Encontro da Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (ALER) reafirma em Quito a comunicação como direito humano
“Mantenham acesa a luz, eu sempre vou voltar”
Guayasamin
Como uma profecia, as palavras do pintor equatoriano Oswaldo
Guaysamin reverberaram na Capela do Homem, em Quito, na noite de quarta-feira
(19), durante a cerimônia comemorativa dos 40 anos da Associação Latino-Americana
de Educação Radiofônica (AÇER). A entidade é a organizadora do Encontro
Latino-Americano de Comunicação Popular e Bem Viver que, com a participação do
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Central Única dos
Trabalhadores do Brasil, acontece na
capital do Equador até o próximo sábado.
Erguida em 1985, a construção espetacular “rende homenagem ao
humano” e resguarda como um museu parte expressiva da obra de Guaysamin, marcada
por fortes e fecundas raízes indígenas. Mais do que um grito contra as mazelas
provocadas pelo capitalismo e pelo neocolonialismo, as pinturas são um canto de
amor à vida e de esperança na Humanidade.
A gigantesca tela “O Condor e o Touro” sintetiza, como
metáfora, as opções do Continente em relação aos descaminhos e armadilhas da
globalização neoliberal e de seu projeto de dominação. A pintura traduz a luta
entre o condor, ave símbolo dos Andes, e o touro, identificado com o
colonizador europeu. Conforme a tradição indígena andina, uma vez por ano os dois
animais devem ser amarrados e jogados do alto de um precipício. Se o condor
conseguir se desprender, será um período de bonança e fartura. Caso contrário,
tudo ao revés.
E foi este precisamente o cenário de fundo para a cerimônia
que reuniu duas centenas de dirigentes dos movimentos sociais e pela
democratização da comunicação da América Latina, autoridades, ministros e
ex-ministros da Comunicação de todo o Continente, que elevaram a voz por um
novo tempo.
Exortando “a arte como compromisso com a vida” e saudando o
“espírito livre que salta destas quatro paredes” por obra do “pintor dos povos,
da ternura e da paz”, o representante do governo equatoriano, Juan Meriguet, defendeu
o bom combate para “mudar as velhas e caducas estruturas e conquistar a
soberania e a dignidade”. Meriguet sublinhou a posição do presidente Rafael
Correa de afirmar que “o direito à comunicação é garantia de democracia”, e que
portanto se sobrepõe aos interesses de meia dúzia de famílias e seus
conglomerados midiáticos. De acordo com Meriguet, “neste momento em que os
meios massivos intervêm descaradamente para bloquear qualquer possibilidade
para o pleno desenvolvimento dos desejos e aspirações dos nossos países e
povos, reafirmamos nosso compromisso com uma comunicação plena e libertadora”.
O coordenador da ALER, Gerardo Lombardi, ressaltou que este é
o espírito do encontro: “potencializar enfoques, olhares e sentidos de uma
comunicação libertadora”. “Temos consciência de que este continente luta por
novos espaços e caminhos, pois o modelo de desenvolvimento que nos venderam de
diferentes maneiras está falido. Portanto, é hora de ressignificar. Nossas
organizações trazem propostas com diversos
olhares para construir novos enfoques que possam iluminar os caminhos carregados de
sentimento e compromisso”, declarou.
Para o dirigente da Agência Latino-Americana de Informação
(ALAI), Oswaldo León, a mídia privada expõe sua aversão à democracia ao
argumentar que o projeto de lei em debate pelo parlamento equatoriano é uma
“mordaça” e que a “melhor lei é que não existe”. A lei que está para ser
aprovada, ressalta León, “garante a democratização do espectro eletromagnético:
34% para as emissoras comunitárias, 33% para as públicas e 33% para as privadas.
E ponto”. Agora, denuncia, “em vez do ponto, a oposição de direita quer colocar
uma vírgula e incluir ‘das frequências disponíveis’, para que nada mude, pois
não há mais frequências para repartir”. Já está em vigor no Equador a legislação
que possibilitou a retomada para o Estado de emissoras que foram doadas a
parlamentares alinhados às propostas neoliberais e privatistas do antigo
governo. Igualzinho ao que ocorreu no Brasil nos tempos de FHC, deputados e
senadores saíram de determinadas votações com concessões debaixo do braço. “De
250 concessões ilegais, já retomamos 25. É um processo que caminha lento, mas
que está andando”, disse.
Entre os muitos abusos implementados pelos governos
neoliberais que antecederam ao presidente Correa, informou León, encontram-se
“o desmantelamento da Rádio Nacional, de quem não só tiraram as frequências
como roubaram até mesmo os telefones”. “Agora o governo está estruturando a
Rádio e a TV Públicas”, frisou.
Na avaliação da coordenadora do FNDC e secretária nacional de
Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, o embate que se trava hoje nos diferentes
países da América Latina só reforça a justeza do empenho dos movimentos sociais
e pela democratização da comunicação no Brasil para regulamentar os
dispositivos constitucionais que combatem a formação de monopólios e
oligopólios e garantem a complementaridade dos sistemas público, privado e
estatal. Rosane defendeu que é “preciso pensar o novo tempo de convergência
tecnológica e a necessidade de garantir a efetivação do Plano Nacional de Banda
Larga (PNBL) a partir dos interesses do país e do povo brasileiro em não das
teles, que nos vendem uma internet lenta, cara e de má qualidade”. Um projeto
soberano de país, alertou, “não pode estar subordinado ao poder das teles, que
não garantem o direito ao acesso, que não levam a internet nem às escolas nem
às comunidades rurais”. “O que afirmamos é que a comunicação é um direito. E
que para que possa ser exercido precisa de um Estado que garanta este direito
com políticas públicas para o conjunto da população”.
Leonardo Wexell Severo, de Quito
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