Remessas de lucros das
filiais de multinacionais para suas matrizes aumentam 222%
Carlos Lopes, no jornal Hora do Povo

O fator que mais chama a
atenção entre os componentes desse resultado é o aumento, no primeiro bimestre,
de 221,78% nas remessas, oficialmente declaradas, de lucros e dividendos das
filiais de multinacionais para suas matrizes, em relação ao mesmo período do
ano passado – e, também, um aumento de 103,82% nos envios de ganhos
especulativos para o exterior (cf. BC, Nota econômico-financeira sobre o setor
externo, 22/03/2013, “Quadro VI – Rendas”, linhas 22 e 31).
Nem a mais do que duvidosa
“solidez” propugnada pelo sr. Mantega para as contas externas - que consiste, a
la Gustavo Franco, em cobrir o rombo com “investimento direto estrangeiro”
(IDE), ou seja, com a venda de empresas nacionais a fundos externos e
multinacionais – conseguiu se manter, diante do tamanho desse rombo. Aliás,
desde novembro, o IDE deixou de cobrir o déficit: em quatro meses, recorreu-se
a US$ 15,213 bilhões de dinheiro meramente especulativo para fechar as contas externas
(cf. Nota cit. “Quadro XXV – Saldo de transações correntes e necessidade de
financiamento externo”).
Mantida essa política,
qualquer balançada especulativa torna-se um tremendo problema para o país,
principalmente quando as incensadas reservas (US$ 373,742 bilhões) são apenas
pouco mais da metade do estoque de dinheiro especulativo estrangeiro (US$
640,410 bilhões) dentro do país (cf., Nota cit., “Quadro XLVI – Reservas
internacionais” e “Quadro LX-A – Posição internacional de investimento”).
Parece uma situação
bastante ruim, e, com efeito, é uma situação bastante ruim. No entanto, para
que evitemos pânicos e histerias desnecessárias, que em nada ajudam o país nem
o governo, basta corrigir a política atual. Porém, quais foram os elementos
dessa política que conduziram à situação atual?
A ideia (se é que podemos
assim chamá-la, pois, a rigor, trata-se de uma ilusão ou quase alucinação) de
que a força motriz do crescimento não é, como sempre foi em nossa História, o
investimento público, e sim o “investimento estrangeiro”, conduziu a essa
situação.
Não é demais lembrar que,
quando Lula colocou, com o PAC, o crescimento como principal objetivo de seu
governo, abandonou as expectativas do sr. Mantega no “investimento
estrangeiro”, e aumentou o investimento público.
No entanto, talvez devido
a uma qualidade da presidente Dilma – a confiança nas pessoas – ele sentiu-se
solto para voltar à sua política de favorecer bancos, fundos e monopólios
estrangeiros.
Resumindo, era - e é - a
política de desconfiar do Brasil, da capacidade de nossos trabalhadores e
empresários. Veja-se a declaração recente de Mantega no Senado:
“... a vantagem no Brasil
[quando há uma crise no mundo] é que existe um mercado interno que consegue
absorver uma parte das exportações do nosso setor manufatureiro.”
Logo, a função do mercado
interno é complementar o mercado externo, e não o contrário. Ou, traduzindo-se
de outra forma, não resta mais ao país senão o papel de entreposto colonial.
Pois é o que significa
desnacionalizar a economia, incentivar, através de mecanismos cambiais e
financeiros, a venda em massa de empresas nacionais para alguns fundos externos
e multinacionais.
A consequência é
especialmente sensível nas contas externas, com o aumento das remessas para o
exterior e aumento das importações – o Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior (MDIC) admite que 40% do comércio exterior do país é
“intrafirma”, ou seja, entre a matriz de uma multinacional e sua filial no
Brasil (o comércio entre filiais, segundo a Receita Federal, é insignificante).
