Pensatempo

quinta-feira, 24 de abril de 2014

“Povo venezuelano derrotou o golpe estimulado pelos EUA e sua mídia”




Afirmou Iván González, coordenador político da Confederação Sindical das Américas (CSA), entidade que representa mais de 50 milhões de trabalhadores de 53 organizações nacionais de 23 países. Na avaliação do dirigente, o problema mais sério neste momento “é a pouca capacidade do governo venezuelano de enfrentar a intensa campanha midiática que continua sendo fonte permanente de desinformação”.

Leonardo Wexell Severo


Qual a sua avaliação da situação atual da Venezuela?

Desde o início, o governo do presidente Nicolás Maduro teve uma postura clara de abordar e enfrentar os problemas. Assim que começou a violência, incitada por setores mais radicais da oposição, ele propôs uma agenda que já vinha sendo construída e estava na sua pauta, desmontando o discurso de “desabastecimento e insegurança”. Desta forma, no momento em que esse setor oposicionista se lança à “guarimba” [bloqueio violento de vias com agressões], fica evidente que esta não era uma demanda da sociedade, mas uma ação orquestrada, desestabilizadora, de caráter abertamente golpista.

De onde partiram esses ataques?

Os focos mais violentos – e alguns ainda persistem - se concentraram justamente nos municípios controlados pela oposição nas regiões mais ricas, com a cumplicidade ou envolvimento direto das autoridades locais. Este é o caso, entre outros, de San Cristóbal, no estado Táchira, fronteira com a Colômbia, onde o prefeito teve plena e comprovada participação nos crimes, e por isso mesmo está preso. Aí também houve o envolvimento de paramilitares colombianos.

Quem acompanha as notícias pelas agências internacionais vê um país à beira do colapso econômico e social. O que está acontecendo?

A realidade é que o nosso país, pois sou venezuelano, nunca foi paralisado, como tentaram nos fazer crer. A atividade econômica sempre se manteve. Salvo nas regiões das quais falei, a vida seguiu seu rumo. A população nunca respaldou a violência. Mesmo opositores que inicialmente participaram de algumas manifestações pacíficas de protesto, abandonaram as ruas quando elas mudaram de conotação.

Em que pé se encontram as negociações de paz?

Desde o primeiro momento o presidente Maduro propôs a realização de uma Conferência Nacional de Paz, convocando a participação de todos os setores oposicionistas, os empresários, a Igreja, reconhecendo os problemas do governo. Só quatro semanas depois, a oposição formal, a Mesa de Unidade Democrática (MUD), se somou à iniciativa. Com isso o governo isolou o setor mais agressivo, liderado por Corina Machado, fortalecendo a autoridade do presidente, o respeito à Constituição e a condenação à violência.

A democracia sai mais fortalecida?

O governo está muito mais firme. Ampliou sua base, enriqueceu suas propostas com a contribuição de outras entidades e reforçou o compromisso com uma agenda mais inclusiva, particularmente com o setor produtivo, reforçando os acordos com a oposição democrática. Há uma agenda comum de enfrentamento à violência e à insegurança, de renovação de uma parte dos magistrados do Tribunal Superior de Justiça e do Conselho Nacional Eleitoral, que serão eleitos por ¾ do Congresso Nacional, como estabelecido na Constituição, com a participação da oposição.

Qual o papel da Unasul para o avanço do diálogo?

A Unasul teve um papel fundamental no estabelecimento do diálogo, garantindo o respeito às instituições democráticas e à soberania do país, afastando as tentativas dos golpistas de isolar a Venezuela.

Em que pé estão os problemas econômicos ainda existentes?

Há gargalos como a administração de divisas para a importação, que é uma fonte constante de especulação e de ataques econômicos. O governo estabeleceu mecanismos mais transparentes, acordados com os setores produtivos, o que vem garantindo um maior acesso a divisas, com o dólar mais barato. O objetivo é fazer com que, no médio prazo, a inflação seja reduzida.

Qual o maior obstáculo a ser superado neste momento?

