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Requião denunciou a armação por detrás da MP dos Portos |
O preço dos fretes é
determinado pelo cartel internacional dos armadores. Portanto, se quisermos
baixar esses preços temos que tomar medidas para impedir que esse cartel os
determine. No entanto, a MP dos portos aumentou o poder desse cartel,
exatamente porque deixou a operação portuária ser dominada por ele
Amigos leitores, foi lançada – no rabo da
entrega do petróleo e dos portos – uma nova tecnologia de capitulação.
Expliquemo-nos. Vejamos um exemplo
hipotético: imaginemos que um cidadão queira trair o seu passado, e, de resto,
o seu país e o seu povo.
Antes, era uma complicação. O elemento tinha
de considerar que era um mau caráter, um renegado, ou um farsante - em suma, um
pulha. Coisas pouco agradáveis. Agora, ficou mais fácil: basta dizer que a
traição é a única posição "de esquerda"; que, sem trair, o Brasil vai
para as breubas; que trair é essencial para a competitividade da economia; que
o que falta para o país crescer é entregar o ouro do povo aos bandidos (para
não falar na própria rapadura), etc.
Com isso, o elemento poderá pregar até o
genocídio dos canhotos - desde que diga que essa é a única posição "de
esquerda". Com a vantagem de xingar de "direita" àqueles que se
recusam a trair e aos alucinados que não percebem que os cartéis e o
imperialismo deixaram de existir (essa coisa tão óbvia).
O único problema dessa novíssima tecnologia é
que ela já foi usada uma vez, numa cidade francesa de nome Vichy, até então
famosa apenas por sua água mineral (já que sua sopa, a popular
"vichyssoise", descobriu-se que foi uma invenção dos americanos).
Em Vichy, na II Guerra, a única revolução
"possível" e o único "patriotismo" era entregar a França ao
nazismo e puxar o saco de Hitler.
O lado desagradável (sempre existe algum)
dessa tecnologia de Vichy foi o destino dos seus usuários, alguns deles
ex-comunistas ou ex-socialistas "de esquerda" ou ex-nacionalistas.
Por exemplo: Pétain - condenado à morte, comutada em prisão perpétua, morreu na
prisão; Laval – condenado à morte, fuzilado em 1945; Brinon – condenado à
morte, fuzilado em 1947; Darnand – condenado à morte, fuzilado em 1945; Doriot
– executado pela Resistência em fevereiro de 1945.
E paramos por aqui porque não temos mais
espaço para nome de renegado.
CARÁTER
Algum dos atuais herdeiros de Vichy aqui no
Brasil dirá que exageramos. Talvez houvesse algum ingênuo sobre a medida
provisória dos portos antes do pronunciamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG),
na sessão do último dia 16. Mas não depois que esse tucano – e não é qualquer
tucano – encaminhou a votação da sua bancada, manifestando o apoio explícito do
seu partido ao conteúdo da MP:
O SR. AÉCIO NEVES (Bloco/PSDB – MG. Sem revisão do orador.) "Eu disse
há pouco, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que se trata de matéria
relevante, não para aqueles que hoje estão no poder, mas para aqueles que já
conhecem, há mais de uma década, a situação trágica dos portos brasileiros. (…)
esse tema, felizmente para a Nação brasileira, tornou-se relevante e
urgente para os inquilinos do poder. (…) Somos a favor da modernização dos
portos muito antes daqueles que estão, hoje, no poder acordarem para esse tema"
(cf. Senado Federal, Secretaria-geral da Mesa, Notas taquigráficas, Sessão
Extraordinária Nº 74 de 16/05/2013 – grifos nossos).
"Modernização", sabe o leitor, é
como os tucanos chamam tudo aquilo que pretendem entregar e roubar do país.
Aécio disse que se opunha apenas ao modo como a questão fora encaminhada pelo
governo, não ao seu conteúdo. O que, aliás, é evidente, pois a MP dos Portos,
aprovada sem que se permitisse discussão no Senado – e em meio a um mercado
escandaloso na Câmara –, não tem outro conteúdo senão o de entregar o sistema
portuário nacional ao cartel externo dos armadores, composto por multinacionais
como a Maersk, Hamburg Sud, MSC, MAS, Grimaldi, Evergreen.
