Afirmou
Haneen Zoabi, primeira mulher palestina de um partido árabe a ter assento no
parlamento israelense
Por Leonardo Wexell Severo
Filha
da terceira geração após a Nakba, a catástrofe que caracteriza a diáspora
palestina após a sua expulsão pelos sionistas em 1948, Haneen Zoabi é a primeira
mulher de um partido árabe a ter assento no parlamento israelense. Integrante
da “Flotilha da Liberdade” que tentou furar o criminoso bloqueio e levar
remédios e alimentos para a Faixa de Gaza, foi classificada por Israel como “terrorista”.
“Defensora dos direitos humanos e do valor da liberdade para todos os povos”,
Haneen Zoabi sublinha que sua bússola é a da justiça num mundo de paz e
coexistência, onde todos vivam “em pé de igualdade”. “O povo palestino jamais
renunciará ao direito de ser livre num território livre. Derrotaremos o
apartheid de Israel”, sublinhou. A parlamentar fez um “agradecimento especial à
solidariedade da CUT Brasil” e destacou a relevância do nosso país para a luta
contra o sionismo. Abaixo, selecionamos os principais trechos da entrevista de
Haneen, concedida nesta sexta-feira (28) no clube Homs, na capital paulista,
onde reforçou a convocação para o Fórum Social Palestina Livre, que será
realizado de 28 de novembro a 1º de dezembro em Porto Alegre.
“Luta contra o
apartheid é invisibilizada pela mídia”
“85% da população palestina foi expulsa a
partir de 1948. Hoje somos a terceira geração após a catástrofe, 1,2 milhão de
árabes israelenses, 18% da população de Israel, um estado racista, que utiliza
ferramentas religiosas para a sua dominação. Esta é a realidade da política do
apartheid, muito invisibilizada pelos meios de comunicação que funcionam como
instrumento de propaganda para justificar os massacres indiscriminados contra a
população, sejam mulheres, idosos ou crianças. Na propaganda do dominador, os
terroristas são os palestinos”
“Israel não tem
Constituição, nem fronteiras”
“Israel
é um país que não tem Constituição, nem fronteiras, mas 30 leis que legitimam
qualquer abuso. Há uma lei de 2003, que proíbe terminantemente o casamento
entre palestinos e uma de 2011 que possibilita o confisco de terras palestinas.
É uma estratégia de guerra movida e exercida contra todo um povo com lógica de
mais terras, menos árabes. Os expulsos a partir de 1967 não são mais cidadãos
neste estado. Devido à lei de Reunião de Família e Naturalização, por exemplo,
quem deixar Jerusalém por mais de seis meses pode perder a nacionalidade. Ou
seja, um judeu que nasceu no Brasil tem mais direitos que um árabe que nasceu
lá. Além do confisco de terras, se construímos uma casa corremos o risco de que
ela seja derrubada porque o Ministério do Interior não tem mapas que registrem
estas moradias. Assim, nossas construções são ilegais, não temos legitimidade para
estar ali. Sem poder ocupar terreno, construímos mais andares para cima. Temos
60 mil casas sem autorização. Então o
estado chega e destrói tudo”.
“Além do conflito pela
terra, conflito pela identidade”
Além
do conflito pela terra em Israel há um conflito pela identidade, pois o racismo
é muito presente. O confisco das terras palestinas, a construção e delimitação
das cidades, o desaparecimento de povoados e aldeias, as leis da educação, da construção
de partidos e organizações civis são partes de uma mesma política de
segregação. Querem proibir o povo palestino de habitar o seu território.
“Um judeu que nasceu
no Brasil tem mais direitos que um árabe que nasceu lá”
Como
palestina não posso casar com nenhum palestino, mesmo que ele seja brasileiro
ou sírio. Se o pai do marido é palestino, tem sobrenome árabe e não pode casar.
Quem vive na Cisjordânia vive melhor que os árabes israelenses, pois eles são
palestinos, nós não somos. Devido a uma lei absurda, se falamos que temos
identidade palestina não estamos sendo leais ao Estado israelense. Eu, deputada
no parlamento israelense, não posso ser chamada de palestina. Nos documentos
oficiais somos não judeus. Não temos identidade”.