Acredito que o problema mais sério é a pouca capacidade do governo venezuelano de enfrentar a intensa campanha midiática que continua sendo fonte permanente de desinformação. Quem avalia a Venezuela pelas agências de notícias vê um país mergulhado no caos, onde falta tudo, com policiais que atiram em jovens desarmados e um governo reprimindo a torto e a direito quem se manifesta pacificamente. Não dizem nada sobre o fato de que mais de metade dos cerca de 40 mortos foi fruto da ação desta oposição violenta, não da polícia bolivariana, que foi vítima de agressões. É preciso esclarecer, porque senão fica parecendo o que não é.

A quem serve esta campanha orquestrada contra a Venezuela?

Aos setores mais reacionários e belicosos da administração dos Estados Unidos. São eles que ficam instigando a oposição e criando um clima para defender sanções contra a soberania e a democracia na Venezuela. Para isso distorcem os fatos e não reconhecem qualquer avanço nos diálogos que vêm ocorrendo. Não reconhecem nem mesmo os setores de oposição que sentaram para negociar. Por outro lado, com as manipulações da mídia, estimulam e dão visibilidade aos atores mais violentos, que não querem negociação, mas defendem abertamente a deposição do governo.
 

terça-feira, 22 de abril de 2014

“Reconhecer a República Saarauí é acabar com a última colônia na África”



Karin Lagdaf, representante da Frente Polisário no Brasil, destaca papel da solidariedade e denuncia emirado do Marrocos por anexação e repressão



Leonardo Wexell Severo

O emirado do Marrocos mantém ocupado, de forma ilegal e criminosa, desde 1975, a República Árabe Saarauí Democrática (RASD). Nesta entrevista, o dirigente Karin Lagdaf, representante da Frente Polisário, que lidera a luta de libertação nacional desde o primeiro governo no exílio, destaca a importância da mobilização pelo reconhecimento da RASD a partir do crescente isolamento do emirado. O muro que segrega a República, a fim de superexplorar as suas riquezas naturais - como o peixe e o fosfato -, é mantido com 117 mil soldados e seis milhões de minas terrestres.


Temos acompanhado a intensa mobilização da Frente Polisário pelo reconhecimento da República Árabe Saaraui Democrática. Qual é a situação atual desta luta pela independência do Marrocos?


A situação está evoluindo bem, não tão rápido quanto queríamos, mas há avanços claros na luta contra o Marrocos, inclusive no seu próprio campo. Mesmo os governos dos Estados Unidos e da França começaram a ter mais reservas e a serem menos agressivos conosco, suspendendo programas e acordos, o que tem debilitado a ocupação marroquina e a sustentação desta violação no campo internacional.


Como o emirado do Marrocos tem reagido?


A desgraça continua. A repressão dentro dos territórios ocupados não diminuiu em nenhum momento. No dia 17 de abril veio um novo informe da Organização das Nações Unidas e, agora, finalmente, acredito que teremos uma missão da ONU específica para a questão dos direitos humanos em nosso país. Causa estranheza que não haja vigilância alguma para uma questão tão grave como são as reincidentes violações praticadas pelas tropas marroquinas. Acho que esta nova correlação, mais favorável, se deve ao fato de que o Marrocos não é mais membro do Conselho de Segurança da ONU.


Como este crescente e amplo leque de apoios para a causa independentista tem repercutido?


No plano africano temos ampliado e fortalecido apoios em todos os níveis, desde a direção da União de Sindicatos da África até a vice-presidência do parlamento africano. O governo do Marrocos com sua decisão de não reconhecer que a França domina o Senegal e o Camarões está se isolando cada vez mais. Todas as universidades da Espanha realizaram atos de solidariedade à luta saarauí. Da mesma forma como ocorreram inúmeros protestos na Europa contra a presença de bases estadunidenses no Iraque, cresce o apoio contra a presença do Marrocos em nosso território.


De que forma o agravamento da crise interna no Marrocos tem impactado a sua capacidade de agressão ao povo saarauí?


O governo do Marrocos está com uma dívida externa de US$ 40 bilhões, o equivalente a mais de 127% do seu PIB e não tem como pagar. No ano passado isso se refletiu em menos recursos do emirado para o ensino e para a saúde, o que gerou e continua gerando maior descontentamento interno.


