Artigo do renomado jornalista Paulo
Cannabrava Filho disseca a essência da entidade dos barões da mídia
Neste texto, o renomado jornalista
autor de “No olho do furacão” e veterano combatente dos “Cadernos do Terceiro
Mundo” faz uma análise onde disseca a essência da SIP como porta-voz da
“informação privada” e reitera a importância da democratização da comunicação e
da efetivação de um novo marco regulatório para o setor. “Neste sentido creio
que é muito importante reforçar a campanha ‘Para expressar a liberdade – uma
nova lei para um novo tempo’, desenvolvida pelos movimentos pela democratização
da comunicação. Afinal, cabe ao estado a implementação de políticas públicas
que assegurem este direito humano”, sublinha o editor da Diálogos do Sul. http://www.dialogosdosul.org.br/
Boa leitura
SIP: Sociedade da Informação Privada
Paulo Cannabrava Filho
A Sociedade Interamericana de Imprensa,
SIP (ou Sociedad Interamericana de Prensa, em espanhol), é uma entidade
internacional de proprietários e editores de jornais e revistas. Foi idealizada
em 1926 durante o Congresso Panamericano de Imprensa, formada majoritariamente
por proprietários de jornais, alguns jornalistas. Consolidou-se em Havana,
ainda na Cuba de Batista, em 1943. A partir de 1945 os proprietários
estadunidenses assumiram o controle e impuseram, em 1950, o voto por jornal em
lugar do voto por país. Desde então os Estados Unidos, com a maioria dos votos,
detêm a hegemonia na direção da entidade. Já em 1960 tinham 559 membros contra
199 da América Latina.
O jornalista, escritor e poeta
venezuelano Miguel Otero Silva (1908-1985), fundador do El Nacional de Caracas,
jornal que dirigiu por longos anos, referindo-se à SIP, da qual participara da
refundação nos anos 1940, dizia: "Os jornalistas latino-americanos devem
chegar à conclusão de que a SIP já não tem nenhuma relação com eles. E devem em
consequência, trabalhar pela celebração de um verdadeiro congresso continental
de jornalista, inspirado nas normas que deram lugar à criação de nossa antiga e
hoje adulterada sociedade." Otero fazia parte de uma categoria de
jornalistas e editores em extinção.
Os integrantes da SIP confundem os
conceitos de liberdade de expressão com os de livre empresa no marco do
liberalismo econômico. A posição é das mais inconsistentes, pois o liberalismo
econômico levou à ditadura do capital financeiro transnacional sobre a economia
mundial de tal forma que, até mesmo o conceito de livre empresa tende a
desaparecer diante da voracidade dos monopólios.
No campo do Direito, a comunidade
internacional recomenda que os conceitos de liberdade de expressão devem
considerar os problemas relativos ao acesso e à participação da população no
processo de comunicação. Tanto no plano nacional como no internacional, o
critério de livre fluxo da informação tem que dar lugar ao de uma circulação
mais equilibrada da informação, que rompa com o isolamento a que estão
relegadas as nações mais pobres.
O Direito precisa ser revisto. Vivemos
outros tempos em que novas classes emergiram e não podem continuar à margem do
sistema jurídico. Direito não pode ser encarado como nos tempos coloniais que
servia unicamente aos interesses da classe dominante. A ciência jurídica tem
que se adequar à nova realidade, recolhendo a contribuição da evolução do
pensamento da humanidade nos aspectos da cultura e da filosofia, da política e
da ideologia. Deve contemplar o direito das grandes maiorias excluídas
socialmente.
Os fóruns e organismos especializados
da comunidade internacional, desde a segunda metade dos anos 1960, estão
discutindo e sistematizando os novos conceitos sobre o direito à informação,
considerando o direito de acesso e o de participação como partes intrínsecas do
direito de comunicação. E há que considerar também que não basta ser informado.
É preciso compreender a informação recebida, o que torna a situação muito mais
complexa.
