Ministra da Inclusão Econômica e Social, Doris Soliz Carrión explica as
razões da reeleição do presidente Rafael Correa
Leonardo Wexell Severo e Felipe Bianchi - ComunicaSul - direto de Quito
Os avanços do governo do presidente Rafael Correa e de sua Revolução
Cidadã saltam a olhos vistos, cobrindo a cegueira de agências internacionais de
desinformação que cultuam o velho e carcomido Estado neoliberal, já morto e
enterrado pelo Alianza País.
Nesta entrevista, a ministra da Inclusão Econômica e Social, Doris Soliz
Carrión esquadrinha as vitórias obtidas contra a miséria, a partir de um
compromisso com “o Bem-Viver, que é muito mais que crescimento econômico, é o
equilíbrio entre o bem-estar material e o desenvolvimento pleno da vida de
todos num horizonte de bem-comum”. Doriz denuncia a dolarização – uma bomba ainda a ser desarmada – como herança
deixada pelo neoliberalismo, que ceifou empregos, achatou salários e
desapareceu com poupanças, fazendo com que milhões de equatorianos tivessem de
abandonar o país à procura de trabalho. Firme, fala de mais-valia, de salários
dignos, de construção coletiva, de planificação, e descortina novos horizontes
para a integração latino-americana.
Ao colocar a vida antes da dívida e a soberania nacional acima dos
interesses estrangeiros, o movimento de Correa elegeu 90 dos 137 parlamentares
à Assembleia Nacional, colhendo, com o crescimento da confiança e da autoestima
dos equatorianos, os frutos de uma política de fortalecimento do papel do
Estado que acabou com as privatizações e terceirizações, alavancou os investimentos
públicos em infraestrutura e multiplicou
por cinco os recursos para as áreas sociais.
Em 2006, para cada dólar investido na área social o país destinava US$ 1,8
para o pagamento da dívida, reduzidos para 33 centavos de dólar em 2011.
Priorizando o investimento social, de 2006 a 2012 o Equador baixou em 12 pontos
percentuais o índice de pobreza, reduzindo a pobreza extrema pela primeira vez
a um dígito: 9,4%.
O país tornou-se referência mundial no atendimento a pessoas com
deficiência, os investimentos em educação foram multiplicados por oito;
duplicaram-se as vagas nas universidades públicas e gratuitas para indígenas e
afro-equatorianos; o número de bolsas para estudar no estrangeiro – e retornar
ao país, socializando os conhecimentos – foi multiplicado por 17; o acesso ao crédito educativo dobrou; o número
de pesquisadores nos institutos públicos triplicou. Após fechar a base militar
estadunidense de Manta, o governo de Rafael Correa está construindo a refinaria
do Pacífico, o maior projeto da história do país, que irá cobrir toda a demanda
nacional de combustíveis.
Frente à efervescência de um processo tão rico e vigoroso, a grande mídia
cala, como se fosse possível invisibilizar com um passe de mágica o êxito da
Revolução Cidadã. Como estamos falando do Equador, vale citar a ilusão
semelhante proporcionada pela escadaria da igreja da Companhia, localizada no
centro de Quito, próxima à Praça da Independência. Em meio à profusão do ouro
que estampa e reluz suas paredes, frente ao púlpito, olhamos para a imponente
porta da Igreja, ladeada por duas escadas. Ainda que muito semelhantes e belas,
apenas uma é efetivamente escada: a da esquerda. Embora se pareça muito, a da
direita não passa de uma ilusão de ótica. Não vai a lugar algum. É tão somente
uma pintura.
Boa leitura.
Ministra, de forma breve, contextualize o antes e o depois da Revolução
Cidadã.
É importante conhecer o processo para compararmos o antes e o
depois de 2006 e 2007. Naqueles anos o Equador havia tocado o fundo do poço com
a aplicação do modelo neoliberal, que privilegiou os interesses do sistema
financeiro e socializou as perdas da crise bancária com todo o seu povo.