Bandeiras do Brasil e da República Saarauí: unidade contra a anexação
Estamos frente a um globo que traz nitidamente a República Saarauí com um território demarcado, é um país reconhecido por grande parte da comunidade internacional.  No entanto há problemas diplomáticos justamente na nossa região...


No Paraguai, sob a presidência de Fernando Lugo, íamos inclusive abrir uma embaixada, mas as relações retrocederam. Na América Latina, fora o Brasil, a Argentina e o Chile, todos os países, sem exceção, reconhecem a República Saarauí como um país de fato e de direito. No Brasil, deputados e senadores já aprovaram o reconhecimento por unanimidade, na Câmara e no Senado. Infelizmente, até agora o governo ainda não formalizou esta decisão tão importante.  Temos conversado com importantes amigos, no nível mais alto do Itamaraty, e estamos otimistas, mas ainda não há nada de concreto. Como é o nosso povo que está sofrendo com a ocupação, temos pressa.


Fale um pouco mais sobre a ocupação.


Temos um muro que nos divide, onde estão alocados 117 mil soldados marroquinos e seis milhões de minas terrestres. Há uma separação entre a parte ocupada com a parte liberada, equivalente a 32% do território. O Marrocos explora nossas riquezas naturais enquanto mantém centenas de milhares de saarauís à margem. Quem luta é condenado com penas de 25 a 30 anos pelo governo marroquino, quando não é submetido à prisão perpétua.  Como estamos falando com brasileiros, é bom lembrar que utilizam companhias do Rio de Janeiro para trazer peixes e industrializar no Brasil, vendendo fosfato e importando remédio, pólvora e pesticida. É como se fôssemos a última colônia na África.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Almada: “O Paraguai se levantou contra a privatização dos setores estratégicos”


Entrevistando Martín Almada, prêmio Nobel da Paz Alternativo

“A greve geral disse não à Aliança Público-Privada, que é uma má fotocópia do receituário fracassado do FMI”, afirmou o intelectual e Prêmio Nobel Alternativo da Paz

Leonardo Wexell Severo

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Herói judeu e ministro de Mandela defende o “fim do apartheid de Israel”

28/11/2012

Ronnie Kasrils denuncia que “política de terrorismo de Estado de Israel é ainda pior do que a dos racistas sul-africanos”


Ronnie Kasrils, veterano combatente anti-apartheid
Em seu “Livro das perguntas”, Pablo Neruda indaga: “Por que as árvores escondem o esplendor de suas raízes?”. E como se respondesse à inquietação do poeta chileno e ignorasse a minha pergunta, Ronnie Kasrils, sul-africano de pais judeus de origem russa, nascido em Joanesburgo, veterano militante da causa antiapartheid e ex-ministro de Nelson Mandela, iniciou a entrevista exclusiva mostrando o longo caminho percorrido até o Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre. Da mãe, “doce, solidária e humanista”, aprendeu que a segregação a que os negros eram submetidos na África do Sul, com suas mais variadas formas de abuso e violência, “era o mesmo tipo de veneno imposto aos judeus na Europa”. Seu pai, um caixeiro viajante, vendedor de balas e doces para as segregadas e miseráveis comunidades negras, logo se converteria numa das principais lideranças sindicais da África do Sul. Desta combinação surgiu a indignação e o desejo da mudança. Daí até a militância clandestina, estimulado por uma prima comunista, foi um passo. A pele branca caiu como uma luva para as necessidades do movimento antiapartheid, até que foi banido de falar em público, de ir às fábricas, de reunir-se com mais de três pessoas e, finalmente, ficar desempregado. “A partir de então os racistas me deixaram com todo o tempo livre para me dedicar à luta contra o apartheid sul-africano”. Por sua luta, Ronnie Kasrils foi reconhecido como “herói judeu”, título cassado após ter se pronunciado “contra o apartheid de Israel”. Dirigente do Congresso Nacional Africano (ANC), Ronnie esteve reunido com Che Guevara, participou ativamente ao lado de vários combatentes pela libertação do Continente, como Agostinho Neto, de Angola, e Samora Machel, de Moçambique, e foi ministro de Nelson Mandela. “A política de terrorismo de Estado de Israel é ainda pior do que a do apartheid sul-africano, pois o regime de segregação racial não cercava os bantustões – locais onde os negros eram concentrados e apartados da sociedade branca -  nem os bombardeava com mísseis. Israel ergue muros e pratica crimes diariamente, covardemente, sem trégua, contra idosos, mulheres e crianças. Como disse certa vez um comandante militar israelense ao ver as barbaridades praticadas contra a aldeia de Deir Yassim, Israel está repetindo os nazistas”.
No auditório da Fecosul, Ronnie debaterá na próxima sexta-feira (30) sobre a Luta Palestina Anti-Apartheid – desafios, modelos e estratégias para a paz justa.
Abaixo, a íntegra da entrevista, que contou com a colaboração de Leonardo Vieira.