Portanto, nada mais tucano.
O que está implícito na intervenção de Aécio,
é que os tucanos não fizeram o que agora se fez por uma única razão: porque a
resistência nacional, inclusive no Congresso, não permitiu. O que significa
somente que a única coisa que mudou foi a posição de alguns.
Mas vejamos mais de perto a questão que
acabamos de mencionar, o bloqueio do cartel dos armadores ao nosso crescimento.
SOBRETAXA
Há 14 anos, escrevia o jornalista Luís
Nassif:
"O cartel dos armadores poderá
comprometer o esforço exportador brasileiro. No início do ano [1999],
exportadores brasileiros receberam o seguinte comunicado dos armadores: ‘Prezados
clientes: em virtude das mudanças na situação econômica brasileira, em que as
exportações têm superado as importações, a costa leste da América do Sul passou
de uma situação de maior oferta para maior demanda por tais equipamentos. Para
que se possa manter o atual nível de serviços para tais regiões, e como já deve
ser do conhecimento dos senhores, todos os armadores que operam para essas
áreas decidiram implementar o ‘equipment imbalance surcharge’ (sobretaxa de
reposicionamento do equipamento) para todas as exportações do Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai para os EUA, Canadá, Caribe, América Central,
México, Venezuela e Colômbia’ ".
Comentando essa extorsão, dizia Nassif:
"Quando a rota era contrária - e as
importações batiam recordes -, a lógica era que os fretes para exportações
fossem reduzidos. Praticava-se o sobrepreço para as importações, mas não se
aliviavam para as exportações. A nova taxa ficou conhecida como
‘imbalance’. Há algumas semanas foi retirada, após negociação entre o governo e
os armadores. Só que acabou incorporada ao frete. Logo após a mudança
cambial, o reajuste dos fretes chegou a quase 50%.
"Por outro lado, os fretes para
importação também não baixaram. Esses fatos bastariam para caracterizar uma
ação concatenada de cartel. O setor é dominado por apenas seis grupos
estrangeiros, oferecendo serviços regulares.
"Não bastasse a elevação de preço, a
ação de cartel produziu mais um problema relevante. Houve uma redução no número
de embarcações e os armadores passaram a não cumprir compromissos de
embarque, mesmo aqueles acertados com dois meses de antecedência, para
permitir que os navios zarpassem com 100% da capacidade utilizada. Esse fato
acabou atrapalhando ainda mais a competitividade dos produtos brasileiros,
especialmente em setores em que existem competidores de outros países, que
dispõem de fretes muito mais competitivos" (Luís Nassif, "O
cartel dos armadores", FSP, 25/09/1999 – grifos nossos).
Porém, segundo diagnóstico da ministra Gleisi
Hoffman, ao lançar a MP dos Portos no ano passado, o que atrapalha a
competitividade dos produtos brasileiros são os portos - e não o cartel dos
armadores. Por isso, supõe-se, é necessário entregar o sistema portuário ao
cartel...
Não é um mistério, portanto, porque a
ministra não queria discutir a questão no Senado – e, agora, desconverse sobre
os vetos que serão emitidos sobre o que foi votado pelos senadores.
ARMAÇÃO
Detenhamo-nos mais um pouco na questão do
cartel, pois, sobre ela, em determinados meios, a estupidez, má-fé e ignorância
(juntas, isoladas ou em variadas combinações) atinge as proporções de uma
estrebaria de Áugias. Pode parecer ao leitor bem informado que é uma perda de
tempo provar que existe um cartel dos armadores que ameaça submeter os portos
em todo o mundo, prejudicando brutalmente a economia dos países - mas assim é a
vida, leitor.
Na mesma época em que Nassif escrevia as
palavras que transcrevemos, dois economistas do BNDES, Luciano Otávio Marques
de Velasco e Eriksom Teixeira Lima, publicavam um interessante – não tanto pela
linha proposta, mas pelas informações – artigo, "As novas empresas
mundiais de navegação determinam a evolução dos portos".