Dolarizou-se a economia, gerando impactos desastrosos para a grande maioria dos
equatorianos, gerando o êxodo de milhões de pessoas como migrantes, que tiveram
de buscar condições de vida fora, já que o país não lhes oferecia esta
oportunidade.
Milhares de aposentados viram diminuir enormemente seus
benefícios pela dolarização e houve até gente que se suicidou porque perdeu
todos os seus depósitos nos bancos. Creio que a crise bancária colocou destampou
uma velha institucionalidade: a de que o Estado estava absoluta e cinicamente a
serviço de pequenos grupos de poder econômico e político.
De aí surgiu a tese defendida pelo jovem Ministro da Economia e
logo candidato a presidente, Rafael Correa, de que devíamos caminhar para uma
Constituinte com o objetivo de refundar o país. Correa visibilizou que não
havia condições do povo equatoriano fazer as transformações que necessitava
dentro de um marco da velha Constituição, pois ela privilegiava o modelo
neoliberal e estava claramente a serviço dos bancos. A lei era feita para eles,
para assegurar seus lucros. A Assembleia servia a eles e as entidades, como o
poder eleitoral, também. Tudo estava a serviço da “partidocracia”, termo que
foi cunhado para designar esse velho sistema de partidos que abarcava todo tipo
de interesses minoritários e particulares da sociedade, gerando a enorme
exclusão da grande maioria. Isso explica também o alto índice de pobreza que herdamos:
quase 40% de pobreza e 17% de pobreza extrema. Números que temos revertido nos
últimos seis anos.
Virando o jogo.
Em 2007 Correa não apresenta candidatos à Assembleia porque
dizia que, naquele parlamento, não havia sentido, pois sob essas regras do jogo
não se conseguiria realizar os avanços que o povo precisava. Assim, defendia,
vamos à Constituinte. Esta foi a tese central deste jovem movimento político
Alianza País, que agrupou o melhor dos movimentos sociais, da esquerda e de um
movimento cidadão totalmente inconformado com esse sistema.
Em 2008, 83% da população votou para que houvesse a Assembleia
Constituinte e este foi o nosso primeiro grande triunfo. Uma demonstração de
que nossas propostas estavam absolutamente sintonizadas com o anseio popular.
Construímos a nova Constituição, a qual precisamos dar a
importância estratégica que tem. Ela é uma rota de longo alento para construir
esse horizonte compartilhado, um novo consenso social. O país que queremos, com
outro modelo de desenvolvimento, se cunhou com um termo tão lindo, tão
sugestivo que vem dos povos indígenas: Bom Viver, (Buen Vivir) que é muito mais
que crescimento econômico: é o equilíbrio entre o bem-estar material e o
desenvolvimento pleno da vida de todos num horizonte de bem-comum. Logo depois
vamos ao segundo processo eleitoral, já com as novas regras do jogo, em 2009,
quando ganha também o presidente Correa.
Não tivemos neste momento uma assembleia 100% favorável,
majoritária, daí que tivemos de 2009 a 2013 problemas de obstrução, problemas
inclusive de lógicas conspirativas, como foi o 30 de setembro, onde um setor de
oposição da Assembleia se aliou aos policiais insurretos para por fim ao
processo de mudanças de forma totalmente antidemocrática, mas felizmente não
conseguiram.
Quero repetir: A força deste projeto é a força do apoio popular.
O apoio de um povo cada vez mais maduro, mais consciente, que vem passando do
desespero à esperança, da desconfiança à confiança em si mesmo. Acredito que
agem mal os que, desde fora, veem este processo, como estampam as notícias,
como obra de um grande caudilho. Rafael Correa é um líder excepcional, sem
dúvida. É um líder de uma esquerda moderna, que não só virou o tabuleiro da
direita, da velha política, como o da esquerda ortodoxa, tradicional, fazendo
uma proposta muito coerente com o que o povo aspira, mas também com um manejo
estratégico do Estado, da política social, da política econômica, das relações
internacionais.
