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Yusif mostra o estrago de uma bomba no teto de um caminhão |
Morador de Rio Branco-AC, Yusif Awni relata os 51 dias de agressão ao território
palestino
Leonardo Wexell Severo
O administrador de empresas Yusif Awni El Shawwa, que vive em Rio
Branco, no Acre, desde 1968, visitava a família em Gaza, entre maio e agosto, quando
foi surpreendido pelos ataques israelenses ao pequeno território palestino. “O
que vi os israelenses fazerem em Gaza quando bombardearam durante 51 dias por
terra, ar e mar, é de uma barbárie indescritível, não é obra de seres humanos,
é um criminoso e covarde terrorismo de Estado”, afirma Yusif. Em meia centena
de dias, Israel matou mais de 600 crianças, ferindo gravemente ou mutilando mais
de duas mil. Nesta entrevista, Yusif lembrou da heroica resistência armada, que
barrou caminho às tropas nazi-israelenses e impossibilitou a invasão,
destacando o papel da solidariedade internacional para garantir a paz com o
reconhecimento da Palestina livre e soberana.
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Mais de 600 crianças mortas e mais de duas mil feridas em 51 dias |
Atualmente vivo em Rio Branco, no Acre, mas toda a minha família é de
Gaza. Eu mesmo nasci lá há 67 anos. O que era para ser uma visita de vida foi
marcada pela morte. O que vi os israelenses fazerem, quando bombardearam
durante 51 dias por terra, ar e mar, é de uma barbárie indescritível, não é
obra de seres humanos, se trata de um criminoso e covarde terrorismo de Estado.
Imaginem o que é uma escola com dez mil pessoas que perderam suas casas sendo
atendidas, esperando por água em caminhões pipa, aguardando comida. Pude
presenciar o que é a luta pela sobrevivência, a dor e o desespero.
Apesar da desproporção de forças, Israel não conseguiu penetrar em
território palestino.
Com todo o seu imenso arsenal, com foguetes e bombas, tecnologia de
ponta e tudo o mais, Israel não conseguiu invadir o território palestino, que
era o seu objetivo. O bombardeio indiscriminado de escolas, universidades,
creches, hospitais e mesquitas, a devastação de dezenas de milhares de casas, a
destruição da rede de água e de tratamento de esgoto não diminuiu a
determinação de defesa nem mesmo com a chacina de idosos, mulheres e crianças.
Seu testemunho é de alguém que viu de perto, até porque Gaza é um
território bastante pequeno, de apenas 365 quilômetros quadrados, de 45
quilômetros de comprimento por entre seis e 14 de largura. Relate sobre algo que aconteceu
próximo de onde estava.
Vou contar algo que vi a 180 metros da casa da
minha mãe. Um caça bombardeou uma loja de óleo lubrificante, sob a alegação de
que era uma fábrica de armas do Hamas. A bomba foi lançada numa área
residencial e fez muitas casas e edifícios pegarem fogo. Diante da fumaça negra
e dos gritos de dor, muita gente se mobilizou para ir ajudar os feridos. Quando
a população veio socorrer, o avião retornou e lançou um novo bombardeio.
Acabaram mortas mais de 20 pessoas e feridas mais de 200. Gente da Defesa
Civil, mas também repórteres e cinegrafistas. Muitas pessoas acabaram
mutiladas, ficando sem as pernas. Depois da chacina, Israel tentou acusar o
Hamas de esconder armamento no local, o que era mentira. Todos os que ali vivem
sabem que a declaração israelense era falsa e nada mais é do que uma tentativa
de encobrir seus crimes.
Qual o papel dos drones, os aviões não-tripulados
guiados por controle remoto, nestas chacinas?
Esses aparelhos de sofisticada tecnologia lançam
milhares de esferas de metais do tamanho de uma bola de gude, tudo como se
fosse brincadeira. Por meio de câmeras de televisão, colocados em segurança a
quilômetros do local, os soldados israelenses guiam os drones até onde as
crianças palestinas estão brincando. Seu único objetivo é matar, matar e matar.
Não dá para imaginar algo mais perverso.
Com o comprometimento da infraestrutura, quais as
condições de sobrevivência da população?
Conversei recentemente com meus familiares e a
situação de precariedade só tem se agravado. A água para beber não existe, vem
por caminhão pipa de alguns poços artesianos, muitos deles contaminados.
Energia também não existe, são oito horas por dia e nada mais. Além disso, a
luz pode vir ou ir a qualquer hora, não há programação exata. O único certo é o
racionamento.
E a alimentação?
A produção agrícola mantém as necessidades básicas.
Além disso Israel vende as verduras e frutas que lhes sobra. São caminhões que
chegam todos os dias. Como os árabes precisam comer e não vão deixar suas
famílias passar fome, pagam sem levar em conta de onde vem a comida. Desta
forma Israel amplia seus lucros com o cerco a Gaza.
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Gaza sob escombros: mais de 20% da população sem moradia |
Israel adota uma política de assassinatos sob
encomenda, mas também de punição coletiva. Próximo à minha casa morava um
jornalista que deixou a família no local e passou a morar em diferentes casas
para não ser encontrado. Ele fazia denúncias contra o governo de Israel e era
muito reconhecido pela repercussão da sua palavra. Dormindo aqui e ali, ele
conseguiu enganar a espionagem israelense. Então, Israel decidiu punir sua
família. Desta forma, com cinco minutos de antecedência, seus familiares
receberam a notícia de que o apartamento em que moravam, no terceiro andar do
prédio, iria ser bombardeado. Como sempre acontece, este é o “prazo” dado, eles
tinham cinco minutos para pegar os pertences que pudessem, avisar os vizinhos e
descer os andares, apesar de não ter energia elétrica. Avisaram os vizinhos,
mas o raio de ação das bombas é de até cem metros, seja pra direita ou pra a
esquerda, pra frente ou pra trás. Não bastava que saíssem do prédio, precisavam
correr e se afastar ao máximo. Além disso, os caças ficam sobrevoando. E chegam
os drones, 10, 15 e até 20 aviões sem piloto para monitorar a área e também
lançarem bombas. Quando os drones estão carregados e prontos para o bombardeio
acende uma luz vermelha, do contrário é apenas amarela. Na Palestina toda a
criança sabe disso. É um horror.
Durma-se com um barulho desses.
Simplesmente foi impossível dormir. Naquelas noites
o céu de Gaza ficou permanentemente iluminado pelos bombardeios que vinham da
terra, do ar e do mar. Havia uma preocupação permanente: se não é a nossa casa
o alvo, pode ser a do vizinho. Então as pessoas correm para a rua, que acaba
sendo mais segura. A paz que encontramos é saber que Deus está cima de tudo e
que a nossa resistência vencerá a agressão.
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