"Novas empresas mundiais" é como os
autores chamavam o resultado de um febril processo de fusões entre companhias
de navegação e transporte marítimo de cargas – em síntese, um surto em que as
maiores companhias engoliram as menores, com um tremendo aumento da
monopolização. O artigo descreve claramente a pressão dos grandes armadores
sobre os portos, como consequência da seguinte situação:
"A concentração e a centralização dos
capitais não são aspectos novos no segmento de serviços regulares de marinha
mercante (nem em qualquer outro setor de atividade), mas têm sido acelerados
nos últimos anos graças à imensa capacidade de mobilização de recursos
financeiros e de controle sobre extensas redes de representação comercial, com
abrangência mundial, das grandes empresas de armação. Essa escala operacional
lhes possibilita adotar práticas comerciais desleais, como a oferta de serviços
com fretes abaixo do custo operacional (dumping), contra as pequenas e médias
empresas de atuação nacional ou regional, forçando-as a escolher entre a
falência ou a absorção pelas maiores. (...) Nos últimos anos, além da
desregulamentação internacional do transporte marítimo e dos avanços
tecnológicos na operação das frotas, aparecem, com grande destaque, os
incentivos fiscais e financeiros para que as empresas de navegação realizem
alianças ou fusões. (...) São ainda esperadas mais fusões no setor, o que
aumentará ainda mais a concentração, estimando-se que apenas 10 grandes
armadores controlem o tráfego mundial, restando às pequenas empresas apenas
atuar em nichos específicos de mercado" (op. cit., Revista do BNDES nº
11, junho/1999).
Isso foi escrito, também, há 14 anos. Mas é
perfeitamente congruente com o que escreveram, há poucos dias, José Augusto
Valente e Samuel Gomes em artigo sobre a MP dos Portos que publicamos em nossa
edição anterior:
"Os armadores são os grandes
beneficiários desta MP, já que são eles e não os usuários que escolhem os
terminais onde irão atracar. As dez maiores empresas de navegação do mundo são
responsáveis por 70% do comércio marítimo. Na realidade, são os armadores que
recebem a remuneração dos exportadores e importadores e pagam aos operadores
pela movimentação portuária. Normalmente, repassam 50% a 60% do valor recebido
pela movimentação. O restante incorporam à remuneração global da operação
(frete). Ao vincularem-se a portos privados não submetidos ao regime de
prestação de serviço público e diante do enfraquecimento dos portos públicos,
os armadores poderão camuflar preços das operações portuárias, simulando
reduções de custos e aumentando a gritaria contra o "custo Brasil" e
a "ineficiência dos portos públicos". Em seguida, destruídos os
portos públicos e dominado o mercado, imporão suas condições para o transporte
marítimo, controlando a logística portuária e reduzindo a competitividade
dos produtos industriais brasileiros no comércio internacional. Simples
assim" (grifo nosso).
Não por acaso, a senadora Kátia Abreu,
estrela do "Monsanto News" e outros periódicos igualmente isentos,
festejou euforicamente a aprovação da MP – e, ainda por cima, disse que a nova
lei irá beneficiar muito o Estado de Tocantins (??). É provável que a senadora
julgue os habitantes de Tocantins pela medida da sua própria tolice e
servilismo, porém, tais julgamentos costumam levar a surpresas tão
desagradáveis para os tolos e servis quanto alvissareiras para o país.
CUSTO
O senador Roberto Requião, com sua
experiência de governador do Paraná – portanto, administrador do porto de
Paranaguá – mostrou que nenhum problema havia ou há nos portos que demandasse a
mudança de regime: há problemas nas estradas, na armazenagem, na infraestrutura
em geral. Os problemas dos portos são inteiramente secundários – e fáceis de
resolver, sem necessitar de nenhuma mudança de regime. Com razão, apontou o
senador paranaense:
"... os portos não são o nosso maior
problema. (…) O custo do frete não é dado pela operação portuária. Mesmo
que toda a logística portuária brasileira resolvesse trabalhar de graça – mão
de obra, praticagem, rebocadores, tudo – isso não alteraria o valor do frete.
O custo-Brasil nessa área é uma grande falácia, alimentada por reportagens
pagas nos meios de comunicação" (grifos nossos).