Como foi a sua participação na luta contra o apartheid na África do Sul?

A luta política contra o apartheid era pela não-violência, até que em março de 1960 um protesto pacífico em frente a uma delegacia de polícia foi banhado em sangue. O massacre deixou 69 mortos e representou um divisor de águas. Diante da brutal violência e repressão, discutimos que não havia outro caminho se não a resistência armada. Mandela me indicou como membro do comando de Durban e iniciamos ações que tinham como alvo os símbolos do apartheid, como os “Escritórios de classificação” onde os negros eram catalogados.

Catalogados de que forma?

Os racistas tinham 14 classificações diferentes para distinguir a inferioridade das raças. Iniciava pelo europeu e ia até o bantu, o mais negro de todos. Se uma pessoa dissesse que era branca eles olhavam as unhas, os dentes, como os nazistas faziam. Se um imigrante viesse do Líbano, devido à colonização europeia, era classificado como branco, se viesse da Síria era colorido. Atacávamos estes escritórios de classificação com uma regra: nunca matar ninguém. O objetivo era colocar abaixo os símbolos da opressão e do racismo. Isso inspirou muita gente a lutar e serviu como alerta ao regime de que era preciso mudar.

Foi um longo período de resistência até a realização das eleições e a vitória de Mandela em 1994.

Foram décadas de muita luta, pois os racistas não estavam dispostos a ceder. A repressão se desatou forte, com muitos militantes presos, torturados até a morte ou exilados. Neste período contamos com grande solidariedade de Angola e Moçambique para reconstruir nossa rede clandestina, que era então a única forma possível de luta.

Quais foram os pilares desta reconstrução?

Foram quatro pilares. O primeiro foi o motor da luta política, o povo como força que lidera o processo, com o sindicalismo à frente, com atuação destacada de jovens, mulheres e grupos culturais. O segundo pilar foi a montagem da rede clandestina, desde a propaganda, com a entrega de panfletos, até a infraestrutura para os combatentes. O terceiro foi a ação armada, com referência na atuação de Mao Tsé-Tung e de Che Guevara. O quarto foi a solidariedade internacional.

E a reunião com Che Guevara?

Eu me encontrei com Che em Dar-es Salaam, na Tanzânia, numa reunião em que também estavam Agostinho Neto, de Angola, e Samora Machel, de Moçambique. A concepção do Che e dos cubanos era bolivariana, de todos os líderes assumirem o internacionalismo da causa e contribuírem para a libertação de cada país como se fosse o seu próprio. Era esta a sua pregação e foi este o seu compromisso até o fim.

Fazendo um paralelo com o momento da derrubada do apartheid na África do Sul, como vês o papel da solidariedade internacional contra a política de terrorismo de Estado e segregação levada a cabo pelo governo de Israel?

O movimento antiapartheid nos deu um tremendo apoio e impulso em vários momentos em que a situação interna estava extremamente complicada. Foi uma contribuição inestimável para enfraquecer e isolar os racistas, pois unia gente de todas as origens e classes. Vale lembrar que era um Estado muito poderoso, com mais de cinco milhões de brancos. Nenhuma colônia teve tantos brancos, com raízes no país há muitos anos, grande exército, economia industrial com abundantes recursos minerais. E os Estados Unidos e a Europa como defensores, com Ronald Reagan e Margaret Thatcher à frente. Ao mesmo tempo, os negros eram submetidos à pobreza mais abjeta, à ignorância profunda, com o regime estimulando a divisão por tribos para melhor manipular. Se você fosse mestiço ou indiano já era capataz, era assim que funcionava. Diante deste quadro interno, a solidariedade trazia esperança.