Porém, o número do MDIC é
bem inferior àquele apurado pelo professor Reinaldo Gonçalves, do Instituto de
Economia da UFRJ, num estudo publicado em 2011, segundo o qual, 3/5 (ou seja,
60%) do comércio exterior do país é “intrafirma” - para 2005: 61,1% das
exportações e 55,7% das importações foram “intrafirma” (cf. Reinaldo Gonçalves,
“Impacto do investimento estrangeiro direto sobre renda, emprego, finanças
públicas e balanço de pagamentos”, TD 43, CEPAL-IPEA, 2011, págs. 28, 45 e 46).
Em outras palavras: as
multinacionais estão determinando, no fundamental, as nossas importações, assim
como, no essencial, as exportações – a própria concentração destas em produtos
primários é definida pelo domínio das multinacionais sobre a economia.
Daí que o autor do estudo
considere, quanto às contas externas, que “... o padrão de comportamento das
ETs [empresas transnacionais] corresponde ao padrão do conjunto da economia
brasileira. (...) [o aumento do IDE] implica crescente cessão de direitos que
se expressa na remessa de lucros e no pagamento de juros. O pagamento de juros
depende do valor do estoque dos empréstimos intercompanhias, de suas taxas de
juros e das taxas de juros domésticas quando os recursos de IDE (investimento
ou empréstimos) são usados para aplicações financeiras no país (muito
provavelmente, com grande concentração em títulos públicos). As remessas de
lucros, por seu turno, dependem do valor do estoque de IDE”, etc. (op. cit.,
pág. 29).
A outra consequência dessa
política de restrição ao investimento público e favorecimento ao capital
externo é, simplesmente, a estagnação, a paralisia econômica, a derrubada do
crescimento. Resumindo:
1) Sem investimento público - ou com este, e os
gastos e financiamentos públicos, submetido às amarras da área econômica - é
impossível ao investimento privado nacional deslanchar; quanto menor é o
investimento público, mais frágeis, e à mercê do dinheiro externo, se tornam as
empresas nacionais.
2) O abocanhamento de
empresas nacionais produz, necessariamente, a desindustrialização do país, pois
inúmeros elos da cadeia produtiva interna deixam de existir, substituídos pelas
importações das multinacionais.
3) A taxa de investimento
cai, inevitavelmente, pela desnacionalização – filiais de multinacionais não
existem principalmente para investir, mas para remeter lucros para a matriz (a
desnacionalização da produção do etanol é mais do que esclarecedora). Aqui, há
um fato importante: em 2003, tínhamos a 145ª taxa de investimento do mundo; com
os esforços do governo Lula, em 2010 nossa taxa de investimento era a 105ª do
mundo – ou seja, apesar desse lugar não ser invejável, superamos 40 países em
sete anos. Porém, em 2011 passamos para 107º e em 2012 para 108º país em taxa
de investimento.
4) Como consequência da
redução de peso da indústria na economia, cai o crescimento, pois a indústria é
o setor dinâmico da economia, aquele que permite a esta crescer
sustentadamente.
5) Ao mesmo tempo, as remessas de lucros
aumentam com a desnacionalização, acompanhadas pelo aumento das importações.
Em suma, aqui, a
manietação dos investimentos públicos está a serviço, diretamente, da
desnacionalização – e, obviamente, da desindustrialização. Talvez seja justo
dizer que, em determinado momento, num país dependente – isto é, explorado
desde fora – a crise nas contas externas pode tornar-se o principal sintoma de
uma economia estagnada ou em retrocesso. Mas a recíproca pode ser verdadeira.
No entanto, ainda é
possível evitar que tenhamos de mudar sob o látego de uma crise. Apesar dos
esforços do sr. Mantega para importar a crise dos EUA e da Europa, temos, ainda,
condição de reverter o caminho. Contanto que alguns delirantes – ou,
simplesmente, gente muito interessada – deixem de impor mais concessões e mais
privatizações, ou seja, mais desnacionalizações.
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