Sucintamente: o preço dos fretes é
determinado pelo cartel internacional dos armadores. Portanto, se quisermos
baixar esses preços temos que tomar medidas para impedir que esse cartel os
determine. No entanto, a MP dos portos aumenta o poder desse cartel, exatamente
porque deixa a operação portuária ser dominada por ele.
Tanto é verdade que a operação portuária não
é um obstáculo para o país, que, notam Valente e Gomes:
"Na primeira metade deste século, o
PIB brasileiro cresceu em níveis próximos aos níveis mundiais. A corrente de
comércio exterior brasileiro passou de US$ 100 bilhões para US$ 480 bilhões, a
movimentação de contêineres elevou-se de 2 milhões para 5,3 milhões e o Brasil
teve crescimento no comércio exterior maior que a China e muito maior que os
Estados Unidos e Alemanha, no período 2009-2011. Como 95% do comércio exterior
brasileiro se dá através dos portos, é razoável imaginar que o marco regulatório
do setor tenha contribuído para esta performance. Apesar disso,
surpreendentemente o país é sacudido por uma ‘urgência’: a imediata e radical
substituição do ‘caótico’ modelo portuário brasileiro, acusado de ser a causa
de "gargalos" e responsável pelo ‘custo Brasil’".
Realmente, o que mais surpreende é que, com
exceção das costumeiras palhaçadas da Globo, Veja e quejandos, não havia no
país nenhuma reivindicação de mudança do regime dos portos. Até porque o nosso
regime não era diferente, por exemplo, do regime que impera nos EUA.
Entrevistado logo após a aprovação da MP dos Portos pela Câmara, Requião
enfatizou: "Nos Estados Unidos todos os portos são públicos. O melhor
porto do mundo é Rotterdam, na Holanda. Propriedade pública e operação privada
como no Brasil. (…) Eu, que acompanhei o PT em quatro eleições para presidente
da República com o Lula e uma com a Dilma, me sinto frustrado, decepcionado,
traído mesmo". E estabeleceu que, na votação da MP dos portos,
manifestava-se a contradição entre dois projetos: "Brasil Nação, Brasil
soberano, Brasil independente. E não o Brasil dependente na mão de armadores
internacionais e subordinado à monocultura das commodities. [nesse último
projeto] Não há objetivo nacional permanente. Há o objetivo eleitoral
permanente".
Realmente, todas as preocupações sérias que
existiam antes da MP dos portos eram em relação ao cartel dos armadores. Por
exemplo, a declaração de Mário Teixeira, presidente de uma das entidades dos
trabalhadores portuários, a FENCCOVIB:
"... a preocupação com esse cartel
empresarial prende-se ao fato de que o mesmo vem fazendo, globalmente, uma integração
de todas as suas atividades em uma cadeia de transporte marítimo, por meio
de seus próprios terminais, não contratando ou reduzindo a contratação de
operação junto a terminais de terceiros. Com esta prática, está sendo
monopolizado o transporte marítimo e as operações portuárias, não permitindo
que o exportador ou importador possa escolher o porto ou seu terminal de
preferência. Para atingir seus objetivos, também estão implantando um
processo muito agressivo de mecanização, automação e até robotização das
operações portuárias, alterando as condições de trabalho e os padrões
remuneratórios dos portuários nos principais portos do mundo"
(FENCCOVIB, 24/09/2009 – grifos nossos).
Referindo-se ao resultado do seminário
internacional "O cartel de operadores e armadores de contêineres
globalizados", organizado pela Federação Internacional dos
Trabalhadores em Transportes (ITF) e ocorrido em Cork, na Irlanda, a entidade
brasileira considerava:
"Tal cartelização vem também afetando
direta e negativamente os terminais portuários privados e públicos nacionais
que ficam totalmente impossibilitados de competir na medida em que os
grandes armadores estão tomando o controle acionário (e operacional) de tais
terminais, como é o caso da Maersk como controladora acionária e
operacional da APM-Teminais" (grifo nosso).