Neste momento, a adoção de uma política de boicote, desinvestimento e sanções não seria um caminho natural para chamar o governo israelense à razão?

Acredito na efetividade do boicote quando ele chega no bolso, pois é onde dói, ajudando as pessoas a abrirem os olhos e potencializar a resolução desta situação insustentável. Com o boicote e as sanções, os acadêmicos israelenses que se sentem naturalmente orgulhosos de suas conquistas repensarão o alto preço pago pelos palestinos. Se houver boicote de armas e sanções militares, estará minada a capacidade de agressão de Israel.

Conte um pouco da sua trajetória.

Eu tive de sair da África do Sul em 1963. Tive treinamento militar na União Soviética e em Cuba. Passei pela Tanzânia, Londres, Angola e Moçambique como chefe do braço armado do Congresso Nacional Africano até 1990. Fui ministro de Defesa Adjunto de Mandela até 1994, ministro de Águas e Florestamento em 1999, ministro da Segurança em 2004 até 2008, quando saí do governo. Sempre fui muito incisivo contra a agressão israelense, ainda mais por ser descendente de judeus, e me tornei um alvo para Israel e para os sionistas. Visitei oficialmente a Cisjordânia e a Faixa de Gaza onde pude ver o quão absurda é a manutenção deste criminoso regime de segregação.

O que sentiste ao visitar os territórios ocupados por Israel?

Tanto em Gaza quanto na Cisjordânia senti uma espécie de dejà   vu, era como se estivesse de volta ao regime de apartheid. Na verdade, o que é feito contra os palestinos é ainda pior do que o apartheid sul-africano. Porque por mais brutal que fosse o regime, na África do Sul não se bombardeavam os bantustões, nunca houve o uso de helicópteros, mísseis e tanques. Nas operações, os racistas quebravam portas, prendiam, torturavam, mas isso durava duas semanas, nunca indefinidamente, como acontece na Palestina. Estive em 2004 com Yasser Arafat na sede da presidência da Autoridade Nacional Palestina (ANP) em Ramalah e ele me disse “não está vendo o meu bantustão?” Eu respondi que aquilo não era um bantustão e todos me olharam assombrados, como seu eu tivesse relativizando a gravidade da situação. Mas logo eu respondi que o local era pior do que um bantustão, porque eles nunca foram bombardeados nem nunca houve muros ao seu redor.

Uma segregação sem limites.

Qualquer ser humano de bom senso se sente extremamente chocado com tamanha selvageria. A situação é ainda mais impressionante quando tais crimes são reproduzidos por pessoas descendentes dos que sofreram o holocausto. Minha mãe, sempre muito doce, me ensinou os valores da vida e diante do que via sendo feito com os negros sul-africanos dizia que as pessoas, quando são submetidas a uma lavagem cerebral, se tornavam nazistas. Quando viu as crianças palestinas assassinadas na aldeia de Deir Yassin, em 1948, Cizling, um chefe israelense, disse: “Agora nos comportamos como nazistas”. É inadmissível que alguém com origem judaica perverta desta forma os ideais humanistas e passe a agir como monstro, praticando punições coletivas.

De que forma o Fórum pode contribuir para colocar um ponto final nesta sucessão de crimes?

O Fórum Social Mundial Palestina Livre tem um significado histórico de mobilização da sociedade, principalmente neste momento em que cresce a pressão internacional para que a ONU reconheça o Estado palestino como membro pleno. O fato de que esta solidariedade internacional seja um movimento pacífico mostra o seu intenso valor moral. O fim do apartheid de Israel contra os palestinos vai beneficiar não só os israelenses, mas também os judeus pelo mundo afora, a exemplo do que ocorreu quando caiu o regime de segregação na África do Sul. Muito diferente de representar uma ameaça, o fim do apartheid liberou os sul-africanos do peso das correntes de uma histeria militar e conquistou uma harmonia para toda a África, com progresso e segurança para todos. Tamanhos benefícios só podem vir com uma solução justa. Vale lembrar que na era dourada do Islã e do judaísmo houve uma convivência harmoniosa, de elevada solidariedade.

