Pensatempo: Equador irradia a luta pela democratização da comunicação para a América Latina

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Equador irradia a luta pela democratização da comunicação para a América Latina


Encontro da Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (ALER) reafirma em Quito a comunicação como direito humano


“Mantenham acesa a luz, eu sempre vou voltar”

Guayasamin


Como uma profecia, as palavras do pintor equatoriano Oswaldo Guaysamin reverberaram na Capela do Homem, em Quito, na noite de quarta-feira (19), durante a cerimônia comemorativa dos 40 anos da Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica (AÇER). A entidade é a organizadora do Encontro Latino-Americano de Comunicação Popular e Bem Viver que, com a participação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Central Única dos Trabalhadores do Brasil,  acontece na capital do Equador até o próximo sábado.

Erguida em 1985, a construção espetacular “rende homenagem ao humano” e resguarda como um museu parte expressiva da obra de Guaysamin, marcada por fortes e fecundas raízes indígenas. Mais do que um grito contra as mazelas provocadas pelo capitalismo e pelo neocolonialismo, as pinturas são um canto de amor à vida e de esperança na Humanidade. 

A gigantesca tela “O Condor e o Touro” sintetiza, como metáfora, as opções do Continente em relação aos descaminhos e armadilhas da globalização neoliberal e de seu projeto de dominação. A pintura traduz a luta entre o condor, ave símbolo dos Andes, e o touro, identificado com o colonizador europeu. Conforme a tradição indígena andina, uma vez por ano os dois animais devem ser amarrados e jogados do alto de um precipício. Se o condor conseguir se desprender, será um período de bonança e fartura. Caso contrário, tudo ao revés.

E foi este precisamente o cenário de fundo para a cerimônia que reuniu duas centenas de dirigentes dos movimentos sociais e pela democratização da comunicação da América Latina, autoridades, ministros e ex-ministros da Comunicação de todo o Continente, que elevaram a voz por um novo tempo.

Exortando “a arte como compromisso com a vida” e saudando o “espírito livre que salta destas quatro paredes” por obra do “pintor dos povos, da ternura e da paz”, o representante do governo equatoriano, Juan Meriguet, defendeu o bom combate para “mudar as velhas e caducas estruturas e conquistar a soberania e a dignidade”. Meriguet sublinhou a posição do presidente Rafael Correa de afirmar que “o direito à comunicação é garantia de democracia”, e que portanto se sobrepõe aos interesses de meia dúzia de famílias e seus conglomerados midiáticos. De acordo com Meriguet, “neste momento em que os meios massivos intervêm descaradamente para bloquear qualquer possibilidade para o pleno desenvolvimento dos desejos e aspirações dos nossos países e povos, reafirmamos nosso compromisso com uma comunicação plena e libertadora”.

O coordenador da ALER, Gerardo Lombardi, ressaltou que este é o espírito do encontro: “potencializar enfoques, olhares e sentidos de uma comunicação libertadora”. “Temos consciência de que este continente luta por novos espaços e caminhos, pois o modelo de desenvolvimento que nos venderam de diferentes maneiras está falido. Portanto, é hora de ressignificar. Nossas organizações trazem  propostas com diversos olhares para construir novos enfoques que  possam iluminar os caminhos carregados de sentimento e compromisso”, declarou.

Para o dirigente da Agência Latino-Americana de Informação (ALAI), Oswaldo León, a mídia privada expõe sua aversão à democracia ao argumentar que o projeto de lei em debate pelo parlamento equatoriano é uma “mordaça” e que a “melhor lei é que não existe”. A lei que está para ser aprovada, ressalta León, “garante a democratização do espectro eletromagnético: 34% para as emissoras comunitárias, 33% para as públicas e 33% para as privadas. E ponto”. Agora, denuncia, “em vez do ponto, a oposição de direita quer colocar uma vírgula e incluir ‘das frequências disponíveis’, para que nada mude, pois não há mais frequências para repartir”. Já está em vigor no Equador a legislação que possibilitou a retomada para o Estado de emissoras que foram doadas a parlamentares alinhados às propostas neoliberais e privatistas do antigo governo. Igualzinho ao que ocorreu no Brasil nos tempos de FHC, deputados e senadores saíram de determinadas votações com concessões debaixo do braço. “De 250 concessões ilegais, já retomamos 25. É um processo que caminha lento, mas que está andando”, disse. 

Entre os muitos abusos implementados pelos governos neoliberais que antecederam ao presidente Correa, informou León, encontram-se “o desmantelamento da Rádio Nacional, de quem não só tiraram as frequências como roubaram até mesmo os telefones”. “Agora o governo está estruturando a Rádio e a TV Públicas”, frisou.

Na avaliação da coordenadora do FNDC e secretária nacional de Comunicação da CUT, Rosane Bertotti, o embate que se trava hoje nos diferentes países da América Latina só reforça a justeza do empenho dos movimentos sociais e pela democratização da comunicação no Brasil para regulamentar os dispositivos constitucionais que combatem a formação de monopólios e oligopólios e garantem a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal. Rosane defendeu que é “preciso pensar o novo tempo de convergência tecnológica e a necessidade de garantir a efetivação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) a partir dos interesses do país e do povo brasileiro em não das teles, que nos vendem uma internet lenta, cara e de má qualidade”. Um projeto soberano de país, alertou, “não pode estar subordinado ao poder das teles, que não garantem o direito ao acesso, que não levam a internet nem às escolas nem às comunidades rurais”. “O que afirmamos é que a comunicação é um direito. E que para que possa ser exercido precisa de um Estado que garanta este direito com políticas públicas para o conjunto da população”.

Leonardo Wexell Severo, de Quito

Nenhum comentário:

Postar um comentário