Mudanças democráticas, dentro do marco constitucional.
Um dos êxitos da Revolução Cidadã é não sair da rota da
Constituição e, contra vento e maré, enfrentando todas as dificuldades,
materializar esse novo marco constitucional. Essa coerência é a capacidade de
cimentar com fatos o que temos proposto, concretizando tudo o que dizemos em
termos de políticas sociais: educação e saúde públicas, moradias sociais,
política para os migrantes. São ações que configuram uma aposta desde a área
social para gerar oportunidades. Esta é a chave para combater a pobreza. Não
são dádivas.
O “bônus do desenvolvimento humano”, por exemplo, é uma alavanca
para gerar oportunidade para o povo equatoriano, para as comunidades, para os
mais pobres. Além disso, há também um bom manejo econômico das relações
internacionais baseado na soberania. Havia uma série de maus augúrios quando o
presidente decidiu renegociar os contratos petroleiros. Se o petróleo
continuasse subindo de preço, o aumento do lucro seria para as empresas
estrangeiras.
O presidente reviu isso e passamos a utilizar contratos de prestação
de serviços, pelos quais pagamos o que temos de pagar pela exploração do
petróleo. Porém as altas e os benefícios adicionais devem ir todas para o povo
equatoriano. Diziam que não íamos conseguir isso, que todas as empresas
petrolíferas sairiam do país. Pois elas ficaram e agora temos uma relação mais
justa onde o grosso dos benefícios do petróleo está financiando a política
social. Este é um olhar histórico, panorâmico, que explicaria o resultado desta
nova eleição onde tivemos uma ratificação contundente desta confiança do povo
equatoriano em Rafael Correa, na proposta da Revolução Cidadã, e eu diria em si
mesmo. Porque para além das escolas, rodovias e hospitais, este é um
crescimento da autoestima e da confiança dos equatorianos, de que somos capazes
de dirigir o nosso próprio destino.
Houve uma enorme multiplicação dos investimentos do Estado,
particularmente nas áreas sociais. De que forma a luta política garantiu que
este seja mais do que o êxito de uma política de governo, mas de uma política
de Estado?
A própria Constituição estabelece prioridades para o Orçamento:
investimentos em saúde, educação, nos setores sociais - se destina 25% do
Orçamento a todas estas áreas. Mas, além disso, é um tema de políticas
públicas, de racionalização e bom investimento dos recursos do Estado. Antes de
2007, boa parte dos recursos do Estado era direcionada ao pagamento da dívida
externa. Este é um ponto muito importante. O presidente nomeou uma comissão de
auditoria da dívida externa que determinou o que, de alguma forma, sabíamos,
mas que nos deu muito mais certeza: a dívida estava praticamente paga e muito
desta dívida era ilegal e imoral.
Isso nos deu a base técnica e política para renegociar e para
comprar parte desta dívida e aliviar a carga orçamentária que tínhamos
comprometida.
O Equador foi pioneiro e sem medo nesta questão da auditoria.
Essa força moral tinha claro de que o primeiro que tínhamos de fazer era
colocar os recursos do país para saldar a dívida histórica com o nosso povo. E
temos investido nisso, incrementando em mais de 300% os investimentos em
educação.
As escolas do nosso país caiam aos pedaços. A chamada escola
pública e gratuita simplesmente não existia. Todos os pais de família tinham
que dar, no mínimo, a chamada “quota voluntária” de 20 dólares para a
matrícula. Logo, tinham que investir nos uniformes escolares, nos livros,
apostilas, e tudo era cobrado na escola pública. Para um lar pobre, com dois ou
três filhos, era impossível matricular os filhos, porque uma família que vive com
200 ou 300 dólares não podia assumir este tipo de gastos de mais de 100 dólares
mensais para a educação.