Da mesma forma que Estados Unidos, Inglaterra e Israel se alinhavam na ONU para blindar o regime de apartheid da África do Sul, hoje os EUA e a Europa Ocidental se empenham na defesa dos crimes do Estado de Israel. Qual a sua leitura sobre isso?

O interesse econômico e geopolítico explica as razões de tamanho apoio dos EUA e dos países da Europa Ocidental, mas os israelenses têm de repensar essa dependência total, porque o mundo está mudando. Israel é muito pequena dentro de um mundo árabe enorme. Será melhor para todos que o governo de Israel saia deste jogo perigoso e busque uma convivência harmoniosa com a região.

Começou a contagem regressiva para o final do apartheid de Israel?


Atualmente converso com ministros do tempo do apartheid na África do Sul e pergunto: o que te fez mudar? E um ministro muito importante me respondeu que havia sido quando o banco Barclay, da Inglaterra, anunciou que iria sair do país. Então, disse ele, é o fim pra mim, não tem mais jeito. O início do fim ocorreu portanto quando o banco do colonialismo inglês, sofrendo as intensas pressões internas, com as mobilizações, e internacionais, com a onda de solidariedade, após 200 anos, deixou o país. Isso ajudou a mudar a corrente de opinião.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Observadores internacionais denunciam: “fraude eleitoral foi institucionalizada em Honduras”

 
 
“A fraude eleitoral foi institucionalizada em Honduras”, denuncia manifesto da Via Campesina, cujos observadores internacionais se mantiveram ativos em aproximadamente 400 mesas eleitorais do país no último domingo (24).
Entre outros crimes, os observadores puderam comprovar “compra de votos, tentativas de suborno, cédulas pré-marcadas, violação ao voto secreto e emissão de dados antecipados por parte do Tribunal Superior Eleitoral em base a urnas ainda não contabilizadas”, além de diversas ações de “pressão e violência mediante ameaças e agressões, que se fizeram ainda mais graves na área rural”.
 
Conforme o Partido Livre (Liberdade e Refundação), de Xiomara Castro, os resultados parciais divulgados com estardalhaço pelo TSE, e repercutidos pelos grandes conglomerados de comunicação como a antessala da eleição do candidato do Partido (ANTI)Nacional e da embaixada americana, Juan Orlando Hernández,
Soldados encapuzados en Rigores, Honduras
ocultavam um grande percentual de urnas contrárias ao governo. Mais exatamente 1.900 atas ou o equivalente a 400 mil votos de regiões favoráveis a Xiomara.
 
A Missão Sindical Internacional de Observação Eleitoral, organizada pela Confederação Sindical dos Trabalhadores das Américas (CSA), se fez presente na capital e no interior do país, e também alertou para as “graves evidências de fraude". 
 
Na sede do Comitê de Familiares de Detidos e Desaparecidos de Honduras (Cofadeh), o Jubileu Sul, a CSA e outras sete organizações e redes sindicais apresentaram na terça-feira um informe preliminar em que manifestam “sérias preocupações” sobre o processo eleitoral hondurenho. “Durante todo o dia se receberam denúncias de diversas formas de manipulação e compra de votos, ameaças e outros atos de violência contra fiscais e votantes do Partido Livre. A Missão de observação recebeu testemunhos destes atos e alguns deles foram presenciados por seus representantes, assim como recolheram denúncias várias organizações internacionais que se deslocaram para observar o pleito”, ressaltou nota.
 
ALERTA - “Advertimos sobre o perigoso momento que vive o país, ante a fraude montado pelos mesmos personagens e instituições responsáveis pelo golpe de Estado de 2009 (que depôs o presidente Manuel Zelaya). O não reconhecimento da vontade do povo está criando um clima de tensão e angústia que aprofunda a instabilidade e a falta de institucionalidade em Honduras”, alertam as entidades.
 