O problema era (e é) tão urgente que, em
janeiro último, até um dos principais jornais que fabricaram a campanha pela
entrega dos portos publicou, com destaque, um artigo onde se lia:
"Sempre que existirem poucas empresas
num determinado ramo e numa atividade econômica haverá o perigo da formação do
cartel. Só se pode minorar esse efeito se houver alternativas fora do
cartel. (…) … é realmente uma falta de visão macroeconômica pensar-se
que a navegação pode ser explorada só por empresas que não têm interesses
fincados nas raízes do Brasil, e que o país não merece comparecer a esses
clubes fechados. Sim, merece; uma nação que está progredindo, uma nação que tem
a maior agricultura do mundo, talvez comparável à dos Estados Unidos, na parte
de grãos, que tem o maior parque mineral, capitaneado pelo minério de ferro, e
já tem uma indústria sofisticada, embora ainda não competitiva, há que fazê-la
competitiva através da navegação privilegiada. (…) Todos os navios que atuam em
nossa importação e exportação são estrangeiros, e isso não pode continuar.
Desta forma, julgamos que o problema da volta à navegação internacional, como
nos tempos de Juscelino Kubitschek, não é um sonho, é necessário apenas que
seja encarada a realidade dos fatos." (Washington Barbeito de
Vasconcellos, "O cartel dos fretes", O Globo, 10/01/2013).
DOS ANAIS E ATAS
Por último, a votação do Senado, no último
dia 16.
Não vamos comentar a alquimia que
possibilitou a votação, uma interpretação conjunta do artigo 62 (§6º) da
Constituição e do artigo 163 do Regimento Interno. Uma estranha exegese, pois,
se verdadeira, nenhuma medida provisória cairia, jamais, por decurso de prazo.
Evidentemente, como vários senadores apontaram, foi o acordo de líderes que
possibilitou a votação de uma matéria que nem fora publicada no Diário Oficial.
O resto foi apenas a forma que encontraram para viabilizar uma votação, de
resto, totalmente irregular. O próprio presidente do Senado, Renan Calheiros,
se penitenciou do resultado dessa alquimia:
O SR. PRESIDENTE
(Renan Calheiros. Bloco/PMDB – AL): "Eu
queria, antes de conceder a palavra pela ordem aos outros Senadores, dizer
definitivamente que o Senado Federal não vai concordar mais com a continuidade
dessa aberração institucional.
(…)
"Em nome do Congresso Nacional,
especialmente em nome do Senado Federal, que me cabe guardar e defender, eu
quero dizer aos Srs. Senadores e ao País que, a partir de hoje, qualquer medida
provisória que venha com menos de sete dias da Câmara dos Deputados não será
pautada no Senado Federal, pelo menos enquanto eu for Presidente. Essa anomalia
institucional não vai continuar, não pode continuar; ela apequena o Senado,
e o Senado não pode conviver com isso.
"De modo que, antes de qualquer
coisa, eu queria dizer que compreendo e respeito os argumentos que estão sendo
levantados pelo Plenário, e, em momento nenhum, eu permitirei que o Regimento
seja atropelado, que a oposição seja atropelada.
(…) esse absurdo institucional,
verdadeiramente, não pode continuar" (cf. Senado Federal, Notas
taquigráficas – grifos nossos).
O senador Renan Calheiros não poderia ter
sido mais claro – sua tentativa de justificar-se é totalmente contraditória com
a interpretação que fez da Constituição e do Regimento Interno para colocar a
MP em votação. Portanto, ele sabia o que estava fazendo. Mais claro do que
isso, somente se, coerente com o que disse, o presidente do Senado se recusasse
a colocar em votação, sem qualquer discussão digna desse nome, um
esbulho sobre o país que altera - nada mais, nada menos - que o regime
portuário nacional.
O resto, não vale a pena reproduzir, exceto,
mais uma vez, a intervenção do senador Requião. Preferimos manter, na medida do
possível, a íntegra das notas taquigráficas, para que o leitor tenha ideia do
clima em que ocorreu essa votação. O precedente a que se refere a primeira
parte da intervenção de Requião é, evidentemente, o precedente de atropelar o
regimento para votar uma medida provisória:
O SR. ROBERTO REQUIÃO
(Bloco/PMDB – PR. Sem revisão do orador.):
"... Dizia-me pessoalmente, agora há pouco, o Senador Pedro Taques que,
enquanto na Câmara a discussão parecia uma discussão entre batedores de
carteira, aqui no Senado, não. Aqui no Senado, é uma discussão entre
carimbadores de medidas provisórias. Não há alternativa, não há discussão.
