais, como TyC, (TV esportiva) uma das grandes
fabricantes e distribuidora mundial de peças e assessórios para indústria
automotiva. Na Multicanal/Cablevisión, o grupo tem como sócia a Fintech
Advisory, uma das grandes consultoras de negócios e investimentos com sede em
Nova Iorque. Também o Grupo Vila, dedicado à hotelaria no mundo inteiro, está
no negócio. Na Argentina, como no Brasil, a prevalência pelo lucro transformou
a maioria dos canais de televisão, notadamente as TV por cabo, controlados
pelos monopólios, em repetidoras de filmes produzidos nos Estados Unidos.
Na
ilustração o poder do Grupo Clarín (fonte:http://mediosycomunicaciondeaca.wordpress.com/mapa-de-medios-en-argentina/)
Papel prensa
Uma das
iniciativas mais recentes do governo de Cristina Kirchner foi a de encaminhar
solução para o escabroso escândalo em torno da indústria de papel para jornal:
“Papel Prensa”.
A lei que
criou a empresa é de 1969, promulgada por Onganía. Inaugurada em 1971,
funcionou até 1975, sob o controle do banqueiro David Graiver (1941-1976). Em
1976, após a morte de Graiver, o governo militar obrigou a viúva a vender as
ações para as empresas proprietárias dos jornais Clarín, La Nación y La Razón
reservando uma parte para o Estado. Foi um escândalo na época. Com
anterioridade a mídia havia desencadeado uma campanha de demonização de
Graiver, com denúncias de que estaria envolvido com as guerrilhas montoneras.
Quando da venda forçada das ações foram adquiridas por US$ 7 milhões.
Graiver
possuía dois bancos na Argentina e em Nova York, um em Bruxelas e outro em Tel
Aviv, além de numerosas empresas espalhadas pelo mundo. Serviu ao governo de
Lanusse e depois ao de Cámpora. Com os judeus José Klein, no Chile o Edmond
Safra no Brasil formava o tripé da “banca judia” na América. Ajudou
substancialmente a Hector Timerman, editor de La Opinión e da La Tarde.
Opinión, lançado em 1971, foi um dos mais importantes jornais do continente à
época, abrigando jornalistas e intelectuais de projeção, cobrindo honestamente
os fatos que conturbavam nossa América, até que foi expropriado pela ditadura
em 1977. Essa mesma ditadura prendeu e torturou Timerman mantendo-o
desaparecido até 1980, quando por pressão internacional deixaram-no livre para
asilar-se em Israel.
A relação da
família Graiver com os Montoneros começa em 1972 quando teve que pagar 200
milhões de pesos para que libertassem Isidoro, o filho mais jovem sequestrado.
Acusado de ser gerente financeiro dos Montoneros, Graiver passou a residir com
sua esposa, Lidia Papaleo de Graiver e filha Maria Sol em Nova York em 1974 e
morreu no México em agosto de 1976 numa queda de avião de causa nunca
esclarecida. Após sua morte, sua família foi presa e torturada pelos militares
que ocupavam o poder e forçada a vender a empresa.
Desde então
corre processo na Justiça argentina contestando não só o valor, mas o como foi
feita a transação. Já no ano seguinte, 1977, a empresa estava sob intervenção.
Mas, os governos e a própria justiça negligenciaram permitindo que o Grupo
Clarín ficasse com o controle de fato da empresa e adquirisse papel de imprensa
58% mais barato que o valor de venda para os demais veículos.
Diante das
pressões dos minoritários e das denúncias de uso abusivo em 2001, foi feito um
novo acordo com os acionistas. Essa confusão se alastrou até 2010 quando em
agosto o governo de Cristina decide por uma nova intervenção para que se esclareçam
as denúncias e se resolva as querelas entre os acionistas. Em 2011, a Unidade
Fiscal Federal (Tribunal de Justiça) de La Plata qualificou como crime de lesa
humanidade os fatos que envolveram a transferência de ações de Papel Prensa
entre 1076 e 1977. Osvaldo Papaleo lembra que Clarín comprou a empresa com a
família Graiver sequestrada.
Toda essa
história flagrada de fraudes, mentiras e golpes baixos, envolvendo personagens
de obscura trajetória, de conluios com as ditaduras, parece ter chegado a um
desfecho quando no início de 2012 Cristina autoriza desapropriar a empresa. Tal
medida desperta o ódio e o medo das oligarquias midiáticas continentais que,
vendo o exemplo vizinho temem ver contestadas também suas relações espúrias com
a ditadura militar. O fato é que casos como o da Folha, acusada de ter
emprestado carros para que policiais prendessem militantes da esquerda, e do
Globo, que expandiu seu poderio nos anos de chumbo, não foram exceções entre os
barões da mídia. Foram a regra. Dos que não têm limites. Dos que não querem
regras.
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