IDEIAS VELHAS EM UM TEMPO NOVO
Em 2008 a assembleia geral da SIP,
realizada em Madri, elegeu presidente o colombiano Enrique Santos, do diário El
Tiempo. Suas primeiras declarações foram de condenação aos governos de Chávez,
da Venezuela e Evo Morales, da Bolívia, acusando-os de atentarem contra a
liberdade de expressão. O interessante é que nesses dois países, à época, só
havia jornais de oposição. Até hoje, em qualquer banca de jornal de Caracas
eles existem em profusão. É tamanha a liberdade que se desfruta na Venezuela
que o ex-presidente estadunidense Jimmy Carter teve que admitir que ali o
processo é realmente democrático.
Em 2012, na 68ª Assembleia da SIP,
realizada em São Paulo, voltou a reunir-se a nata das oligarquias midiáticas
latino-americanas e do Caribe com os empresários estadunidenses. Estes, apesar
de hegemônicos, já não se preocupam com impor a linha como faziam até há pouco
tempo. Atuam, algumas vezes, até mesmo como moderadores do ímpeto conservador e
reacionário de nossas oligarquias detentoras de meios.
Nos EUA, como aqui, os meios fazem
parte do sistema de dominação e, mesmo assim, lá estão sujeitos a regulações e
dão espaço a um jornalismo de reportagens e juízos críticos de profissionais
afetos à ética. A propriedade cruzada nas grandes corporações midiáticas ainda
é proibida naquele país.
Na Nossa América a mídia oligarca
filiada à SIP é uníssona. Salvo a ligeira diferença idiomática entre o espanhol
e o português os jornais parecem feitos pela mesma pessoa, exatamente como é
aqui.
No temário da reunião da SIP havia
assuntos de real importância e que foram tratados por especialistas de renome.
Houve uma boa discussão sobre os modelos a serem seguidos pelos meios,
particularmente os jornais, diante do avanço irrefreável das TIC (Tecnologia da
Informação e Comunicação).
A questão dos pagamentos de direitos
autorais no universo digital foi outro tema de importância, apesar de que essa
preocupação não favorece os autores de fato. Isso porque tem sido praxe na
Nossa América a apropriação e distribuição remunerada de matérias pelas
empresas sem contemplar os autores. Outra prática lesiva tem sido forçar os
profissionais a escrever para vários meios, diferentes pessoas jurídicas, e ser
remunerado por apenas uma delas. Não remuneram os autores pelas matérias que
vendem.
Coniventes a séculos com o modelo de
desenvolvimento predatório, os proprietários se mostraram preocupados com a
busca de sustentabilidade na comunicação. Certamente não aprofundaram no tema
da comunicação para a sustentabilidade, pois atingir tal objetivo no
capitalismo predador que eles defendem é simplesmente impossível.
Mostraram-se também preocupados com a
violência contra jornalistas no exercício da profissão. Estavam bem informados.
Disseram que neste conturbado período que atravessamos 30 jornalistas foram
assassinados no hemisfério, oito dos quais no Brasil. Ninguém apontou as causas
reais geradoras da violência. Ficaram no de sempre: tráfico, mandantes, etc.
Para debater sobre Liberdade de
expressão e direito à informação, não poderiam ter escolhido nada melhor,
realmente. Conhecendo-os não é preciso ouvi-los para saber o que dizem. São
todos eles marteladores de uma nota só, servos intelectuais do Império:
Fernando Henrique Cardoso, o D. João VI redivivo para entregar o país à voragem
do Império; Roberto Civita, o dono do Grupo Abril. Quem um dia já leu Veja e
tem o sentido da ética sabe que os Civita não têm moral para arguir sobre
liberdade de expressão, direito à informação ou mesmo critérios éticos no
jornalismo.
Outra figura expressiva presente nesse
debate confirma a intenção dos organizadores. Alan García, dirigente da Apra
peruana, chegou à Presidência da República, associou-se ao "Consenso de
Washington" e deixou o país em frangalhos e as Forças Armadas sob controle
dos EUA. García na sua juventude pertencia às hordas fascistas da Apra (Aliança
Popular Revolucionária Americana) que saiam às ruas depredando e queimando o
que lhes parecia adversário político.
PRESIDENTES E SUBSERVIÊNCIA
O novo presidente da SIP é o
equatoriano Jaime Mantilla, proprietário do diário Hoy. Não é por mero acaso
que nomeiam um oligarca do Equador, país em que um governo em obediência à
Constituição está promulgando leis que regulamentam os meios de comunicação.
