Pensatempo: Honduras importa 70% dos alimentos que consome e possui 59% das crianças com desnutrição crônica

sábado, 19 de outubro de 2013

Honduras importa 70% dos alimentos que consome e possui 59% das crianças com desnutrição crônica

Líder da Via Campesina, Rafael Alegria destaca importância da vitória do Partido Livre para virar a página da exclusão

Leonardo Wexell Severo, de Honduras

Rafael Alegria no encontro camponês em Tegucigalpa
Dos 8,5 milhões de hondurenhos, 4,6 milhões padecem de fome, vivendo em extrema pobreza em um país rico em recursos naturais e potencialidades. A situação tem se agravado ano a ano com a submissão do governo à cartilha recessiva e de desmonte do Estado. Hoje Honduras importa 70% dos alimentos que consome e possui 59% das suas crianças com desnutrição crônica. Conforme o coordenador da Via Campesina, Rafael Alegria, dirigente histórico dos trabalhadores rurais da América Central, crescem as expectativas de que a vitória da presidenta Xiomara de Castro Zelaya, do Partido Livre (Liberdade e Refundação) vire o jogo, deixando para trás o passado de servilismo aos interesses da oligarquia e das transnacionais. Na avaliação de Alegria, a hora é de superar a lógica neoliberal, que se aprofundou após a deposição do presidente Manuel Zelaya por um golpe de Estado patrocinado pelo governo estadunidense em junho de 2009.

A luta pela reforma agrária é pela justiça social para o campo e para a cidade.

É uma luta longa. São mais de 55 anos da primeira lei de reforma agrária em nosso país. Hoje continuamos nesta batalha, agravada pelas políticas neoliberais dos anos 90. Políticas que detiveram o processo de reforma agrária e liquidaram o acesso à terra, privatizaram toda a assistência técnica, o sistema financeiro, a comercialização e iniciou um processo brutal de concentração, de acumulação da terra mais produtiva de Honduras nas mãos do capital privado nacional e internacional, empurrando os camponeses de suas pequenas parcelas de terras e esquecendo-se deles até os dias de hoje.

Qual foi o resultado político, social e econômico desta política pró-latifúndio?

Isso teve sérias consequências em todos os âmbitos. O mais grave é a pobreza extrema. Dos quatro milhões de camponeses hondurenhos, mais de dois milhões e meio encontram-se jogados na extrema pobreza. É uma situação lamentável em que 59% das nossas crianças sofrem de desnutrição crônica. As mulheres estão expulsas e perseguidas por lutarem pela terra e os jovens são obrigados a sair do campo porque não encontram possibilidade de trabalho. Enquanto vivemos esta situação bastante difícil, sem salário, sem emprego e sem direitos, importamos 70% dos alimentos que consumimos dos Estados Unidos e do Canadá. Toda esta situação ainda é agravada pela criminalização da luta camponesa.

Um processo rumo ao fundo do poço que foi aprofundado após o golpe de estado de 2009 contra o presidente Manuel Zelaya.

Leonardo Severo com Rafael Alegria. Foto: Caio Plessmann
Exatamente. Quatro mil camponeses passaram pelas prisões neste governo de Porfírio Lobo. Mulheres e homens que estão lutando pela terra, pelos seus direitos e de suas famílias. É uma situação dramática. Por isso realizamos um Fórum no Dia Mundial da Alimentação, decretado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Em Honduras, nosso alerta é de que mais do que falta de alimento, estamos vendo a nossa população padecendo na pobreza extrema. Por isso nos manifestamos e organizamos uma feira para fazer a disputa também no campo das ideias, incentivando o consumo dos nossos alimentos do campo, porque hoje predomina a cultura da comida “chatarra”, da comida rápida.

Qual a sua avaliação sobre a unidade que começa a ser construída entre os movimentos dos trabalhadores da cidade e do campo?

Considero a unidade desses movimentos fundamental para garantirmos avanços nas condições de vida e trabalho para todos e todas. Ainda que o modelo neoliberal tenha golpeado fortemente as organizações ao ponto de quase tê-las feito desaparecer, nos articulamos em processos unitários e criamos estruturas como a Via Campesina que reúne seis entidades, fortalecendo e ampliando a luta pela transformação agrária. Com essa construção coletiva temos a esperança de que estarão dadas as condições para fazer profundas transformações e superar o modelo neoliberal com o novo governo, a partir da vitória do Partido Liberdade e Refundação (Livre). Porque em Honduras temos um problema de modelo, de sistema, que abandonou os camponeses. Para este modelo, o trabalhador não existe. Nossa proposta é refundar o campo com soberania alimentar, com sistema de financiamento, com crédito agrícola, com assistência técnica, onde as mulheres, jovens e indígenas tenham respeitado o seu direito fundamental à alimentação, tenham acesso à produção, à geração de emprego e renda. Esta é a nossa luta. 


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