“Ministério da
Educação de Israel transforma os árabes em fantasmas”
“O
Ministério da Educação de Israel tem o papel de desaparecer com a nossa
identidade. Entre os objetivos está o de vincular o judeu ao Estado de Israel,
vinculado à diáspora no mundo, e fortalecer a linguagem hebraica. Eu não
existia antes de 1948, nós todos somos fantasmas. Nas escolas árabes, está
proibido ensinar o que aconteceu. A literatura de resistência está proibida. É
proibido ensinar sobre a revolução nacionalista de 1952 no Egito, falar sobre
Nasser. Todos os livros didáticos da sexta série, por exemplo, são sobre o
holocausto, como catástrofe humana única. Eu me identifico mais como vítima do
Holocausto do que os israelenses que estão nos reprimindo. Precisamos ser leais
às lições da História: não mate, não seja racista, seja leal. Ao matar e
discriminar, Israel é desleal com o Holocausto”.
“Não temos direito à
memória ou à história”
“Nós
somos proibidos até mesmo de lembrar a Nakba, a catástrofe. Não temos direito à
memória ou à história. Todas as instituições são amordaçadas, proibidas até
mesmo de mencionar a Nakba. Se algum estudante ou professor fala, o Ministério simplesmente
corta os recursos da instituição de ensino”.
“50% dos palestinos
vivem abaixo da linha da pobreza”
“Muitas
vezes o homem palestino precisa sair para outras localidades à procura de
emprego, mas a mulher, por conta dos filhos, fica muito vinculada à cidade.
Como o sistema de comunicação e de transporte não chega às cidades árabes, tudo
fica mais difícil para as mulheres, apesar de serem 54% dos palestinos
graduados e 52% dos que têm título de mestrado. Mesmo com melhor qualificação,
estudamos e ficamos em casa porque não temos trabalho. O resultado disso é que
o ingresso das famílias judias é três vezes superior ao das famílias árabes. 50%
dos palestinos vivem abaixo da linha da pobreza”
“O sionismo é um projeto
racista, uma doença obsessiva”
“Temos
lutado em defesa de um Estado para todos os seus cidadãos. Este é um projeto de
cidadania que se choca com a essência do sionismo, que é racista, que é o
projeto de um estado judeu. Para os judeus sionistas, o perigo representado
pelos árabes-israelenses é o mesmo que os reatores nucleares do Irã. Vivemos um
confronto entre a democracia e a judaização, entre o colonizador e o colonizado,
daí o muro de separação, daí o cerco a Gaza. A judaização do Estado é uma
doença obsessiva”
“O boicote é o caminho
pacífico para derrotar o apartheid de Israel”
“Israel
tem 60 acordos com os países europeus e até acordo de armamento com o Estado
brasileiro, para vender aviões para o Brasil. O fato é que cada vez que Israel
se expande, anexando ilegalmente territórios palestinos, tem melhores relações
com os países do mundo. Então o governo israelense lê isso como apoio à sua
expansão, enquanto deveria pagar o preço por esta afronta às leis
internacionais. Quando denunciamos esta expansão ilegal no parlamento, imediatamente
sobe um ministro na tribuna e diz: não se preocupe, temos boas relações e estão
melhorando a cada dia. Ou seja, quando se assina um acordo com Israel ele não é
apenas econômico, como costumeiramente ouvimos dos governos, mas um acordo político.
É um apoio imoral, porque Israel está cometendo crimes”
“Estamos no caminho
corretol”
“O
governo de Israel vai proibir que me candidate nas próximas eleições devido à minha
participação na Flotilha da Liberdade, identificada como iniciativa terrorista.
Pelos meios de comunicação a elite política promove o racismo e a paranoia em
relação ao outro, a industrialização do medo para justificar sua política
contra os árabes. Eu confio que vamos virar esta página. Confio na liberdade
como instinto natural do ser humano. Uma humanidade que Israel tentou domesticar com seu Estado
militar, jogando seus tanques contra os que queremos somente sobreviver. Estou
otimista, confio na força dos povos. A pergunta não é se estamos longe ou perto
do objetivo, mas se o caminho é o correto. Estamos caminhando juntos pelo
caminho correto”.
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