Não por coincidência, quando Salvador Allende assumiu a presidência do Chile,
assumiu o comando da SIP Agustin Edward, o chefe do clã dono do Mercúrio o
grande jornal nacional chileno e, a partir de 1973, assumiu a direção outro
chileno, Raul Silva Espejo, diretor do também Mercúrio. Edwards recebeu algo em
torno de 100 milhões de dólares (valores atualizados) para comandar a campanha
midiática contra o governo da Unidade Popular.
Às críticas da SIP, o presidente
equatoriano Rafael Correa responde que são a mesma coisa que uma associação
comercial, pois representam os donos das empresas, representantes das
oligarquias herdadas dos tempos coloniais que nunca se preocuparam com os reais
problemas da população, com um poder real que nunca foi limitado ou mesmo
contestado.
Além do presidente de turno, hoje o
equatoriano, a SIP mantém um presidente eterno (vitalício), o estadunidense
Scott C. Schrz, do Herald Times.
Como novo diretor secretário está
Bartolomé Mitre, proprietário de La Nación de Buenos Aires que junto com
Ernestina Herrera de Noble, proprietária do Clarín, perdeu o controle que
exerciam sobre a fabricação e comercialização de papel para imprensa. O Clarín
de Buenos Aires, de jornal diário passou a ser um dos maiores conglomerados
midiáticos do continente, perdendo só para o Grupo Globo. Ambas empresas
familiares que cresceram à sombra das ditaduras que assolaram tanto a Argentina
como o Brasil.
Além disso, se declararam em guerra
contra o governo de Cristina Kirchner por estar impondo regras constitucionais
aos meios, como por exemplo, o fim da propriedade cruzada das grandes
corporações.
SOMBRA CONTRA AS LUZES
Ignácio Ramonet [1] aponta que se deve
apostar em um jornalismo de luzes para dissipar as sombras da atualidade. Como?
Na França nem o Le Monde, considerado por décadas o baluarte da livre
expressão, escapou dos monopólios. De empresa administrada por seus
trabalhadores em cooperativa passou às mãos do grupo Hachette.
O grupo Mondatori, do italiano
Berlusconi, após joint venture com a Randon House, do grupo alemão
Bertelsmann AG, passou a ser o maior truste editorial europeu. Berlusconi já
havia se apropriado das principais editoras italianas, inclusive as mais
tradicionais como Feltrinelli e Einaudi e agora avança sobre as principais
editoras na Europa. Na Espanha já possui o El Mundo e quinze casas editoriais,
através das quais conquista os países da América Latina. Adquiriu as melhores
casas, como Grijalbo e Plaza & Janes com sedes no México e na Espanha; a
Sudamericana na Argentina.
Seguindo a lógica do mercado, o que
interessa para essas editoras são obras e autores que vendem, geralmente ficção
e autoajuda, reduzindo o já parco espaço para as obras de reflexão sobre a
realidade no campo da história, da sociologia, da filosofia.
Não há uma política voltada a proteger
a produção editorial, privilegiando o autor nacional, resguardando os direitos
autorais. As poucas bibliotecas que temos não têm recursos para oferecer um
acervo atualizado para a população e temos poucas editoras que se preocupam com
as obras de reflexão
Na Itália, Berlusconi domina as rádios,
televisões e jornais expandindo-se para Europa e outras plagas. Já é um dos
maiores grupos de mídia no planeta.
A Espanha também está globalizando suas
grandes empresas editoriais. Além da Telefônica, que atua em telefonia e
televisão, a Editorial Planeta já possui empresas no Brasil, Chile, Colômbia,
Equador, México, Peru, Uruguai, Venezuela e nos Estados Unidos. A Planeta
continua comprando na América Latina, não só na área de livros mas também de
mídia. Na Colômbia por exemplo, além do diário El Tiempo, de maior tiragem e de
sustentação do clã Uribe, possui mais três jornais e uma rede de televisão.
Recentemente a revista inglesa Economist festejou o relançamento do jornal El
Espectador por uma família oligarca, considerando que um pouco de diversidade
fará bem à democracia colombiana, já que todos os demais meios estavam sob
controle de Uribe.
A Opus Dei tem 600 diários, 50
emissoras de rádio e TV e 12 agências informativas.
