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Mídia afaga o ex-ditador da Guatemala, general Ríos Montt |
Estampando seu racismo, conglomerados
de comunicação guatemaltecos fazem campanha para blindar o general Rios Montt, ex-ditador
financiado pelos EUA e armado por Israel
Leonardo Wexell Severo
“Aí, o exército entrou no
povoado e começou a usar a metralhadora, começou a atirar nas casas...
Mataram uma nossa irmã já
idosa, com 66 anos. Quando o exército chegou, ela segurava uma criancinha
pequena. Estava tentando vestir uma camisetinha na criança, quando o exército a
matou. Foi um tiro na cabeça, outro no coração e dois nas pernas. A criancinha
também morreu, mas não dos tiros: a mulher caiu de bruços em cima dela.
O exército prendeu dois
irmãos órfãos. Não tinham eles pai nem mãe. Um deles tinha 25 anos de idade e
outro dez. Trabalhavam os dois e viviam felizes entre os da comunidade. O
exército os prendeu, os foram arrastando e mataram os dois juntos. Mataram-nos
com pau ou facão, pois simplesmente os deixaram sem cabeça. Depois de causar
essas mortes, o exército queimou as casas da aldeia”.
O relato acima, extraído do livro “A resistência na Guatemala”, de Gurriarán
Javier (Edições Loyola, 1992), dá um quadro do que foram os massacres
perpetrados pelas tropas financiadas pelos EUA e armadas por Israel, “desde a
primeira vez, quando o exército queimou nossas aldeias, no ano de 1982”.
A forte presença do imperialismo estadunidense no país centro-americano remonta
a 1954, com a CIA por detrás do golpe contra o presidente Jacobo Arbenz, que confrontou os interesses da
United Fruit Company ao anunciar a reforma agrária. A partir de então, o regime
acumulou cadáveres. De acordo com números preliminares da ONU, a política de terrorismo
de Estado produziu 250 mil mortos e desaparecidos. Há quem aponte 400 mil. Sem
falar nas centenas de milhares de exilados, num país de menos de 15 milhões de
habitantes.
O tempo passou e, no dia 10 de maio de 2013, após mais de uma década de longo
e extenso processo, a Justiça da Guatemala condenou o general golpista José
Efraín Ríos Montt – que governou o país com mão de ferro entre março de 1982 e agosto
de 1983 – a 80 anos de prisão, devido a prática de “genocídio e crimes contra a
Humanidade”.
Na vasta e sanguinária obra de Ríos Montt, um apóstolo das relações
carnais com os Estados Unidos, consta o massacre de 1.771 indígenas maia-ixil
na região do Quiché. Conforme levantamentos das organizações de direitos
humanos, somente esta etnia teria sido reduzida em 1/3 durante a “gestão” do
ex-ditador, que comandou torturas, assassinatos e estupros coletivos em centenas
de aldeias.
CAVALO DE PAU
Poucas horas depois do tão aguardado juízo contra Ríos Montt, a Corte de
Constitucionalidade deu um cavalo de pau jurídico no processo e resolveu anular
a sentença e determinar novo julgamento, contando para isso com o apoio dos conglomerados
de comunicação, fiéis escudeiros das transnacionais e das empresas locais a ela
subordinadas, na banana, no café e nas terceirizadas à la Bangladesh.
Empenhada na blindagem da política de extermínio, a mídia guatemalteca
já havia se manifestado em uníssono contra a proposta do Centro para a Ação
Legal em Direitos Humanos (CALDH) de “sancionar penalmente as pessoas ou meios
de comunicação” que negassem o genocídio. O Centro também pediu que se estendessem
as sanções a todas “aquelas expressões ou manifestações de conteúdo racial e
discriminatório segundo as recomendações e observações emitidas por
organizações internacionais das quais a Guatemala forma parte”.
Reduto dos barões da mídia, a Câmara Guatemalteca de Jornalismo disse “ver com estranheza” a proposta regulatória, alegando que o
combate ao racismo e ao preconceito violaria o “direito à liberdade de
expressão do pensamento e à liberdade de imprensa”. Seguindo à
risca o ideário neoliberal da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a
Câmara vê na proposta o dna de “governantes prepotentes e inescrupulosos” da
Venezuela, do Equador e da Bolívia - exatamente os países do Continente que mais avançaram no reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas. Alinhada às empresas, a Associação de Jornalistas Guatemaltecos foi mais realista do que o rei,
qualificando de “vergonhosa” a declaração do CALDH, já que “se
vive em um Estado de Direito, onde a liberdade de expressão é um direito humano”.
MÍDIA CALA, POVO FALA
Com faixas,
cartazes e cruzes com o nome de vítimas, milhares de guatemaltecos marcharam na
última sexta-feira (24) pela capital do país para repudiar a anulação da
sentença, acusando a Corte de Constitucionalidade de “promotora da impunidade”
ao blindar Ríos Montt.
Conforme o
último relatório da organização Brigadas Internacionais da Paz, no rastro da
impunidade tem se intensificado as agressões contra os defensores de direitos
humanos. Entre os inúmeros crimes, assinala o documento, está o assassinato de Carlos Hernández, do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Saúde de
Guatemala (SNTSG), em março, e de Daniel Pedro Mateo, do Movimento em defesa da
terra e dos bens naturais, em abril.
A
organização também alerta para a ocorrência de “graves agressões” às
comunidades e organizações de San Rafael Las Flores (Santa Rosa), e denuncia a
imposição do “Estado de Exceção” – com toque de recolher – nos municípios de
San Rafael Las Flores y Casillas (Santa Rosa), Jalapa e Mataquescuintla (Jalapa).
Empenhada na defesa do governo do atual presidente
Otto Pérez Molina, um general reformado alinhado com Washington, a mídia guatemalteca tenta transformar todo e qualquer conflito social
em caso de policía, o que tem penalizado sobretudo a organização dos trabalhadores
e camponeses. Devido à política de cerco e aniquilamento das entidades, com 15 sindicalistas
assassinados a cada ano, a taxa de sindicalização despencou a 1,6%.
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