A Via Camponesa também denunciou que parte de sua delegação de observadores vinda de El Salvador foi impedida de entrar no país. “Unido a isso queremos denunciar à comunidade internacional o assassinato de Amparo Pineda e Julio Romero, líderes comunitários da localidade de Cantarranas, no município de San Juan de Flores, Departamento de Francisco Morazán, por vários homens encapuzados, com armas de grosso calibre. Os dirigentes foram mortos quando regressavam de uma capacitação eleitoral a doze horas do início das eleições”.
 
Conforme Florencia Goldsmann, do Observatório das Violações dos Direitos Humanos Resistência das Mulheres no Contexto Eleitoral, na comunidade de Rigores, no Departamento de Colon, soldados e policiais encapuzados ameaçavam os camponeses, criminalizando a oposição ao governo.
 
Mesmo observadores internacionais foram submetidos a esta truculência quando militares encapuzados adentraram o Hotel La Aurora, em Tegucigalpa, tentando apreender seus passaportes e dificultar o registro das ilegalidades.
 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

“Povo hondurenho defenderá nas ruas a sua vitória nas urnas”, afirma Zelaya

“Exigimos que se respeite a decisão do povo de que Xiomara seja sua presidenta”, ressalta o coordenador do Partido Livre, repudiando a fraude

Leonardo Severo - Direto de Honduras

Soldados cercam protesto pacífico contra o golpe eleitoral
Exigimos que se respeite a decisão do povo de que Xiomara Castro seja a sua presidenta. Não importa o que façam, porque esse processo se iniciou e ninguém vai pará-lo”, afirmou o coordenador do Partido Livre (Liberdade e Refundação), Manuel Zelaya. Junto a centenas de militantes, o ex-presidente destacou durante coletiva de imprensa nesta segunda-feira (25) em Tegucigalpa que, “se necessário, o povo defenderá nas ruas a sua vitória nas urnas”.
Deposto por um golpe militar patrocinado pelos EUA em 2009, Zelaya enfatizou que “as urnas falaram em defesa de uma mudança profunda” e denunciou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) age em função dos interesses da oligarquia vende-pátria, representada pelo candidato Juan Orlando Hernández, do Partido (Anti) Nacional.
 “O Tribunal não está contabilizando 1.900 atas, cerca de 400 mil votos, de zonas em que na sua grande maioria o Partido Livre ganhou amplamente. Estamos prontos para comparar as atas que temos com as que chegaram do TSE. Que eles demonstrem o contrário, que perdemos. Nunca poderiam fazê-lo”, acrescentou Zelaya, aplaudido de pé.
Segundo Zelaya, a disposição do Partido Livre não é a de “conclamar a sublevação, mas de garantir direitos, que não se negociam”. “Por que o Tribunal aparta 20% das urnas em seu resultado? Basta ter um mínimo de inteligência para explicar”, condenou o ex-presidente, com a militância respondendo em coro: “vamos às ruas!”.
A presidenta eleita, Xiomara Castro, dedicou a vitória aos “homens e mulheres que entregaram sua vida por esta causa, aos jovens que doaram seu sangue pela liberdade da Pátria e de todo o povo hondurenho”. “Os dados que recebemos de todo o país com a contagem das atas eleitorais confirmam que sou a presidenta da Honduras. Não vou decepcionar, cumpriremos da primeira a última palavra empenhada”, agradeceu.