Na Grã Bretanha, o magnata australiano
Rupert Murdoch, que não cessa de comprar meios na Europa e Estados Unidos, em
depoimento ao Parlamento britânico admitiu que dita as linhas editoriais dos
jornais The Sun, de maior tiragem na Inglaterra, e News of the World, além de
nomear a direção no The Times e Sunday Times. Nos primeiros casos admitiu que
instruiu os jornais a apoiar as iniciativas de George Bush, inclusive a invasão
ao Iraque. Em julho de 2008, trocou a direção do diário Washington Post [2]
para garantir mais fidelidade, certamente.
LUZES CONTRA A SOMBRA
Na América Latina, de maneira geral,
historicamente os grandes jornais e revistas, emissoras de rádio e televisão,
pertencem a famílias ou oligarquias que defendem exclusivamente seus
interesses, por sua vez subordinados aos interesses do capital transnacional.
Mas aqui também a oligopolização e concentração virou regra. E aqui vale tudo.
As megacorporações controlam redes nacionais de jornais, revistas, televisão,
internet, propriedade cruzada que até nos EUA é proibida.
A propriedade cruzada — ou seja, o
controle de mais de uma plataforma de âmbito nacional, tais como, TV, rádio,
jornais e agências de notícias — proibida nos EUA, aqui se transformou em
atração para o grande capital.
Além da Globo, cresceram à sombra
protetora da ditadura os conglomerados Folha de São Paulo/UOL/Abril em São
Paulo, o grupo Zero Hora no Rio Grande do Sul. Quando se percebe o dano que
esses monopólios causam à Nação, bem como se constata a importância de sistemas
informativos integrados regionalmente, fica difícil entender a posição do
governo brasileiro, sempre favorecendo interesses da SIP, mesmo quando
contrários aos interesses nacionais. Esperamos que a ausência da presidenta
Dilma na última reunião dos donos da mídia continental seja uma sinalização de
que a "ficha caiu" e reforce a decisão de investir num sólido sistema
de comunicação e informação nacional – a exemplo do que já ocorre
simultaneamente em vários países – e não apenas integre como fortaleça um ágil
e eficiente sistema regional. No caso específico do Brasil, já passou a hora de
o governo – como bem demonstra toda a parafernália midiática em torno do
julgamento do chamado "mensalão" — regulamentar os dispositivos
constitucionais que enfrentam os monopólios e oligopólios de mídia e garantem a
complementaridade dos sistemas público, privado e estatal, para ampliar o
número de vozes. Neste sentido creio que é muito importante reforçar a campanha
"Para expressar a liberdade – uma nova lei para um novo tempo",
desenvolvida pelos movimentos pela democratização da comunicação. Afinal, cabe
ao estado a implementação de políticas públicas que assegurem este direito
humano.
[1] Ignacio Ramonet, jornalista espanhol,
diretor do hebdomadário Le Monde Diplomatic, edição em castelhano que agora
circula em português no Brasil onde mantém também uma versão na internet.
Integra o comitê organizador do Fórum Social Mundial.
[2] Katharine Weymouth, a nova Publisher,
logo depois de tomar posse contratou o executivo Marcus Brauchli para substituir
na direção editorial o prêmio Pulitzer Leonard Downie Jr que estava há 17 anos
no cargo
.
* Da revista Diálogos do Sul, Paulo
Cannabrava Filho trabalhou em grandes meios de comunicação no Brasil e em
países da América Latina, entre os quais Última Hora, de São Paulo, o Correio
da Manhã, do Rio de Janeiro e Expresso de Lima, Peru. Foi correspondente da
Prensa Latina e da France Press na América Latina e diretor regional da
Interpress Service. Coordenou importantes projetos de comunicação no Brasil, Bolívia,
Peru, México, Nicarágua e para a Organização dos Estados Americanos. No Panamá
coordenou a comunicação da Comissão de Negociação com os Estados Unidos que
resultou no Tratado que devolveu a soberania panamenha sobre a Zona do Canal.
Integrou a equipe dos Cadernos do Terceiro Mundo desde sua fundação em 1975 até
a última edição em 2005. É autor de vários livros e ensaios sobre conjuntura
latino-americana e mundial, com edições na Europa e América Latina.
Publicado originalmente no jornal Hora
do Povo WWW.horadopovo.com.br
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