Havia um grande contingente de crianças fora da escola...
Havia muitíssimas crianças fora da escola. Hoje já cumprimos o
Objetivo do Milênio para a educação básica e universal, com equidade de gênero:
praticamente 100% dos meninos e meninas estão estudando. Mas garantir a
gratuidade e a qualidade da educação pública não é tão fácil. Para isso houve a
valorização e a dignificação da atividade docente. Antes os professores
ganhavam 300 dólares, quando muito. Hoje o
professor que recebe menos, aquele que recém ingressa na
carreira docente, ganha 700 dólares, recebe capacitação e é avaliado
periodicamente para assegurar a evolução do nível e da qualidade. Aprovamos na
Assembleia uma nova lei de educação, intercultural, que permite também
ganharmos em eficiência e excelência com a aplicação de todos os princípios da
educação pública.
Como são as Escolas do Milênio, um dos carros-chefes da
campanha.
Temos um modelo das escolas do milênio que o presidente iniciou
nas zonas de maior pobreza. São escolas com tecnologia de ponta, computadores e
internet, que podem ser vistas numa comunidade indígena ou num bairro
periférico de Guayaquil. É uma iniciativa com a qual começamos a pagar a dívida
histórica com os mais pobres. O país está sendo semeado de Escolas do Milênio,
de bons colégios públicos e já temos também cerca de 14% de crianças de lares
que receberam o bônus da pobreza, de lugares pobres, aprovadas nas melhores
universidades do país. Temos feito uma boa mudança na educação superior
conscientes de que apostar no talento humano, apostar na formação do povo
equatoriano é a chave para o desenvolvimento. Não temos como pensar o
desenvolvimento sem uma educação pública de qualidade, de excelência. Esta é
uma rota que está muito bem traçada.
O que também pode se comprovar na questão da saúde pública.
Sim, o mesmo acontece na saúde. Os hospitais caiam aos pedaços.
O enfermo que precisava ser hospitalizado tinha de levar a seringa, o gás e o
medicamento, porque a linha neoliberal era a privatização total da saúde, o que
excluía milhões de equatorianos do serviço de atenção pública. Junto com a
Seguridade Social, os hospitais do Ministério da Saúde são cada vez melhores.
Estamos também tapando os buracos históricos de um modelo
territorializado que começa com o nível básico. Recuperamos o conceito de
médico da família, com subcentros nos bairros para a medicina de atenção
primária, a medicina preventiva, além de hospitais especializados da mais alta
qualidade. Por isso alguns serviços públicos estão colapsados pelo crescimento
da procura, porque hoje as pessoas estão buscando o serviço público. Há
portanto uma recuperação significativa do público como sinônimo de qualidade,
como sinônimo do direito que temos cada um dos equatorianos a estes serviços.
Os 100 maiores êxitos da Revolução Cidadã foram sintetizados num
pequeno livro em que compara o antes e o depois do governo de Rafael Correa. O
que consideras mais importante?
Poderia citar nesta pequena síntese das 100 conquistas da nossa
revolução o investimento forte em moradias sociais, construímos mais de 200
mil, número que supera a todos os últimos governos juntos. Também para resolver
o déficit em infraestrutura, houve investimento junto aos governos locais em
água potável, saneamento, serviços básicos... E projetamos que o país possa
fechar as brechas para as necessidades básicas insatisfeitas até 2021, se
seguir mantendo este ritmo de investimento em políticas sociais, o que
significaria baixar em 20 pontos a pobreza.
Devemos ressaltar que a pobreza se mede por necessidades básicas
insatisfeitas, carência de moradias, serviços básicos, educação, saúde. A outra
forma de medir a pobreza é pelos salários. Esta é uma grande conquista que o
presidente sempre destaca com justa razão: não é que diminuímos a pobreza com
bônus ou medidas assistenciais, vamos diminuindo com redistribuição dos
recursos, diminuindo a desigualdade e gerando oportunidades, que é o que assegura
um país focado em políticas públicas voltadas ao bem comum e não para pequenos
grupos.