"Eu, como seguramente os 81
Senadores, não consegui ler o raio da medida provisória até agora. Mas ninguém
veio comercializar. O Senado não tem alternativa, vai só chancelar, bater o
carimbo.
"Mas esta, Presidente, vai ser a
última vez. Depois desta vez, medida provisória alguma passará aqui sem
discussão. Foi, aliás, o que aconteceu quando nós discutíamos aqui, no dia
8/5/2013, as Medidas Provisórias nºs 590 e 602.
"Eu lembro que o Líder da minha
Bancada, o ilustre Senador Eunício Oliveira, dizia o seguinte, e estou lendo a
transcrição da sessão: ‘Nós fizemos aqui um apelo aos demais Líderes para
que possamos votar aqui sem precedente. Foi no dia 8. [...] já
houve entendimento entre [...] os demais Líderes – para que votemos, sem abrir
precedente, esta segunda medida provisória. A segunda medida provisória também
poderá ser votada se V. Exª entender assim, sem abrir precedente, porque há
entendimento com os demais Líderes, uma vez que ela vence amanhã pela manhã’.
"E eu acreditei no Líder do meu
Partido, o Eunício Oliveira.
"Mas o Senador José Agripino [DEM-RN]
também se manifestou, abro aspas:
[Agripino:] " ‘Agora, há um
reparo: essa medida provisória tramitou por um tempo excessivamente elástico na
Câmara dos Deputados. Chegou ao Senado ontem, foi lida ontem e está sendo
votada hoje, por entendimento com o Senador Eunício Oliveira, com o Senador
Eduardo Braga. Com a aquiescência do PSDB, do Democratas e da minoria em si,
numa homenagem aos mais pobres’.
"Agora [completava o Senador
Agripino], ‘que isto não se repita’.
"Foi firme o Senador Agripino.
"E o Senador Eunício de Oliveira
ainda, abro aspas:
[Eunício:] " ‘Esse acordo não abre
o precedente, como acabou de confirmar o Senador José Agripino. Portanto, esse
foi o entendimento e esse vai ser o comportamento da Liderança do PMDB nesse
aspecto’.
"E eu acreditei nisso!
"Mas a Liderança do PMDB não se
reuniu para discutir essa medida provisória.
"Aliás, não temos nos reunido para
discutir coisa alguma.
"E o nosso Eunício Oliveira termina o
seu pronunciamento:
[Eunício:] ‘Agradeço aos demais Líderes
pela compreensão de votarmos essa matéria, repito [e ele repetiu], sem
abrir o precedente’.
"E eu acreditei que assim seria.
"O Senador Randolfe Rodrigues
[PSOL-AP] assume a mesma posição, a favor dos pobres, mas garantindo que não
teríamos, de forma alguma, precedente algum.
"O Senador Aloysio [PSDB-SP]
também se manifesta a favor daquela exceção, mas nos garantindo que nós não
teríamos precedente.
"E o nosso Eduardo Braga. O Eduardo
Braga foi definitivo, firme e com aquela voz amazônica nos garantiu:
[Eduardo Braga:] ‘Sr. Presidente,
primeiro para agradecer a V. Exª pela agilidade no dia de ontem. Como já foi
destacado aqui pelo Líder Eunício e por outros Líderes, foi muito importante...’
(Interrupção do Som.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO
(Bloco/PMDB – PR): "[...] ‘Em segundo lugar [continuava
o nosso Eduardo Braga], quero agradecer às Lideranças. Sem
[...] dúvida, graças à compreensão das Lideranças, é possível,
[...] estabelecer um precedente. Queremos reconhecer esse
compromisso assumido com todas as Lideranças [e ele foi enfático. E
eu acreditei nele. E ele termina o seu pronunciamento:], compromisso
assumido com todas as Lideranças para que não se estabeleça precedente em torno
desse acordo’.