RECHAÇO À FRAUDE
Comitê de Familiares de Detidos e Desaparecidos denuncia
O candidato do Partido Anti-Corrupção (PAC), Salvador Nasralla, também rechaçou a fraude: “Os resultados estão dramaticamente violentados e não correspondem à realidade”. Nasralla, um apresentador de televisão, asseverou que o partido governista utilizou dois call centers para produzir e escanear atas falsas. Elas seriam enviadas ao centro de apuração, adulterando os resultados. “Tenho todas as provas e já apresentei uma denúncia à fiscalização. Além disso, o partido do governo comprou muitos dos representantes de mesa do meu partido, para que se retirassem do centro de votação e não defendessem nossos votos”, disse.
Reforçando esta denúncia, a TV Globo de Honduras divulgou entrevistas com inúmeros fiscais que comercializaram suas credenciais partidárias para o Partido Nacional. A reflexão é elementar: pela legislação eleitoral as mais de 16 mil urnas necessitariam de, pelo menos 32 mil pessoas de cada partido, entre fiscais e suplentes. Tais agremiações deveriam ter, portanto, pelo menos esses dois votos. Abertas as urnas, os partidos que atuaram como legenda de aluguel, todos juntos, não somaram sequer 1% dos votos. Formados para isolar o Partido Livre, seus “representantes” atuaram para controlar as mesas eleitorais e armar a fraude.
“GRAVES EVIDÊNCIAS DE FRAUDE”
 Foi o que viu a delegação de observadores da Confederação Sindical Internacional (CSI), que apontou a existência de “graves evidências de uma fraude eleitoral”. “Durante todo o dia recebemos denúncias de diversas formas de manipulação e compra de votos, ameaças e outros atos de violência contra os fiscais e os eleitores do Livre”, informou a CSI, ressaltando que “alguns deles foram testemunhados pelos representantes da missão, assim como pelas várias organizações internacionais aqui vindas para observar as eleições”.
Denis Roberto foi brutalmente agredido pelos fascistas
Também nesta segunda-feira à tarde, no Comitê de Familiares de Detidos e Desaparecidos de Honduras (Cofadeh), a canadense Laura Carter, dirigente do Industrial Global Union, apontou a existência de “uma série de irregularidades, que podem ter impacto determinante nos números divulgados pelo TSE". Laura informou que na zona de São Miguel, na região metropolitana de Tegucigalpa, que conta com 50 mil votantes, força expressiva de Xiomara, nada menos do que 400 eleitores apareceram como "mortos" - sendo retirados da lista, sem poder votar - e outros mil simplesmente "desapareceram do registro".

Marcelina Samaniego, representante da Internacional dos Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM), denunciou “a sonegação de informações e o não envio das planilhas de votação”. Como na região de San Pedro Sula, Xiomara liderava, esclareceu Marcelina, o jovem que manejava o computador e centralizava o processo lhe disse ter "orientações claras" para atrasar o envio de urnas desfavoráveis. "Nós não podíamos ter acesso e a Força Pública e a Militar estavam ali para respaldar o que eles dissessem", acrescentou. 

Denis Roberto Aguilar Gomez, fiscal do Partido Livre na Escola Tomas Alvarez na mesa 9357, no bairro Nova Esperança, na região metropolitana de Tegucigalpa, foi agredido por 20 fascistas do Partido Nacional. Quando foi denunciar aos policiais militares acabou sendo detido ilegalmente e agredido, por ser de oposição. "Me torturaram dentro da escola", relatou, mostrando as marcas da agressão.

PERSEGUIÇÃO E INTIMIDAÇÃO

Às vésperas das eleições de domingo (24), o governo hondurenho utilizou policiais militares e da migração para perseguir e intimidar observadores internacionais, identificados como simpatizantes de Xiomara. Personalidades como Rigoberta Menchú, prêmio Nobel da Paz, foram impedidas até de entrar no país. Ao mesmo tempo, os golpistas convidaram 23 organizações de extrema direita para acompanhar o pleito.

Na cidade de El Progreso, próxima a San Pedro Sula, um dos principais polos da resistência ao golpe contra Zelaya, cinco soldados da Migração, fortemente armados, entraram no centro de capacitação da Igreja em busca de “salvadorenhos”. Terceira principal cidade do país, El Progreso é o berço de Roberto Micheletti, ditador alçado ao poder em 2009.

Na capital, Tegucigalpa, prefeitos e parlamentares da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FMLN), que governa El Salvador, também foram abordados e constrangidos por policiais a poucos metros do Honduras Maya, hotel em que estamos hospedados.

Nesta segunda, soldados fortemente armados voltaram a cercar o hotel, tentando impedir um protesto pacífico contra a fraude eleitoral, condenada em coro como um novo golpe. “Mídia vendida, conta-nos bem, não somos um, não somos cem”, alertaram os manifestantes, repudiando a manipulação dos grandes conglomerados de comunicação em favor dos golpistas.