Houve uma arrasadora vitória do Alianza País no exterior, por
conta da política para os migrantes, setor historicamente marginalizado. Fale
um pouco sobre esta ação.
Um dos compromissos do presidente Rafael Correa foi reivindicar
os direitos de nossos milhões de compatriotas equatorianos que saíram quando
houve o êxodo econômico e tivemos a pior crise da nossa história, quando se deu
a sabotagem bancária, quando muitos perderam não somente seus empregos, mas
suas economias e qualquer perspectiva de vida num país tão mal governado por
elites corruptas que tudo lhes negava.
Iniciamos com a criação da Secretaria do Migrante que é um ente
especializado que vinculou todas estas comunidades. Temos uma longa migração
nos Estados Unidos e na Europa, e também na América Latina, na Venezuela e no
Chile. Nosso capital humano na área de saúde, médicos e enfermeiras foram para
o Chile e a Argentina, países que absorviam esta mão de obra qualificada,
porque o Equador lhes negava a possibilidade de uma vida digna.
Muitos jovens saiam e não regressavam. Então através da
secretaria do Migrante começamos a proteger seus direitos nos países em que
haviam migrado e propor um debate de alcance internacional: o mundo está
vivendo um momento de globalização e se debate seus prós e contras. Até agora
ela está muito marcada pelo capital, por servir aos interesses do capital
transnacional, voltada para os mercados, não é uma globalização que garante
direitos universais aos cidadãos, como a livre mobilidade.
Pelo contrário, nossas comunidades têm sido afetadas por
políticas migratórias adversas, em muitos casos nos Estados Unidos e Europa. E
nisso o presidente Correa também tem sido muito coerente: o Equador suprimiu as
visas dos estrangeiros. Somos o país da América Latina que mais refugiados
acolheu: particularmente colombianos, peruanos, e temos uma política dentro do
nosso país favorável a este conceito de ver a mobilidade humana como um direito
universal das pessoas. Isso tem nos permitido colocar esse debate nos círculos
internacionais.
Esta política de inclusão e de direitos aos migrantes tem dado
autoridade ao Equador para colocar o tema na agenda internacional.
Isso é certo: tem nos dado mais autoridade. Garantir a
seguridade social dos migrantes, que aqueles que contribuíram em outros países
- e temos um convênio com a Espanha – que sirva para que quando regressem esses
direitos sociais sejam reconhecidos aqui.
O direito a voltar com equipamentos básicos, o direito a voltar
com empreendimentos produtivos... Com o passar dos anos estruturamos uma
chancelaria que não é mais um conjunto de escritórios de relações
internacionais, muitas vezes burocratizada, mas bastante ligadas às pessoas, prestando
bom serviço, mantendo os migrantes bem próximos ao governo cidadão que
pretendemos ser. Isso nos dá muito respaldo na comunidade migrante. Além disso
temos negociado com os países de destino estas políticas mais favoráveis.
Como a crise internacional, particularmente na Europa, tem
afetado esta política?
No caso da Europa, a crise evidencia a falência de Estados que
permitem que as regras do jogo impostas pelo capital financeiro se sobreponham,
como é o caso da Espanha. Nossos migrantes que saíram fugindo precisamente
disso, hoje em dia dizem: vale a pena regressar. O país voltou a nos dar
esperança, há oportunidades para muitos empreendimentos em diversas áreas,
particularmente em economia popular e solidária. Este é um tema que trabalhamos
neste Ministério de Inclusão Econômica e Social: turismo comunitário,
gastronomia, serviços, estimulando os negócios dos equatorianos que regressam.
Mas há também uma recuperação do talento humano. Muitos jovens formados no
exterior, PhDs, cientistas e técnicos da mais alta qualidade estão voltando
porque creem no sonho equatoriano. Não é mais no sonho americano, como
dizíamos, o sonho que lhes seduz, mas voltar à Pátria que recuperou a dignidade
e as oportunidades, que queremos para todos.