"Eu acreditei nisso, mas era para não
estabelecer precedentemente, ou seja, em cada sessão se garante que não haja um
precedente na próxima.
"Mas isso tudo não me impressiona
muito. Eu não sou regimentalista. Eu só estranho que o Senado não debata a
medida provisória..."
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO
(Bloco/PMDB – PR): ... "porque ela não é boa. Ela não é
boa para o País; ela estabelece um desequilíbrio absoluto, por exemplo, entre
os dois tipos de privatização: o do Fernando Henrique, em que havia licitação e
que obrigava a utilização do Ogmo, que pagava a outorga; e esse novo processo,
que, sem licitação, se presenteia um grupo privado com um terminal.
"Não há Ogmo, não há órgão
gerenciador de mão de obra, não há taxas, não há coisa alguma e... vai
concorrer com outros empresários privados que acreditaram no sistema anterior.
"É ruim para o Brasil! Não existe no
Planeta Terra, não existe nos Estados Unidos. É uma privatização crua que pode
interessar a um ou outro grupo econômico – vamos fazer um bom negócio. Não é um
bom negócio para o Brasil!
"E eu insisto: eu não gostaria numa
derrota da Dilma nesta sessão, mas eu ficaria extremamente satisfeito..."
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO
(Bloco/PMDB – PR): ... "como brasileiro, com a correção
do erro que o nosso Governo cometeu ao mandar essa asnice, essa besteira de
medida provisória mal refletida, formulada por quem não entende de porto.
"Congestionadas estão as estradas, os
pedágios, as ferrovias. Os portos brasileiros funcionam bem, com muitos erros,
com muitos problemas.
"Como Governador do Paraná por doze
anos, o Porto de Paranaguá esteve sob a administração do meu Governo. Uma
correção logística acabou com as filas, e nós estávamos exportando com uma
velocidade três vezes maior do que o porto privado de Santos.
"É um erro a medida provisória, é uma
bobagem, é um erro semelhante a privatizações erradas que se cometeram nos governos
anteriores."
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO
(Bloco/PMDB – PR): "E eu não sou um ortodoxo, não. A
empresa privada e a empresa pública foram criadas por nós, os homens, para
fazer funcionar a economia, prestar serviços, produzir bens, e em cada momento
temos uma oportunidade para utilizá-las.
"Esta medida provisória é
rigorosamente irracional! E, mesmo sem o balcão das emendas – o incompreensível
balcão das emendas –, sem os porcos ou as quadrilhas denunciadas pela Câmara
Municipal (sic), nós vamos bater o carimbo sobre um projeto modificado pela
Câmara que nenhum Senador leu e que poderia ser um bom projeto e uma
oportunidade para modernizarmos a estrutura de exportação do Brasil. Ele tem o
pecado principal..."
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO
(Bloco/PMDB – PR): ... "por dirigir-se única e
exclusivamente às commodities, Senador Jader. Ele não pensa na
industrialização. Ele condena o País a um tipo de desenvolvimento atrasado,
primarizado. Ele "perifeciza", joga o Brasil para as periferias. Ele
é um entrave para o desenvolvimento, ele é mal pensado, ele não é estruturante,
ele não é inteligente.
"Mas o Senado vai votar o raio do
projeto, porque o Governo quer que vote, e a impressão que eu tenho é que não
existem mais no Plenário intelectuais orgânicos, capazes de pensar, de
discutir, de criar, de enriquecer um projeto nacional. Mas existem interesses
pequenos, de grupos econômicos que se sobrepõem aos interesses do
desenvolvimento do Brasil.
"Eu não voto esse projeto porque sou
contra ele do ponto de vista do seu entendimento global, da..."
(Interrupção do som.)
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO
(Bloco/PMDB – PR): ... "subordinação do Brasil a um
tipo de desenvolvimento primarizado e atrasado (Fora do microfone.) Eu não voto
esse projeto porque eu não consegui lê-lo, porque eu não o discuti e porque eu
não me elegi Senador para participar de uma brincadeira em que não existe
Regimento. E parece que todos nós perdemos a dignidade: a nossa e a do Senado
da República."