A questão da migração é realmente dolorosa...
Não há um equatoriano que não tenha pelo menos um familiar no
exterior. Todos temos porque vimos esta sangria do talento humano, das nossas
famílias, quando a crise bancária foi tão impactante na economia, mas também na
credibilidade. Pensem vocês que credibilidade poderia ter partidos como o de
Mahuad, que haviam sido financiados pelos bancos, e que fizeram sua campanha
pelos bancos. Claro que quando estiveram no poder lhes devolveram esse favor
com a sabotagem bancária, que pagou as perdas dos banqueiros com os recursos de
todos os equatorianos. Esse foi o maior assalto do século. Isso nós nunca vamos
esquecer. Como resultado disso milhões de equatorianos buscaram outro destino.
Hoje é uma alegria ver milhares retornando, mas esta foi uma experiência muito
sentida.
O que estamos debatendo é totalmente invisibilizado pelas
agências internacionais. Essa discussão e o êxito dos programas sociais são
pauta na imprensa equatoriana?
Este é um tema muito importante e atual no mundo contemporâneo,
que é como os Estados modernos, enquanto representantes da sociedade e que
devem trabalhar pelo bem comum, encaram os grandes poderes, o poder do mercado,
o poder financeiro, mas também o poder midiático. Creio que em relação a isso a
proposta do presidente Correa é contundente e justa. Não é porque uma família
ou grupo de pessoas tenha adquirido a capacidade econômica de comprar um canal
ou um jornal que esta imprensa tenha o direito de colocar-se acima dos
mecanismos democráticos de eleição e incidir na política de um país. E esse é o
grande tema, a questão de fundo.
A mídia tem sido e é um poder muito importante, um poder oculto,
que não segue necessariamente as regras do jogo democrático e que, através de
seus canais de comunicação, acostumaram-se a impor as agendas políticas,
econômicas em nossos países. No caso do Equador, isso acabou. Tem muito poder
ainda, porém já não colocam e tiram presidentes, não demarcam a agenda do país,
não tem o grau de influência que tiveram no passado durante outros governos,
porque eram parte destas elites que governavam em nome da liberdade de
expressão.
O Equador tem uma história especial em relação a isso, pois não
tivemos meios públicos no início da formação dos nossos meios de comunicação,
como foi o caso da Argentina, onde o primeiro a surgir foram os meios públicos.
Nós tivemos basicamente meios privados e agora com o governo da
Revolução Cidadã é que os meios públicos ganham impulso. Pela primeira vez
temos um canal público, um jornal público, uma rádio pública, que fazem um
contraponto à manipulação da informação. Este ministério só tem boas notícias a
dar para o país, é o Ministério da Inclusão Social e Econômica, porém
desgraçadamente nos queixamos de que as boas notícias não são notícias para
esses meios.
Infelizmente ainda há um desequilíbrio em favor dos meios
privados que negam informações que seriam alentadoras para a sociedade
equatoriana, o que além de tudo é uma mesquinharia porque para além do governo
de plantão, necessitamos nos reconstruir enquanto sociedade e as coisas boas,
as conquistas, toda esta luta contra a pobreza na qual este Ministério é chave,
muitas vezes não encontram eco nos meios privados. Vantajosamente também há
várias outras formas de comunicação: investimos muito no diálogo social, direto
com os cidadãos, com os meios locais, o que nos permite que a cidadania conheça
diretamente a obra do governo. Este é um governo que se comunica diretamente
com as pessoas. Talvez esta condição de desequilíbrio com os grandes meios privados
nos tenha dado esta grande vantagem: nos levou pelos caminhos da verdadeira
comunicação alternativa com o nosso povo.
Nesta comunicação direta, qual o papel dos gabinetes
itinerantes?
Todos estamos em gabinetes itinerantes a cada três semanas. Há
muito trabalho desconcentrado nos territórios, o que faz com que os cidadãos
tenham canais de comunicação muito mais próximos aos ministérios, às
autoridades, que somos pessoas simples e a pé, como digo, porque somos outro
tipo de governo. Queremos ser um governo cidadão, honrar este nome, e sempre
estar muito próximos às pessoas. Assim a população sente que o governo não é
outra coisa senão a sua representação desde a política pública.
O presidente Correa tem dito muito claramente e creio que tem
razão: Há um Equador de antes e depois. Os equatorianos recebem todos os
sábados um informe do que se tem feito ao longo da semana. Isso é uma pedagogia
até o povo, onde o presidente explica grandes e complexas decisões econômicas
ou estratégicas de maneira bem simples nas três horas que dura o “Enlace
Ciudadano”. Fez isso desde o primeiro dia de governo e já estamos no 345º
Enlace. Todos os sábados conta o que faz, onde esteve, com quem se reuniu, o
que comeu, falando sobre as grandes decisões que tem de tomar. O mesmo fizemos
nós, ministros, em outro nível e as pessoas vivem a experiência de um governo
muito mais próximo.
Por isso, embora enfrentemos uma campanha muito pesada, de muita
desinformação, os avanços são evidentes e as pessoas se manifestaram com
absoluta nitidez. Poderiam ter se posicionado apenas em favor do presidente e
não da Assembleia, pois tentou se vender a ideia de que era necessário eleger
parlamentares da oposição para fazer um contrapeso, mas houve uma compreensão
de que precisamos uma Assembleia par respaldar os avanços, daí termos eleito a
grande maioria. Isso diz muito de como o povo está compreendendo este processo,
de quanto quer que ele seja irreversível. Assim estamos construindo um país
inclusivo, que representa a todos.
Como se dá a integração com os demais ministérios, o trabalho
conjunto?
Esta é uma mudança muito importante que o presidente vem
desenhando. Somos nove ministérios coordenadores, articulando a gestão
governamental em nove grandes campos. Somos um gabinete setorial, todos os
ministérios estamos agrupados: educação, saúde, crianças, migrantes,
trabalhadores, moradia e desenvolvimento urbano. Dentro de um conceito setorial
temos uma agenda comum que trabalha todas as inter-relações, como o combate à
pobreza, por exemplo.
Este não é um tema do bônus de desenvolvimento humano, é uma
alavanca para a equidade, para a construção de igualdade de oportunidades, o
que tem a ver com o acesso à educação básica desde o início da vida para romper
com as condições estruturais de pobreza. O acesso à saúde: as pessoas que
recebem o bônus têm duas obrigações de co-responsabilidade: matricular seus
filhos na escola pública e fazer, no mínimo, duas visitas a uma unidade de
saúde.
Então não é uma dádiva, é um direito com uma corresponsabilidade.
Desta forma o meu trabalho é muito imbricado com o do Ministério da Saúde e com
o da Educação, para ir acompanhando as famílias neste processo de erradicação
da pobreza das novas gerações. Acompanhando não só os jovens, as crianças, mas
todo o ciclo da vida: os adultos, os idosos, as pessoas portadores de
deficiência. Levantamos todos esses dados também para analisar como está o
direito à moradia e todo o trabalho das áreas sociais.
Ou
seja, os êxitos que estamos conseguindo, como o de que nos últimos seis anos um
milhão de equatorianos tenham saído da linha da pobreza, não é obra de um
ministério, mas de toda uma política social integrada. Da mesma forma, os
ministério de âmbito produtivo têm um conselho de produção, de política
econômica, de segurança, talento humano – que envolve educação básica,
superior, em centros de formação e qualificação.
Então
o presidente governa a gestão pública através de nove ministros coordenadores
de uma forte Secretaria de Planificação, que é uma outra grande mudança. Não há
apenas a programação da política pública, que era definida em termos de
atividades e investimentos, nosso Plano de Bem Viver se formula por objetivos,
quer dizer, não há apenas somente a planificação de cada ministério, mas a
coordenação dos objetivos governamentais aos quais cada um de nós aporta dentro
de uma lógica de trabalho integral e muito articulado.
Superamos
assim a dispersão que havia no velho estado neoliberal onde os ministérios eram
basicamente administradores ou programadores de ações sempre debilitadas. O
presidente tem muito orgulho deste desenho coletivo, de planificação integral,
de trabalho em equipe, porque realmente otimiza a política pública.
Como
está a questão da seguridade social?
Este
é um dos méritos do esforço do Equador: combater a pobreza fechando as brechas
da desigualdade. Aí entra a questão da geração de emprego digno. O presidente
chegou inclusive a defender que entre as perguntas da consulta popular
estivesse o fato de que fosse um delito penal o fato da não vinculação dos
trabalhadores à seguridade social. Porque aqui isso era negado por muitas
empresas.
Havia muitos empregados domésticos a quem seus
patrões simplesmente não pagavam a seguridade social, barrando o acesso a esse
direito básico. Graças ao apoio popular, que disse um sim rotundo na consulta,
agora esse é um delito penal e milhares de trabalhadores recuperaram esse
direito, contando com a proteção do seguro social. Foram gerados mais empregos,
mas dignos, em boas condições, não mais precários ou terceirizados. A
Constituinte nisso foi bastante radical: eliminou a terceirização. O presidente
tem uma filosofia bem clara, para nós vem primeiro o trabalho, depois o
capital. Para essa revolução o ser humano está em primeiro lugar.
O
Equador utiliza dois conceitos: o do salário mínimo e o do salário digno.
Explique o seu significado.
Esta
é outra mudança bem interessante. Antes as empresas declaravam sua mais-valia,
que era posteriormente repartida entre os trabalhadores. Entre as mudanças
normativas importantes está o de que nenhuma empresa redistribua essas
ganâncias sem antes haver assegurado um salário digno. Hoje o salário básico
está em em 329 dólares e o salário digno está em 351. Vamos chegando a este
salário com a repartição dos lucros, porque não é justo que acionistas,
empresários e trabalhadores recebam a participação nos lucros e resultados sem
antes garantir o salário digno. Estamos realmente orgulhosos de que o aparato
produtivo equatoriano vai melhorando a qualidade de vida das pessoas porém com
trabalho decente, com direitos sociais.
Uma
última mensagem ao Brasil e aos brasileiros.
Creio
que uma das conquistas deste novo tempo que estamos vivendo na América Latina é
que começamos a nos olhar mais, a nos conhecermos melhor. O Equador já não olha
mais somente para o Norte, creio que olha muito mais ao Sul. Nossa participação
ativa na UnaSul, no Mercosul, na Celac, nas instâncias que estão sendo criadas
para fortalecer a verdadeira integração latino-americana, com mecanismos que
nos permitem conectarmos e conhecer cada vez mais as experiências positivas
desta rota favorável aos nossos povos. São lutas históricas de cada um dos
nossos países que estamos resgatando.
Olhamos
cada vez mais de perto a experiência brasileira. Para o Equador, a luta que o
Brasil tem feito contra a pobreza com o presidente Lula e atualmente com a
presidenta Dilma são uma referência. Seria interessante que o Brasil também
pudesse conhecer melhor a experiência deste pequeno país andino, que também
está na mesma luta e esforço para construir um país que represente a todos os
equatorianos, uma Pátria próspera. Somos uma pequena potência turística porque
temos todos os climas, além de maravilhas como Galápagos. Queremos que tudo
isso potencialize um desenvolvimento equilibrado em Bom Viver para todos.
Alguns dizem que o modelo equatoriano é um laboratório destas iniciativas e
gostaríamos muito de que o povo brasileiro as possa conhecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário